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16 de
dezembro de 2014
Ensaio:
“Ativismo judicial” interpretado à luz da Constituição Republicana de 1988
Propõe-se ensaio preliminar de um
dos capítulos que será discutido na obra "Controle de Constitucionalidade
e Temáticas Afins" que restará lançada no início de 2015
Publicado por Leonardo
Sarmento - 1 semana atrás
No presente ensaio se entenderá “ativismo judicial”
como sinônimo de um judiciário pró-ativo a partir do momento em que for
provocado a sair de sua inércia, nos termos da CF/1988, e não no sentido pejorativo que muitos
emprestam a expressão. Nestes termos, uma das vigas mestras do espírito
neoconstitucionalista do qual somos ferrenhos simpatizantes.
É de fato, hodiernamente, um dos mais badalados
assuntos, de maior rodagem entre as instituições de poder, na imprensa, e
consequentemente na sociedade. Falo do que se convencionou denominar de
"ativismo judicial", que alcunho como sinônimo de “judicialização”,
com a devida máxima vênia aos discordantes, muito em razão da Justiça
Constitucional que se faz interveniente e capital em sua derradeira palavra
final de dizer o direito dentro um Estado Democrático de Direito, mas também
pelo incômodo promovido às funções políticas de poder, que deixaram de ter em
mãos o poder capital do “xeque-mate”.
Judicialização quer representar que algumas questões
de grande repercussão político-social estão sendo decididas por órgãos do Poder
Judiciário, e não pelas forças políticas tradicionais: Congresso Nacional e o
Poder Executivo, em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus
ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a
judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com
alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de
participação da sociedade. O fenômeno tem causas diversas. Algumas delas
expressam uma tendência global; outras estão diretamente relacionadas ao modelo
institucional brasileiro.
A primeira grande causa da judicialização foi a
redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a
recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um
departamento técnico-especializado e se transmudou em verdadeiro poder
técnico-político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto
com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos
Ministros já não deve seu título de investidura aos regimes autocráticos de
outrora. A ambiência democrática fez ressurgir a cidadania, dando maior nível
de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que
passaram a buscar a proteção de seus interesses perante magistrados e
tribunais. Nesse mesmo ínterim, deu-se a expansão institucional ao Ministério
Público, com aumento da relevância de sua atuação além da área estritamente
penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes
do Brasil. Em parcas palavras: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder
Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira.
A segunda causa foi a constitucionalização
abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram
deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária.
Essa foi, igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de
Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica
e ambiciosa, desconfiada do legislador constituído. Neste pensar,
constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na
medida em que uma questão, seja um direito individual, uma prestação estatal ou
um fim público é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma,
potencialmente, em uma pretensão jurídica, hábil para ser prestada sob a forma
de ação judicial. Se a Constituição assegura o direito de acesso ao
ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a
exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações
concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas.
A terceira e última causa que gostaríamos de avocar
ao presente ensaio da judicialização, é o sistema brasileiro de controle de
constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Referido como eclético,
ele combina aspectos de dois sistemas diversos: austríaco e americano. Assim,
desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle
incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar
uma lei em um caso concreto que lhe tenha sido submetido caso a considere
inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo austríaco o controle por
ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e
imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de
propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual quantidade substancial de
órgãos, bem como entidades públicas e privadas, as sociedades de classe de
âmbito nacional e as confederações sindicais, podem ajuizar ações diretas.
Nesse contexto, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode
ser judicializada e levada a Corte mais elevada do país.
De fato, à título exemplificativo-estatístico,
somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, no
âmbito de ações diretas, que compreendem a ação direta de inconstitucionalidade
(ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a arguição de
descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – questões como: a) o pedido de
declaração de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, do
art. 5º da Lei de
Biosseguranca, que permitiu e disciplinou as pesquisas com
células-tronco embrionárias (ADI 3.150); (ii) o pedido de declaração da
constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2006, do Conselho Nacional de
Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o
pedido de suspensão dos dispositivos da Lei
de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No âmbito das
ações individuais, a Corte se manifestou sobre temas como quebra de sigilo
judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região conhecida como
Raposa/Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de outros.
Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar
que a tendência não é nova e se renova. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se
ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo
a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência
(contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho
Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos
limites legítimos de atuação das CPIs (como quebras de sigilos e decretação de
prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos
fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo e a
possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes
hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no
tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do
regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço
público.
É importante assinalar que em todas as decisões
referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o
fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha a
discricionariedade de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre
o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento das ações. Não se
pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou a pretensão, em face dos
precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia judicial.
Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em
conformidade com o desenho institucional vigente.
Vivencia-se um período de inexorável descrédito das
instituições políticas de poder do país. Com um Legislativo material e
moralmente incapacitado a toda vista, vem representando mais as ambições da
função Executiva de Estado que propriamente o povo que nosso regime
constitucional elegeu como o titular do poder de um modelo de democracia
representativa. O Legislativo tornou-se uma função de poder carcomida pela
ausência de identidade própria que se voltasse ao interesse público legítimo, e
já por manifestação volitiva expressa do próprio Poder Constituinte, fez-se
iniciar um processo de espraiamento da supremacia constitucional, elegendo o
Judiciário, em especial o STF, como o guardião e último efetivador da vontade
constitucional.
A Constituição de 1988 adotou o modelo Social
Democrata ao talante da tendência mundial, elevando os direitos fundamentais ao
patamar de prioridade de Estado nos termos dos Direitos Humanos incorporados a Carta Maior de quase todos os países do mundo
contemporâneo. Percebe-se nítido caráter de Estado-Constituição voltado aos Direitos de 2ª Dimensão
(Direitos Sociais, Econômicos e Culturais), com especial proteção ao primeiro
deles.
Um Estado Social, prestador, interveniente, não se
negando por obvio os Direitos de 1ª Dimensão, as liberdades públicas, mas
indubitavelmente priorizando o modelo de um Estado intervencionista na ordem
social. Com a incorporação dos Direitos Humanos a CR/88 pelo Poder Constituinte na forma de
direitos fundamentais protegidos como Cláusulas Pétreas, já se proporcionou um
espaço de blindagem onde o volátil Poder Constituído (à exemplo do Congresso
Nacional) não poderia mais manipular ao seu livre talante o destino de seus
representados. Já naquele momento deu-se o "start" para um gradual
processo de deslegitimação do Legislativo, que já contava com uma história
pouco estimulante, e que o tempo só fez corroborar o inicial acerto do
Constituinte originário "deslegitimador".
Quando digo “deslegitimador”, refiro-me ao seu
papel preponderante de outrora, papel hoje indubitavelmente atribuído pela Carta maior ao Supremo Tribunal Federal, nos
termos do princípio da Separação de Poderes e da teoria dos “checks in
balances”.
Ao se perpetrar uma Constituição fortemente principiológica (com
abertura axiológica), repleta de mandamentos de otimização nos termos dos
ensinamentos de Alexy e Dworkin, abriu-se espaço a um maior ativismo do
Tribunal Constitucional que, como função precípua, deveria tutelar a supremacia
da constituição, efetivando-a, realizando-a, não
mais como mero legislador negativo (expressão cunhada de Kelsen), mas como
agente implementador último, capaz de no momento que fosse provocado a sair de
seu estado de inércia pela ineficiência das demais Funções de Poder
(Legislativa e Executiva) pudesse restabelecer a vontade constitucional de um
Estado socialdemocrata que deve efetivamente assegurar ao cidadão os direitos
fundamentais constitucionalizados, a partir da tábua rasa do mínimo
existencial, em respeito à dignidade da pessoa humana.
Não haveria "ativismo judicial" caso os
direitos fundamentais restassem prestados nos termos da Constituição, pois a Função Jurisdicional de
Poder só se ativa quando provocada a partir da ineficiência da Função Executiva
em prestar os direitos fundamentais por suas políticas públicas, ou do
legislativo, de legislar. Em última ratio a judicialização da política funciona
como remédio necessário modo a conferir eficácia aos mandamentos fundamentais.
