quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Aulas de Direito Civil Familias



  

Fonte : http://rafaeldemenezes.adv.br/assunto/Direito-de-Fam%C3%ADlia/1/aula/1

Aula 01 - Civil 6 - Direito de Família
            O Direito Civil é essencialmente patrimonial, é inclusive chamado por alguns como o direito dos ricos pois, realmente, toda a nossa vida, a vida de todas as pessoas, é pautada por um interesse econômico, por uma conduta materialista, para a aquisição de bens e formação de um patrimônio.
            Perdoem-me os espiritualistas, mas eu digo sempre que ninguém faz nada de graça e se vocês hoje estão aqui acompanhando minhas aulas é porque desejam concluir o curso para arranjar um bom emprego com um bom salário. Inclusive nas doações existe um interesse material por trás, tanto que quando a gente dá um dinheirinho pro porteiro do edifício, a gente espera que ele nos ajude a subir a feira, que ele lave nosso carro, etc.
            Então este é o sentido da vida: estudar, trabalhar, se relacionar com as pessoas e com as coisas, para ganhar dinheiro e formar um patrimônio, que será transferido a nossos filhos após a nossa morte.
            É disto que cuida o Direito Civil, de regulamentar a nossa vida, a vida das pessoas, de João, José e de Maria. No Direito das Obrigações estudam-se as normas que regulam as relações das pessoas com outras pessoas, e a maior fonte de obrigação é o contrato. No Direito Real estudam-se as normas que regulam as relações das pessoas com as coisas, para adquirir propriedade. Pois bem, das relações das pessoas com outras pessoas, através dos contratos, e das relações das pessoas com as coisas, adquirindo-se propriedade, vai se formando um patrimônio ao longo da vida, patrimônio que será transferido a nossosherdeiros conforme as regras do Direito das Sucessões.
            Neste raciocínio nós encontramos todo o Direito Civil, exceto o Direito de Família. Chama-se o Direito das Obrigações, das Coisas e das Sucessões de direito patrimonial privado, ou seja, o vasto campo do Direito Civil onde os particulares se relacionam com os outros e dispõem dos seus bens com ampla liberdade, com grande autonomia.
            A autonomia é tanta que a maioria das normas do Direito Civil são supletivas, ou seja, não obrigam as partes, servem apenas para completar os contratos em caso de lacunas (ex: 490, 1375). Além disso, o direito patrimonial é disponível, e de regra a gente pode fazer o que quiser com nossos bens.
A interferência do poder público é pequena no Direito Civil, e é por isso que o Direito Civil realiza profissionalmente muitas pessoas que se sentem sufocadas pelo Governo, por um Estado paquiderme que fiscaliza muito, tributa muito, multa muito, mas oferece pouco em troca, pois em nosso país saúde, educação e até segurança são serviços que nós precisamos pagar a particulares, apesar de recolhermos tantos impostos. 
Neste raciocínio o Direito de Família fica deslocado, pois a maioria das suas normas são imperativas(obrigam as partes) e os direitos são indisponíveis/irrenunciáveis (ex: nome, filiação, alimentos, ver ats. 11 e 1.707). O profissional precisa de muita sensibilidade para atuar nesta área, inclusive veremos adiante que alguns autores o consideram parte do Direito Público e não do Direito Privado. Mas no fundo o Direito de Família integra o Direito Civil e, para não fugir à regra, também existe muita questão patrimonial nas relações familiares, como veremos ao longo do curso.

FAMÍLIA

Antes de começarmos a tratar do Direito de Família em si, vamos falar um pouco da família.  
Conceito: família é um grupo de pessoas ligadas entre si por relações pessoais e patrimoniais resultantes do casamento, da união estável e do parentesco (§ 4º do art. 226, CF). Comentários ao conceito:
- relações pessoais: decorrentes do afeto, carinho, amparo, da convivência entre familiares, da vida matrimonial, etc. (art. 229, CF).
- relações patrimoniais: prestação de alimentos (1694), regime de bens entre os cônjuges (1639), usufruto dos pais sobre os bens dos filhos (1689), etc. Percebam que mesmo no Direito de Família a questão material/econômica/patrimonial é importante.
- casamento, união estável e parentesco: a família resulta de um destes três vínculos. O casamento é a proteção que a lei dá a um homem e a uma mulher para viverem em comunhão e formarem uma família (1511). A união estável é o casamento de fato (1723 e  § 3º do 226, CF). E o parentesco também liga as pessoas, seja este parentesco  consangüíneo, afim (ex: cunhados) ou por adoção (§ 6º do art. 227, CF).
