Posted by carlosgarbi
in Civil
Estabeleceu-se nos Tribunais
acirrada discussão a respeito da obrigação do devedor pagar honorários
advocatícios contratados, sem prejuízo daqueles fixados em razão da
sucumbência. Aqueles que sustentam esta possibilidade argumentam com o princípio
da reparação integral, cuja aplicação direta pelo Código Civil de 2002 fez
incluir na redação dos dispositos reproduzidos a seguir, a responsabilidade do
devedor pelo reembolso das despesas que o credor realizou na contratação do seu
advogado, necessária para demandar o cumprimento da obrigação. Por força da causalidade,
o devedor está obrigado a reparar integralmente o prejuízo do credor.
Esse é o fundamento que se afirma. Vejamos a redação dos referidos
dispositivos:
Art. 389. Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.
Art. 395. Responde o devedor
pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores
monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de
advogado.
Art. 404. As perdas e danos, nas
obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e
honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Respeitado o entendimento em
sentido contrário, penso que os referidos dispositivos do Código Civil não
sustentam a tese de que o devedor, condenado em juízo, deve pagar honorários de
advogado contratados pelo credor. Na verdade os referidos dispositivos
estão em absoluta consonância com a regra estabelecida no art. 20 do Código de
Processo Civil em vigor, que definiu a responsabilidade do vencido,
independentemente do dolo ou culpa que se verificou no litígio (consideração
que se fazia na vigência do CPC de 1939), pelo pagamento dos honorários do
advogado do autor. Portanto, no Código de Processo Civil existe regra clara a
respeito da obrigação do vencido pagar os honorários do advogado do vencedor.
Outra questão diz respeito ao valor do honorários devidos pela sucumbência.
O Código Civil de 1916, embora
não tivesse sido expresso a respeito da obrigação do devedor ressarcir ao
credor honorários de advogado, estabelecia, a exemplo do que ocorre no texto
atual do Código, que o devedor devia responder por perdas e danos. Os
honorários advocatícios estão naturalmente compreendidos nas despesas que o
credor foi obrigado a realizar, ou seja, nas perdas e danos. Não há
propriamente novidade na redação dos dispositivos do Código Civil de 2002 em
destaque. Sempre foi assim.
Também não é novidade o princípio
da reparação integral. É natural que se imponha ao causador do dano a
reparação cabal do prejuízo que causou. Portanto, penso que continua atual a
doutrina que sempre prevaleceu sobre o tema.
De acordo com a lição de YUSSEF
SAID CAHALI, “não são reembolsáveis, a título de honorários de
advogado, as despesas que a parte enfrenta em razão do ajuste com o
profissional a título de honorários profissionais, para o patrocínio de sua
causa ‘in misura superiore a quella poi ritenuta congrua dal giudice’. Aliás,
como agudamente observa Redenti, a condenação nas despesas,
embora sendo uma conseqüência secundária do processo sobre o direito
substancial, não pode ter origem senão no processo e nos atos nele praticados”.
Ao citar PONTES DE MIRANDA, o autor afirma que “se o quanto fixado na
sentença é superior ao que a parte pagou, ou tem de pagar ao advogado, ou se
lhe é inferior, isso de modo nenhum aproveita ou desaproveita ao advogado, que
não é parte no processo. O quanto, na relação entre parte e o advogado, resulta
do contrato e da maneira como o advogado se portou na execução do mandato”
(Honorários Advocatícios, 2ª Edição – ed. Revista dos Tribunais, 1990, p. 253).
Hélio Tornaghi escreveu a
respeito: “A advocacia é profissão liberal; podem, mandante e mandatário,
estipular livremente o montante dos honorários do segundo. Só nas causas de
grande valor esses se contém dentro dos limites fixados neste parágrafo. Nas de
pequena monta, nem a percentagem máxima (20%) seria remuneratória do trabalho e
do tempo gasto. Buscou a lei, entretanto, seguir critérios de equidade, para
não onerar em demasia o vencido, e critérios de justiça para evitar que, à
custa desse, pudesse haver enriquecimento ilícito ou até o conluio do vencedor
com o advogado” (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, ed.