A exclusão da Justiça Constitucional do cenário de
implementação, em uma mera cogitação, ainda que hipoteticamente inviável nos
termos da CRFB/88, transformaria o Estado social em um
Estado liberal de fato, permitir-se-ia um imponderável retrocesso que em um
Estado capitalista marcado pelas desigualdades extremas, que não mais se
compatibilizaria tomado nosso momento histórico atual. O chamado "mínimo
existencial" não seria mais sindicável pelo Estado-juiz, e a argumentação
da "reserva do possível" passaria a ser automaticamente a tônica de
um jogo de não implementação dos onerosos Direitos Fundamentais prestacionais,
âmbito onde o orçamento público encarna o papel que procura deslegitimar as
necessidades fundamentais impostas pelo constituinte em tutela aos
hipossuficientes. Claro, aqui não se exclui a necessidade de se ponderar os
direitos fundamentais requeridos, mas sempre guardando a necessidade de
respeito de um mínimo existencial “quase que intangível” representativo da
dignidade da pessoa humana.
Neste cenário de horror hipotético, segundo as
nossas hipossuficientes realidades, o parlamento voltaria a preponderar com
suas decisões majoritárias, e as minorias seriam sumariamente esmagadas sem
direito a pleito. O Estado liberal encabularia a Justiça Constitucional quando
chamada a fazer prevalecer os Direitos sociais fundamentais nas omissões
materialmente imputadas ao Estado-Executor e ao Estado-Legislador. Propostas de
emendas à Constituição andam vagando tendentes a exatamente reduzir o papel de
protagonismo do Judiciário em um Estado Democrático de Direito, inclusive,
ventilou-se calar o Ministério Público por meio da PEC 37, essencial
colaborador para o funcionamento de um Judiciário eficaz e fundamental fiscal
da ordem jurídico-social. Dentro da estrutura do Judiciário, o STF tornou-se a
bola da vez a partir do estouro do mensalão, onde Executivo e Legislativo
praticaram crimes que tentaram chamar de política, uma rebelião de poder contra
a moralidade pública e a efetiva aplicação do princípio da Supremacia da Constituição, que por obvio não pode ser
tolerada. Assim tentou-se reduzir o papel do STF com a PEC 33, o que viria a
representar inegável retrocesso ao poder de efetivação da Constituição e um atentado ao poder constituinte.
Argumentos pouco persuasivos são alçados como forma
de deslegitimar algumas atuações de "ativismo judicial". Procuram
incutir dentro da sociedade que as decisões legítimas e democráticas devem ter
a participação preponderante do Legislativo e/ou do Executivo, eleitos pelo
povo.
A estes não custa lembrar, que a Constituição é obra preponderante do Poder
Constituinte, representantes do povo de maior importância na história de um
Estado Constitucional, retalhada, é verdade, pelo "Poder
Constituído", que também goza de legitimação popular. A partir da criação
de ambos que se construiu a atuação da Função Jurisdicional, que se atribuiu o
papel de efetivador último das vontades do legislador constitucional, entre
elas o papel de aplicador subsidiário dos direitos fundamentais não prestados a
sociedade, de moralizador da política quando esta se torna instrumento para a
perpetração criminosa e desvios das legítimas finalidades públicas, enfim o
grande sustentáculo de um Estado Democrático de Direito constitucional, e por
isso, com indelével carga de legitimação popular, inquestionável. Não há nada
mais legítimo do que agir nos termos da Constituição.
Deixo exemplos aclaradores, capazes de diferençar
um Estado Social Constitucional de um liberal de defesa, com um Judiciário
despido de seu ônus efetivador dos mandamentos constitucionais, onde o Estado-juiz
está vocacionado basicamente para a manutenção das liberdades públicas, por
vejam:
Quando um hipossuficiente encontra-se necessitado
de um medicamento que vai além de suas posses, e este não restou fornecido por
meio de políticas públicas ineficazes, ou quando o hipossuficiente vai aos
hospitais públicos e não encontra leito para se internar, é a Função
Jurisdicional, que provocada diante da ineficiência do Estado-Administração,
será capaz de obrigá-lo a pagar o remédio e a providenciar o leito, ainda que
em hospital privado caso não haja realmente leitos disponíveis em hospitais
públicos, para que desta forma se faça cumprir o direito fundamental à saúde.