Obs: marido e mulher não são parentes mas cônjuges, ligados pelo casamento, ou companheiros/conviventes caso vivam em união estável.
Outra obs: não se cogita de casamento entre homossexuais em nosso país, pois o CC é bem claro no 1514 e a CF no § 3º do 226, que casamento e união estável é entre homem e mulher. Uma relação homossexual deve ser regulada pelo direito obrigacional como uma sociedade, e não pelo direito de família.
A família se origina assim do casamento, da união estável ou do parentesco, sendo a base da sociedade, a célula-mãe  (art. 226, caput, CF). Ninguém consegue ser feliz no trabalho ou no lazer se não é feliz na família. Diz a psicologia que as pessoas sofrem mais com uma crise familiar do que com a perda da liberdade. A prisão seria menos grave para o equilíbrio emocional das pessoas do que viver numa família instável e desestruturada. Concordam? Reflitam!
Em todos os países modernos onde eclode uma grave crise, uma guerra civil (ex: Oriente Médio), é na família que as pessoas vão se organizar para se proteger e sobreviver. Já era assim desde a pré-história quando as pessoas se juntavam com seus familiares. A união de várias famílias formam as cidades, que eram as antigas tribos. E várias cidades formam estados e países. Por isso a família é a célula-mãe, é a base da sociedade.
As primeiras famílias eram matriarcais porque o pai era desconhecido. Ao longo da história as famílias se tornaram patriarcais, predominando a autoridade e a força do varão. Atualmente ambos os cônjuges comandam a família (§ 5º do 226, CF, e 1631).
Natureza jurídica da família: não é pessoa física pois é formada por vários indivíduos; também não é pessoa jurídica porque exigiria previsão em lei (art. 44). Família assim não tem personalidade jurídica, não podendo ser parte numa relação jurídica. E o que é a família? Uma instituição, como diz a CF é a base da sociedade (226).

Aula 02 - Civil 6 - Direito de Família (continuação)
            Conceito de DF: é o conjunto de normas jurídicas aplicáveis às relações entre membros de uma mesma família, orientado por elevado interesse moral e bem estar social.
            Comentários ao conceito:
- as normas do Direito de Família são imperativas, ou seja, são obrigatórias, não sendo meramente supletivas como no Direito Obrigacional, onde a maioria das normas apenas supre a vontade das partes em caso de lacuna no contrato. Falamos disto na aula passada.
            - regulam a família, também já explicamos o que é uma família na aula passada, oriunda do casamento, da união estável e do parentesco. Quanto ao parentesco pode ser consangüíneo, afim e adotivo. Falaremos de todos estes assuntos mais adiante.
- felicidade: a moral e o bem estar que predominam nas relações familiares concentram-se hoje na busca da felicidade, por isso que atualmente se toleram mais de um parceiro, pessoas amigadas (= união estável), divórcio e até  casais homossexuais. Antigamente, na época das avós de vocês, a influência da Igreja na família e no Estado era muito forte, por isso a moral era mais rigorosa. Atualmente é preciso ser feliz, é este desejo que predomina na sociedade.
Natureza jurídica do DF: é ramo do Direito Público ou do Direito Privado?
Para alguns autores o DF integra o Direito Público, pois muitas de suas relações são fiscalizadas pelo Estado através do Ministério Público. Os Promotores de Justiça praticamente não atuam no direito patrimonial privado (Obrigações, Reais e Sucessões), mas no Direito de Família tem relevante função. No art. 226 da CF, caput e § § 3º, 7º e 8º, percebemos como o Estado procura proteger a família. Com relação ao pátrio poder, alimentos e bem de família se percebe também a preocupação do Estado, afinal crianças sem pais, pessoas necessitadas e famílias desabrigadas vão terminar sobrecarregando os serviços sociais do Governo. A lei e o Estado procuram assim evitar tais situações, obrigando os parentes a se ajudarem mutuamente, e ainda vedando a execução do único imóvel da família. Veremos todos estes institutos ao longo do curso. Além disso, as normas do DF são imperativas e seus institutos sãoirrenunciáveis/indisponíveis (ex: filiação, 11; alimentos, 1707), por isso que se aproxima tanto do Direito Público.
Mas para a maioria dos autores (inclusive para mim) o DF integra o Direito Privado já que regula a família, que não é um órgão/ente estatal. Ao contrário, a família é uma instituição particular onde, nas palavras de Sílvio Venosa, “a gente nasce, vive, ama, sofre e morre”. O próprio CC proíbe o Estado de seimiscuir/interferir nas relações íntimas da família (1513).