Revista dos Tribunais, 1974, p. 167).
No mesmo sentido, Arruda Alvim
ainda salienta que “Os honorários advocatícios a que o vencedor tem direito,
não se confundem com o que este haja pago ao seu advogado. Desta forma, se
tiver pago a menos ao advogado, direito a esse mais não tem o seu advogado,
cuja relação com o vencedor, nesta hipótese é regida pelo contrato. (…) Aquele
que contrata, por escrito, com seu advogado, assume esta obrigação,
independentemente de quanto venha a receber da outra parte, ou mesmo, se não
vier a receber da outra parte” (…) Não há absolutamente que se vincular o
contrato de locação de serviços do advogado que envolve o mandato judicial para
representar este cliente em juízo e aquela condenação constante da sentença,
senão quando o advogado demonstre que o produto da condenação em juízo a ele
cabe.” E conclui, “A responsabilidade, portanto, do vencido, é uma
responsabilidade ex lege decorrente de ato jurisdicional que o condene ao
pagamento, o qual deve corresponder à derrota verificada” (Tratado de
Direito Processual Civil, Vol. II, ed. Revista dos Tribunais, 1996, p. 508, 536
e 537).
Theotonio Negrão, em seu
consagrado Código de Processo Civil, anota: “Os honorários advocatícios
contratuais, porque decorrente de avença estritamente particular, não podem ser
ressarcidos pela parte sucumbente, já que não participou do ajuste” (RDDP
53/146 – Código de Processo Civil Comentado; Saraiva, 2008, p. 154).
Oportuno mencionar que “a
condenação em honorários tem o fim de ressarcir o vencedor pelas despesas que
teve para contratar um advogado com o objetivo de estar em juízo. Contudo, tal
exigência se desvaneceu ante o teor do art. 23 do Estatuto da Advocacia. Seja
como for, o critério da lei para a fixação desse ressarcimento é objetivo e
ideal, podendo não corresponder, assim, ao que efetivamente foi gasto. Mas é o
único critério possível. A percentagem variará entre os limites estabelecidos
de acordo com as circunstâncias previstas abaixo. Registra-se, por último, que
a fixação dos honorários segundo o presente dispositivo depende da existência
de condenação, porque, à falta desta, aplica-se o § 4º” (ANTONIO CLÁUDIO
COSTA MACHADO, Código de Processo Civil Interpretado, Ed. Manole, 2008, p.
289).
Dessa forma, indevido o
reembolso, pelo réu, dos honorários contratados pelo autor. É nesse sentido o
entendimento da jurisprudência dominante no Tribunal de Justiça de São Paulo,
valendo registrar duas decisões recentes:
“Venda de madeira. Indenização.
Improcedência dos pedidos principal e contraposto. Error in judicando. Não
ocorrência. Não demonstração da alegada compra. Negócio não aperfeiçoado.
Reembolso decorrente da contratação de advogado. Inadmissibilidade. Dano moral
indevido. [...] Os honorários advocatícios contratados não dão respaldo ao
pedido de restituição para o vencedor do processo, afastando a pretensão ao
reembolso da verba” (Ap. n.
0013482-41.2008.8.26.0032; 32ª Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Kioitsi
Chicuta; j 21/07/2011).
“Ação de dissolução parcial de
sociedade – Pedido de retirada do nome da autora de sociedade mantida com o
ex-marido – Cumulação com pedido de reembolso de despesas com o ajuizamento da
ação – Atendimento do pedido pelo réu antes da contestação – Procedência
parcial da ação, para condenar o réu no pagamento dos honorários advocatícios
contratados pela autora, independentemente da sucumbência, que o juízo entendeu
ser parcial – Inconformismo dos réus – Acolhimento parcial – Condenação
indevida – Verba que faz parte do conceito de sucumbência – Mantida a
repartição da sucumbência, por conta da nova situação – Sentença reformada em
parte – Recurso provido em parte” (Ap. n. 9075803-89.2007.8.26.0000; 9ª Câmara de
Direito Privado; Rel. Des. Grava Brazil; j. 22/06/2010).