Em um Estado liberal, onde não teríamos um Estado
intervencionista na ordem social caso nossa Constituição não tivesse as balizas de uma Constituição-Cidadã, não teríamos um protagonismo
da Função Judisdicional tendente a prestações positivas de direitos
fundamentais, o Estado-Administração estaria livre para negar tais Direitos por
não ser este o seu papel fundamental, que vale dizer, provavelmente, nem na Constituição estariam elencados esses direitos na
forma de direitos fundamentais protegidos como cláusula pétrea, já que
promover-se-ia um modelo de Estado não-prestador, de garantidor mínimo das
liberdades públicas.
Especulando um modelo de Estado Social como é o
nosso, mas sem o protagonismo da Função Jurisdicional, o Estado-Administração
simplesmente poderia perpetrar as ineficácias de suas políticas públicas que
estaria livre de uma intervenção jurisdicional como eficaz garantidora do
direito fundamental à saúde.
O Direito fundamental a educação não fica excluído
da mais completa ausência de critério no que tange a implementação de políticas
públicas. Com uma política desastrada, incompetente e irresponsável, em 2010,
por exemplo, o Brasil já possuía 1.240 cursos de Direito, pasmem, quando o número
total de cursos de Direito no restante do mundo, excluído o Brasil somava
1.100. O Brasil sozinho possuindo mais cursos de Direito autorizados que a soma
dos cursos de Direito de todo o mundo, repetido pelo absurdo que representa.
(Os dados foram importados do portal IG, no blog Lei e Negócios).
Como resultado, temos uma absurda saturação de
advogados quase irreversível, onde a oferta de oportunidades de empregos é
risível se comparada a necessidade de colocação de profissionais no mercado.
Nem a prova da OAB, que reprova muito mais que aprova, pela baixíssima
qualidade do ensino no país, é capaz de dignificar o mercado. Aos advogados
sobram a quase desumana peneira dos concursos públicos, já que a mão-de-obra
aproveitada para advocacia privada resta subvalorizada pelo mercado consumidor,
o mercado da oferta e da procura.
Hoje a qualquer profissional de nível médio é
oportunizado salário maiores que a maior parte dos profissionais do Direito, em
uma inelutável inversão de valores pela incompetência das políticas públicas
perpetradas. São cinco anos de curso que não se revertem em um produto hábil a
gerar o retorno esperado, ao contrário, capacita os profissionais para o
fracasso e a frustração.
Neste ponto, onde a jurisdicionalização da questão
é de difícil cogitação, onde a discricionariedade do mérito administrativo
caminha com superlativa liberdade, é a sociedade quem paga a conta da
incompetência do Estado-Administração.
E contra um Legislativo ineficaz, há remédios? E
quando o Legislativo não legisla, e normas constitucionais com eficácia
limitada (não auto-executáveis) não conseguem cumprir seu papel pela falta de
eficácia proporcionada pela omissão legislativa? Sem a preponderância do
Judiciário constitucionalizada como é hoje, não haveríamos instrumentos como o
Mandado de Injunção ou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que
vale dizer, possuem uma eficiência menor que a desejável, mas agrega valor se
cogitada suas inexistências como instrumento concretizadores.
Digo isto, pois a tutela jurisdicional não pode ser
difundida sem provocação, e sim prestada materialmente a quem procurou o
judiciário, e este (Judiciário) não possui meios normativos para obrigar o
Legislativo a cumprir o seu papel de legislador positivo. O Judiciário apenas dá
ciência da mora legislativa, mas não pode obrigar a legislar em determinado
prazo sobre um direito fundamental não regulamentado. Diria que, a intervenção
jurisdicional neste caso é menor que a desejável no tocante ao Legislativo, já
que com relação ao Executivo a política pública terá que ser implementada no
prazo de 30 dias, gerando uma maior eficácia "erga omnes" do Direito
material fundamental sonegado.