 Origem: os direitos de família têm origem no nascimento, na adoção ou no casamento. É o chamado estado familiar, ou “status” de solteiro, de casado, de menor, de irmão, de órfão, etc.  O “status” dá também o direito a usar o nome da família o que, em ditaduras e monarquias, garante empregos e privilégios, mas atualmente no Brasil pertencer a esta ou aquela família não garante nenhuma situação jurídica específica.
Características do status de família: a) intransmissível: o status não se transfere, não se vende, não se negocia, depende do nascimento, adoção ou do casamento, é personalíssimo, e é por isso que a gente não escolhe nossos pais, irmãos, cunhados, etc. A gente escolhe nossos amigos e nosso cônjuge, mas estes não são nossos parentes; b) irrenunciável: o status depende da posição familiar, não se podendo, por exemplo, renunciar ao pátrio poder para deixar de sustentar o filho; c) imprescritível: não se perde e nem se adquire pelo tempo/usucapião; o fato do aluno chamar por anos a professora de “tia” não cria nenhum vínculo jurídico com a mesma; d) universalidade: compreende todas as relações jurídicas decorrentes da família, afinal a gente é parente de alguém para as coisas boas e para as coisas ruins; além disso o status é exercido perante toda a sociedade; e) indivisibilidade: o status é sempre o mesmo, não se pode ser casado de dia e solteiro de noite!!!!!; f) reciprocidade: o status se integra por vínculos entre pessoas que se relacionam, então o marido tem uma esposa, o pai tem um filho, etc.
Rumos do DF neste séc. XXI: a) estatização: o Estado tem procurado assumir papéis que antigamente eram exclusivos da família, como a alimentação, a educação e o planejamento familiar, especialmente nas famílias mais carentes (ver CF art. 226,  § 7º e art. 227). Eu vou mais além, sem ensino público de qualidade (a faculdade pode ser privada, mas o ensino fundamental deve ser gratuito e bom) e sem controle da natalidade nosso Brasil não vai decolar, nesse sentido o referido  § 7º precisa ser revisto, bem como o § 2º do 1565; b) retração: admite-se que uma mãe solteira e seu único filho sejam considerados uma família; é a família segmentada ( § 4º do 226, CF); c)  dessacralização: para a Igreja a família só se forma com o sacramento indissolúvel do casamento, mas com o afastamento do Estado e da sociedade da Igreja, tolera-se uma família fora do casamento, decorrente da união estável ou de pessoas divorciadas; d) democratização: até o século passado só o pai mandava na família, hoje o poder é comum do pai e da mãe ( § 5º do 226, CF), e até os filhos são ouvidos e têm absoluta prioridade à educação e à convivência familiar (227, CF). Nossa Lei Maior usa algumas vezes a palavra “prioridade”, mas acompanhada do adjetivo “absoluta” apenas neste art. 227, o que revela a preocupação do Estado com os menores. Lembro a vocês que, ao longo da história, os filhos nunca foram considerados pois a mortalidade e a natalidade eram muito altas, mas hoje é diferente (1567). O que mantem uma família saudável é a união do casal e não a autoridade paterna. E sem uma família equilibrada a criação e educação dos filhos fica comprometida. Só hereditariedade não basta, é necessário um ambiente psicológico favorável para a formação de um cidadão.

Aula 03 - Civil 6 - Casamento
           Refiro-me ao casamento civil e não ao religioso. Até o séc. XIX o casamento era um só, pois o catolicismo era a religião oficial do Império brasileiro, mas com a República e a separação da Igreja do Estado, o casamento pode ser só civil ou só religioso. O Juiz só casa no civil, mas o padre/pastor pode casar no religioso com efeito civil, e este é o modo mais comum de se casar (§ 1º do 1516). Então os noivos se habilitam no cartório civil e fazem a celebração numa igreja com exclusividade, festa, recepção, etc. Se os noivos só desejam o casamento civil, vão se submeter a casamentos coletivos e desanimados no Fórum.           Conceito: casamento é a proteção que a lei dá à família para a união permanente do homem com a mulher a fim de se reproduzirem, criarem os filhos e viverem juntos com fidelidade, ajudando-se mutuamente.
            Comentários ao conceito:
            - a lei protege a família, base da sociedade, através do casamento (226, caput, CF).
            - o casamento é permanente/duradouro: antes era perpétuo/indissolúvel, até que a morte separasse os cônjuges, mas atualmente existe a possibilidade de divórcio nos termos do § 6º do art. 226, CF. O casamento tende a durar anos, décadas, mas não é mais indissolúvel.