Acrescente-se que o Estatuto da
Advocacia, ao atribuir ao advogado os honorários arbitrados judicialmente por
força da sucumbência (e não à parte vencedora), não imputou ao vencido o
pagamento de honorários contratados. Nada mudou no regime de compensação dos
honorários advocatícios do vencedor, porque continuam regulados pelo art. 20 do
Código de Processo Civil, de modo que ao vencido deve ser imputada a obrigação
de ressarcir essa verba uma única vez, e limitada aos percentuais ali
estabelecidos. Se a lei deu ao advogado o direito aos honorários que o vencido
deve pagar, por certo os tirou do vencedor e não do vencido, que neste caso
seria onerado duplamente.
Outra solução, respeitado o
entendimento em sentido contrário, representa violação ao regime legal de
compensação dos honorários advocatícios da parte vencedora e, consequentemente,
o aumento da carga subjetiva na fixação dos honorários e com isso o surgimento
de questões cuja solução nos levará novamente à tarifação. Vale lembrar que os
percentuais definidos no art. 20 do CPC impedem a fixação de honorários
ínfimos, como ocorreu no passado e motivou a redação que lhe foi dada na Câmara
dos Deputados
A propósito a advertência de
Cândido Rangel Dinamarco: “O arbitramento a ser feito não se apoiará em
valores eventualmente ajustados entre a parte vencedora e seu próprio defensor
mas em critérios oferecidos pela lei, permitida ao juiz certa margem de
liberdade de julgamento; seria ilegítimo expor o vencido a cláusulas das quais
não participou e que podem consignar valores acima do razoável ou mesmo
exagerados, ou ainda resultar de manipulações que o exporiam a níveis
imprevisíveis de responsabilidade. O justo equilíbrio a prevalecer na
condenação por honorários deve atender a uma adequada relação entre eles e o
benefício econômico obtido pela parte vencedora.” (Instituições de Direito
Processual Civil, II, 6ª ed., Ed. Malheiros, p. 681)
É certo que a inovação do
Estatuto da Advocacia retirou do contratante vencedor da demanda o direito de
receber o reembolso, ainda que parcial, dos honorários que pagou ao seu
advogado. Não menos exato é que a verba advocatícia de sucumbência representa
um parcela significativa dos ganhos do advogado e não se ignora que essa
parcela integra qualquer negociação entre o advogado e o seu cliente, de modo
que não é impróprio dizer que mesmo destinada exclusivamente ao advogado a
verba de honorários de sucumbência compõe o ressarcimento indireto das despesas
da parte com o seu advogado.
Der qualquer modo, se não há
integral compensação dos gastos com advogado, não há também o risco de
condenação em pagamento de verbas excessivas, do conluio da parte vencedora com
o seu advogado ou da fixação irrisória de honorários pelo Juiz.
A prudência recomenda nesse tema
a única solução razoável, que é tarifar a compensação do advogado, deixando
pouco espaço para o subjetivo arbitramento dos honorários devidos pelo vencido,
sob pena de se abrir uma porta larga para desvios que nem sempre poderão ser
corrigidos nos Tribunais.
Registre-se que os arts. 85 e
seguinte do Projeto do Código de Processo Civil conservam, com poucas
alterações, o mesmo critério para a fixação dos honorários de advogado devidos
pelo vencido.
Reconheço que há forte movimento
em sentido contrário ao que defendo aqui, valendo registrar duas decisões
recentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, relatadas pela Ministra Nancy
Andrighi [REsp n. 1.027.797/MG, j.
17/02/2011 e REsp n. 1.134.725/MG, j.
14/06/2011]. Embora deferida a cobrança dos honorários contratados, advertiu a
relatora quanto ao possível abuso que deverá ser corrigido pelos Juízes, o que
só pode ser feito de forma subjetiva, e aí voltamos ao ponto do qual partimos.
Trocamos o critério objetivo pelo subjetivo.
O tempo é, como alguém já
afirmou, o melhor conselheiro. Desse debate resultará a necessária reflexão
para a tomada do rumo certo. Alguém já disse também que só não muda de opinião
quem não tem. Eu também posso mudar, mas ainda não me convenci.
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