É nesta esteira, que infirmo o quanto pífio são os
argumentos de "ativismo judicial", de separação de poderes, por
despidos de qualquer cognoscibilidade minimamente aferível à partir de uma
razoável e imparcial ponderação. O princípio da Separação de Poderes é
fundamento ao Estado Federativo e deve ser respeitado nos estritos termos da Constituição. Pretendeu-se demonstrar que a
preponderância interventiva do Judiciário é o espírito do Estado Democrático de
Direito previsto na Constituição Republicana de 1988, e assim deve
permanecer. Certo porém, é que, tanto o Executivo como o Legislativo, omissos
em seu deveres funcionais, não são sancionados por suas omissões, o que faz
gerar certa ineficácia da ideal tutela jurisdicional devida.
Para findar, faço lembrar que o princípio da Máxima
Efetividade dos Direitos Fundamentais encontra-se albergado pelo legislador
constituinte no art. 5º,
parágrafo 1º da CF/88, sendo um dos fundamentos para que a Função
Jurisdicional de Poder quando provocada em sua inércia, intervenha, a fim de
garantir na maior proporção possivel a aplicação da máxima efetividade dos
Direitos Fundamentais. Quando estando em mora prestacional o
Estado-Administração ou o Estado-Parlamento, uma intervenção do Judiciário,
desde que constitucionalizada, faz-se imperiosa nos termos aduzidos com o fito
de se garantir a efetividade e a supremacia da Constituição de 1988.
Fugir deste modelo de preponderância da Função
Jurisdicional é soterrar o texto constitucional e com ele o Estado
Democrático de Direito, elegendo as instituições políticas como pilares de
sustentação do Estado, incabível para nossa realidade. Pela teoria dos
"checks in balances", dos freios e contrapesos, corolário do
princípio da separação de poderes, que busca coadunar a dicotomia relevância da
função X limitação do poder, há que se ter o controle e vigilância recíprocos
de uma função de poder sobre a outra relativamente ao cumprimento de seus
misteres constitucionais. Coube a Função Judicial a guarda da Constituição e a promoção de sua máxima
efetividade, por isso não há que se falar em rompimento da harmonia e
independência das funções de poder pelo "ativismo judicial", mas sim
de respeito à harmonia e independência nos termos da Constituição. Esta é a exegese constitucional que
deve ser feita para um Estado Democrático que não é político, mas de Direito,
sempre agindo com bom-senso e razoabilidade para que não se anule nenhuma das
funções de poder, que devem trabalhar em harmonia, nos lindes da Carta Maior de 1988.
Diria que para o bem do país estamos firmes com o
modelo de judicialização, sem inconvenientes exageros que não se revelem em
caráter de absoluta exceção. O Judiciário a partir da CRFB/88, por força de ordem constitucional,
cumpre um papel integrador quando as demais funções de poder mostrarem-se
inefetivas, omissas na promoção de direitos fundamentais, quanto mais quando
adentrarmos ao campo da dignidade da pessoa humana porventura sonegado, a
partir do momento que for provocado. O Estado é um só, se a função de poder
competente originalmente a prestação se omitir deve o Judiciário provocado
pronunciar-se.
Deixa-se consignado que o antônimo de ativismo
judicial seria autocontenção judicial, quando o Judiciário deveria se apequenar
não interferindo nos poderes políticos do Estado, quando teríamos mais um
Estado Politico que um Estado de Direito. Assim não deveria aplicar diretamente
a Constituição, salvo seu âmbito de atuação
expresso à espera da ação dos poderes políticos; exigir-se-ia parâmetros
rígidos de controle de constitucionalidade de leis a atos normativos e se
absteria de intervir em políticas públicas. Era esse o modelo que reinava
anteriormente a promulgação da CRFB/88, onde a Carta Maior era mais uma Carta de intenções que
propriamente um diploma que irradiava sua normatividade como nos hodiernos
dias.
Professor constitucionalista
Professor constitucionalista, consultor jurídico,
palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas
e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Direito Processual Civil,
Direito Empresarial e com MBA em Direito e Processo de Trabalho pela FGV.
Disponível
em:
http://leonardosarmento.jusbrasil.com.br/artigos/155481120/ensaio-ativismo-judicial-interpretado-a-luz-da-constituicao-republicana-de-1988