            - homem com mulher: casamento exige união do par andrógeno, não sendo possível casamento de homossexuais. Os §§ 3º e 5º do art. 226 da CF deixam claro que casamento é entre homem e mulher. União entre gays e lésbicas é tratada como um contrato, uma sociedade civil, regulada pelo Direito das Obrigações, e não pelo Direito de Família. Nada impede, contudo, que mudanças na sociedade e na Constituição venham a admitir no futuro casamento entre homossexuais.
            - reprodução: é um objetivo importante do casamento, mas não é essencial, tanto que a lei permite casamento entre idosos ou entre pessoas estéreis, bem como não anula casamento quando os cônjuges optam em não ter filhos. O casamento apenas legaliza a relação sexual para fins de reprodução.
            - criação dos filhos: reprodução não é essencial, mas se tiverem filhos surgirá  a maior obrigação para um casal que é a de criar e educar os filhos.
            - viver junto: o casal deve coabitar, morar no mesmo teto;
            - fidelidade: é outra obrigação dos cônjuges, honestidade, respeito, consideração e fidelidade um para com o outro.
            - ajuda mútua: a assistência recíproca é mais uma obrigação do casal, tanto ajuda material como espiritual, na fartura como na pobreza, na saúde como na doença, na alegria como na tristeza (vide art. 1566, CC).
            O casamento assim irá formar um vínculo jurídico entre homem e mulher, que não serão parentes um do outro, mas cônjuges ou consortes, com direitos e obrigações (1565).
            Natureza jurídica: para a Igreja Católica o casamento é um sacramento, ou seja, é uma prova de fé juntamente com o batismo, a primeira comunhão, a crisma, a confissão, etc. Já para o Direito o casamento é um negócio jurídico de Direito Privado, afinal o Direito de Família integra o Direito Civil.
O negócio jurídico é uma declaração de vontade para produzir efeito jurídico, podendo ser mais livremente posto pelas partes do que previamente imposto pela lei, ou seja, o negócio pode ser informal como a maioria dos contratos (art. 107). Mas há negócios jurídicos que são solenes, sendo mais previamente impostos pela lei do que livremente postos pelas partes (ex: casamento, testamento, alienação de imóvel que exige escritura pública, etc). Casamento é assim um negócio jurídico solene, mas não o equiparo a um contrato solene, pois o casamento tem uma grande face institucional e sociológica, além disso precisa de uma autoridade (o Juiz) para sua celebração e dissolução ( = divórcio), aspectos que um contrato não possui, pois pode ser dissolvido por um distrato sem intervenção estatal. Depois revisem os fatos jurídicos, assunto de Civil I, escrevi alguma coisa sobre isso no nosso e-mail.
            Princípios do casamento são dois: 1) o da livre união: antigamente as esposas eram compradas ou escolhidas pelo pai do noivo, hoje predomina a felicidade, então não se deve casar por interesse, dinheiro, ou coação, mas sim por amor.  Tanto que os nubentes precisam afirmar perante o Juiz que sua vontade é livre e espontânea (1538 e pú). Casamento é negócio puro, não admite  prazo ou condição. Imaginem o Juiz perguntar “João que casar com Maria?”, e o noivo responder “depende”, isto não é possível. 2) princípio da monogamia: só se pode casar uma vez, salvo se viúvo ou divorciado. O casamento do bígamo é nulo (1521, VI c/c o 1548, II). Mesmo sem cometer bigamia, o cônjuge não pode ter outra parceira (e vice-versa) por causa do dever de fidelidade (1566, I). Adultério e bigamia são coisas diferentes, mas ambos são proibidos.
            Deveres conjugais: os cônjuges têm vários deveres que devem ser ressaltados pelo Juiz quando da celebração. Estas obrigações constam no art. 1566. Já falamos desses deveres quando comentamos o conceito de casamento acima. O inc V não constava do código velho e eu acho dispensável, afinal respeito e consideração estão implícitos em fidelidade e mútua assistência.   A principal obrigação é a de criar e educar os filhos.
            Direitos dos cônjuges: a) direito ao parentesco afim, de modo que o casamento leva o cônjuge a ser parente por afinidade dos parentes consangüíneos do outro cônjuge (1595; observem que pelo § 2º sogra é para sempre, mesmo com o divórcio ou a viuvez; se você se divorciar/enviuvar pode se casar com a cunhada, mas com a sogra jamais); b) direito ao nome (§ 1º do 1565, o marido se quiser pode também usar o sobrenome da mulher, afinal os direitos e deveres são recíprocos, 1511); c) direito a dispor dos bens, de modo que o cônjuge passará a ter direitos sobre os bens do outro (1639, 1647, I, 1667);  d) direito à emancipação caso o noivo seja menor de 18 anos (5º, pú, II, 1517, 1551); e) direito sucessório, pois com o casamento o cônjuge passa a ser herdeiro necessário do outro (1845 – veremos isso no próximo semestre).
            Pressupostos do casamento: a) diversidade de sexos; b) consentimento livre e inequívoco; c) competência do celebrante (Juiz Criminal, Federal ou Trabalhista não tem competência); d) amor!


 Aula 04 - Civil 6 - Habilitação ao Casamento
O casamento e o testamento são os negócios jurídicos mais solenes do Direito Civil. O casamento até mais do que o testamento, tendo em vista a importância social do matrimônio. Além disso, uma habilitação solene leva os noivos a refletir sobre a seriedade e as responsabilidades do casamento (1528 e 1566).
As formalidades para a habilitação são aquelas do art. 1525 ao 1532, depois leiam com calma estes artigos que tratam do processo para os noivos se habilitarem ao casamento, com os documentos que precisam apresentar, os prazos de tramitação, etc. Em suma, os noivos vão ao Cartório do Registro Civil do bairro onde qualquer deles moram, informam ao Juiz que querem se casar, pagam as taxas devidas, juntam os documentos exigidos pela lei e declaram que não possuem impedimentos. O Juiz então ouve o Promotor de Justiça (1526) e, se ninguém oferecer oposição ao pedido, o Juiz marcará a data para o casamento coletivo no Fórum.
Se os noivos preferirem se casar na Igreja, devem marcar a data com o padre/pastor levando a habilitação civil, e depois da celebração religiosa comunicar o casamento ao Cartório de Registro Civil (§ 1odo 1516).
As taxas que os noivos pagam é ao Cartório de Registro e não ao Juiz, afinal o Juiz já recebe do Estado, porém o cartório é uma atividade particular que precisa ser remunerada (1512 – vejam que a lei se refere a celebração gratuita, feita pelo Juiz, mas a habilitação feita pelo Cartório é paga). Os pobres, contudo, estão isentos de pagar taxas (pu do 1512).
Durante a habilitação para o casamento são publicados editais para dar divulgação ao desejo dos noivos (1527), e é neste prazo que terceiros podem se opor, alegando por exemplo que os noivos são parentes próximos, ou um deles já é casado, etc (1529). Em caso de urgência (ex: noiva grávida, motivo de viagem), o Juiz pode dispensar os editais (pú do 1527).
As testemunhas do casamento podem ser parentas dos noivos (inc. III, 1525), é uma exceção ao 228, V, pois entende o legislador que os parentes, por uma questão de afeto, têm interesse na felicidade do casal, e não vão nunca mentir para comprometer o bem estar dos noivos.
CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO
Com os papéis prontos, estando os noivos devidamente habilitados (1531), deverão comparecer no dia marcado perante o Juiz de Direito (1533 – em alguns estados, mas não em Pernambuco, existe um Juiz de Paz com a função de celebrar casamentos) e o Oficial do Cartório de Registro Civil, bem como as testemunhas e demais interessados, afinal é uma cerimônia pública (1534). Com todos de pé, o Juiz pergunta se os noivos comparecem de livre vontade, ouve o “sim”, autoriza a troca das alianças, lembra-os da importância da família e adverte-os das obrigações do 1566. Se um dos noivos titubear e o “sim” não for muito seguro, a cerimônia será suspensa (1538 e pú). Estando os noivos firmes, o Juiz profere então as palavras “mágicas” da parte final do 1535. Nesta hora, mesmo que falte energia ou alguém sofra um ataque cardíaco, o casamento terá se realizado (1514). Em seguida todos assinam o livro de registro, os noivos já com os nomes de casados (§ 1o do 1565 e 1536). Se o Juiz tiver amizade com os noivos, pode celebrar o casamento fora do Fórum, em alguma casa ou clube, desde que na sua Comarca, na sua jurisdição (§ 1odo 1534).
FORMAS ESPECIAIS DE CASAMENTO
1 – casamento por procuração: foi comum na época da segunda guerra mundial, quando os noivos viajavam às pressas e não tinham tempo de se casar, então deixavam uma procuração para um amigo dizer o “sim” perante o Juiz. Hoje em dia é raro, só me lembro do preso que costuma casar por procuração (1542). O procurador/mandatário pode ser de qualquer sexo, não precisa ser do sexo do mandante. Vocês sabem que o contrato de mandato não cabe para atos materiais (ex: A não pode dar uma procuração a B para fazer prova em seu lugar), igualmente no casamento por procuração o mandatário não vai consumar nada, vai apenas realizar o ato jurídico do consentimento, e nada de atos materiais...
2 – casamento sob moléstia grave: aplica-se quando um dos noivos, ou os dois, está muito doente (1539). Este casamento é útil para garantir a herança do companheiro, entre pessoas que viviam juntas mas nunca se casaram, afinal cônjuge é herdeiro necessário (1845), convivente herda bem menos (1790 – veremos isso no próximo semestre, mas percebam que não dá para comparar casamento com união estável, afinal o casamento é bem mais seguro). O noivo pode estar doente, mas precisa estar mentalmente sadio.
3 – casamento nuncupativo (ou in extremis): ocorre quando um dos noivos, ou os dois, estão em risco de vida (ex: presos numa caverna, num navio afundando, etc, 1540). Não podendo o Juiz comparecer, o casamento será feito perante seis testemunhas que depois farão a declaração oficial no Cartório (1541). Se o casal escapar, deverá posteriormente confirmar o casamento perante o Juiz (§ 5o do 1541). Estes três casamentos especiais são polêmicos e dão margem a fraudes, ainda bem que são raros.
Aula 04 - Civil 6 - Habilitação ao Casamento
O casamento e o testamento são os negócios jurídicos mais solenes do Direito Civil. O casamento até mais do que o testamento, tendo em vista a importância social do matrimônio. Além disso, uma habilitação solene leva os noivos a refletir sobre a seriedade e as responsabilidades do casamento (1528 e 1566).
As formalidades para a habilitação são aquelas do art. 1525 ao 1532, depois leiam com calma estes artigos que tratam do processo para os noivos se habilitarem ao casamento, com os documentos que precisam apresentar, os prazos de tramitação, etc. Em suma, os noivos vão ao Cartório do Registro Civil do bairro onde qualquer deles moram, informam ao Juiz que querem se casar, pagam as taxas devidas, juntam os documentos exigidos pela lei e declaram que não possuem impedimentos. O Juiz então ouve o Promotor de Justiça (1526) e, se ninguém oferecer oposição ao pedido, o Juiz marcará a data para o casamento coletivo no Fórum.
Se os noivos preferirem se casar na Igreja, devem marcar a data com o padre/pastor levando a habilitação civil, e depois da celebração religiosa comunicar o casamento ao Cartório de Registro Civil (§ 1odo 1516).
As taxas que os noivos pagam é ao Cartório de Registro e não ao Juiz, afinal o Juiz já recebe do Estado, porém o cartório é uma atividade particular que precisa ser remunerada (1512 – vejam que a lei se refere a celebração gratuita, feita pelo Juiz, mas a habilitação feita pelo Cartório é paga). Os pobres, contudo, estão isentos de pagar taxas (pu do 1512).
Durante a habilitação para o casamento são publicados editais para dar divulgação ao desejo dos noivos (1527), e é neste prazo que terceiros podem se opor, alegando por exemplo que os noivos são parentes próximos, ou um deles já é casado, etc (1529). Em caso de urgência (ex: noiva grávida, motivo de viagem), o Juiz pode dispensar os editais (pú do 1527).
As testemunhas do casamento podem ser parentas dos noivos (inc. III, 1525), é uma exceção ao 228, V, pois entende o legislador que os parentes, por uma questão de afeto, têm interesse na felicidade do casal, e não vão nunca mentir para comprometer o bem estar dos noivos.
CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO
Com os papéis prontos, estando os noivos devidamente habilitados (1531), deverão comparecer no dia marcado perante o Juiz de Direito (1533 – em alguns estados, mas não em Pernambuco, existe um Juiz de Paz com a função de celebrar casamentos) e o Oficial do Cartório de Registro Civil, bem como as testemunhas e demais interessados, afinal é uma cerimônia pública (1534). Com todos de pé, o Juiz pergunta se os noivos comparecem de livre vontade, ouve o “sim”, autoriza a troca das alianças, lembra-os da importância da família e adverte-os das obrigações do 1566. Se um dos noivos titubear e o “sim” não for muito seguro, a cerimônia será suspensa (1538 e pú). Estando os noivos firmes, o Juiz profere então as palavras “mágicas” da parte final do 1535. Nesta hora, mesmo que falte energia ou alguém sofra um ataque cardíaco, o casamento terá se realizado (1514). Em seguida todos assinam o livro de registro, os noivos já com os nomes de casados (§ 1o do 1565 e 1536). Se o Juiz tiver amizade com os noivos, pode celebrar o casamento fora do Fórum, em alguma casa ou clube, desde que na sua Comarca, na sua jurisdição (§ 1odo 1534).
FORMAS ESPECIAIS DE CASAMENTO
1 – casamento por procuração: foi comum na época da segunda guerra mundial, quando os noivos viajavam às pressas e não tinham tempo de se casar, então deixavam uma procuração para um amigo dizer o “sim” perante o Juiz. Hoje em dia é raro, só me lembro do preso que costuma casar por procuração (1542). O procurador/mandatário pode ser de qualquer sexo, não precisa ser do sexo do mandante. Vocês sabem que o contrato de mandato não cabe para atos materiais (ex: A não pode dar uma procuração a B para fazer prova em seu lugar), igualmente no casamento por procuração o mandatário não vai consumar nada, vai apenas realizar o ato jurídico do consentimento, e nada de atos materiais...
2 – casamento sob moléstia grave: aplica-se quando um dos noivos, ou os dois, está muito doente (1539). Este casamento é útil para garantir a herança do companheiro, entre pessoas que viviam juntas mas nunca se casaram, afinal cônjuge é herdeiro necessário (1845), convivente herda bem menos (1790 – veremos isso no próximo semestre, mas percebam que não dá para comparar casamento com união estável, afinal o casamento é bem mais seguro). O noivo pode estar doente, mas precisa estar mentalmente sadio.
3 – casamento nuncupativo (ou in extremis): ocorre quando um dos noivos, ou os dois, estão em risco de vida (ex: presos numa caverna, num navio afundando, etc, 1540). Não podendo o Juiz comparecer, o casamento será feito perante seis testemunhas que depois farão a declaração oficial no Cartório (1541). Se o casal escapar, deverá posteriormente confirmar o casamento perante o Juiz (§ 5o do 1541). Estes três casamentos especiais são polêmicos e dão margem a fraudes, ainda bem que são raros.


Regime de bens no casamento - versão para leigos



JusBrasil - Artigos


04 de dezembro de 2014
Regime de bens no casamento - versão para leigos
Publicado por Aldemiro Dantas - 1 ano atrás
Regime de bens para leigos
1. Introdução ao tema: o que é “regime de bens”.
Começamos esclarecendo que o presente texto tem por público-alvo o leitor que não é da área jurídica ou que, pelo menos, não costuma atuar na área do direito de família, e por isso é pouco afeito aos seus detalhes. Por esse motivo, tentou-se fugir da linguagem puramente técnica e dos tecnicismos. Pelo contrário, muitas vezes buscou-se linguagem até mesmo informal, sempre na tentativa de melhor traduzir a dicção legal sobre o tema.
Vamos ao objeto sob enfoque.
Chamamos de “regime de bens” o conjunto de regras que vão ser aplicadas aos bens do marido e da mulher, tanto os bens de antes do casamento quanto aqueles que forem sendo adquiridos na constância do casamento.                                                                                                                                        
No entanto, é importante observar que o regime de bens não se aplica apenas ao casamento, mas também nas uniões estáveis, inclusive nas que ocorrem entre pessoas do mesmo sexo.
Assim, se você juntar as escovas de dente com outra pessoa, seja do mesmo sexo que você ou não, e seja pelo casamento ou porque simplesmente passaram a morar juntos, sem maiores formalidades, já estará sujeito às regras de um regime de bens, ainda que nem saiba disso.
Apenas para facilitar a redação, ou seja, para não ter que ficar repetindo o tempo todo que o mesmo vale para a união estável, entre os companheiros, doravante farei referência ao casamento, ao marido e à esposa, mas o leitor já fica desde logo alertado que tudo o que for dito por aqui em relação ao casamento também vale para a união estável, e tudo o que for dito em relação ao marido e mulher também se aplica ao companheiro e à companheira.
São essas regras do regime de bens que definirão:
a) se os bens que você e seu cônjuge já possuíam ao casar passarão a ser comuns aos dois.
b) ou se cada qual continuará com esses bens como sendo apenas seus, mas os que forem sendo comprados durante o casamento pertencerão em comum aos dois.
c) ou se tanto esses bens anteriores ao casamento quanto os que forem sendo comprados durante o casamento serão particulares de cada um, em vez de comuns.
d) ou se todos os bens serão particulares, exceto determinado bem (um imóvel, por exemplo) que pertencerá aos dois, em comunhão.
e) ou se todos os bens serão comuns, exceto determinado bem, que continuará a ser particular de um dos dois.  Etc.
Na verdade, são infinitos os regimes de bens. Nossa lei (o Código Civil) apresentou as características dos regimes de bens mais comuns, mas o marido e a mulher são livres para criar seu próprio regime de bens, com regras diferentes daquelas que estão previstas no Código. A única exigência que a lei faz é que esse regime de bens criado pelos dois não viole as disposições legais.
Esse regime de bens, como regra, pode ser livremente escolhido pelas partes, que definirão as regras aplicáveis aos patrimônios de marido e mulher. No entanto, como veremos adiante, existem algumas situações nas quais a lei não permite essa liberdade de escolha, e já impõe determinado regime de bens, sem deixar opção para o marido e a mulher.
Convém observar que o regime de bens se mostra de grande importância no momento em que o patrimônio do casal precisa ser dividido, ou seja, no dia em que a convivência entre ambos termina.
E também não custa lembrar que em todo casamento essa convivência do casal sempre está destinada a terminar (e a terminar mal): seja pela morte de um deles, seja pela separação, seja pelo divórcio. Logo, sempre serão necessárias as regras do regime de bens, para a apuração do patrimônio de cada um.
E nesses dois últimos casos (separação e divórcio), é muito comum que o “meu bem” dos tempos felizes seja substituído pelo “meus bens” dos dias de briga. Daí o cuidado que se deve ter com essa escolha do regime de bens.
Além disso, o regime de bens poderá definir se determinados atos (a venda de um imóvel, por exemplo) podem ser livremente praticados pela pessoa casada ou se será necessária a autorização do cônjuge, e, em certos casos, pode até definir se quando um dos cônjuges morrer o outro será ou não herdeiro, como daremos brevíssima notícia mais à frente.
Concluindo essa breve introdução, duas observações ainda são necessárias: o regime de bens começa a produzir seus efeitos a partir da realização do casamento; esse regime de bens, em determinados casos e obedecidas certas exigências, pode ser alterado pelo casal, como mais adiante também examinaremos.
2. Quais são os regimes de bens que o Código Civil prevê?
Antes de examinarmos como se faz para escolher um ou outro regime de bens, é evidente que o leitor precisa saber quais são as características de cada um deles.
Começaremos nossa análise pelos regimes de bens cujas regras já são apresentadas pelo próprio Código Civil, e em seguida daremos exemplos de alguns regimes diferenciados, que marido e mulher podem criar livremente.
O nosso Código Civil apresenta os seguintes regimes de bens, que já vêm com suas regras prontas: a) comunhão parcial; b) comunhão universal; c) participação final nos aquestos; d) separação. Vejamos as principais características de cada um deles e sua exata localização no Código Civil.
a) o regime da comunhão parcial.
O regime da comunhão parcial está tratado nos artigos 1.658 a 1.666, do Código Civil, e pode ser facilmente caracterizado pelos seguintes aspectos:
1) os bens que cada um deles já possuía ao casar, continuarão a ser individuais: o que era do marido continuará a ser apenas do marido, e o que era da mulher continuará a ser exclusivamente da mulher.
2) os bens que forem comprados durante o casamento serão de ambos, mesmo que comprados em nome de apenas um deles. Se o marido comprar um carro apenas em seu nome, por exemplo, ainda assim o carro pertencerá a ele e à esposa, em partes iguais.
Quanto aos bens móveis, havendo dúvidas sobre a data da compra, será presumido que foram comprados durante o casamento (ou seja, pertencerão aos dois, em comum). Quanto aos imóveis não há esse tipo de dúvida, pois se trata de negócio formalizado em cartório, e a data pode ser apurada com precisão.
3) mas os bens que forem recebidos por doação ou por herança, durante o casamento, serão exclusivos daquele que os recebeu. Assim, por exemplo, suponha-se que morre o pai da mulher e a mesma recebe a herança: esse patrimônio herdado do pai será exclusivo da mulher, não se comunicando com o patrimônio do marido.
4) também será exclusivo o bem comprado durante o casamento com o dinheiro da venda de outro bem que era exclusivo. Por exemplo: se a mulher vende por R$ 500.000,00 um imóvel que era exclusivamente dela (porque já o tinha ao casar ou porque recebeu por herança) e com o dinheiro compra outro imóvel, no valor de R$ 400.000,00, esse novo imóvel continuará a ser exclusivo da mulher.
5) mas se a mulher vendeu esse imóvel exclusivo por R$ 500.000,00 e comprou um outro, no valor de um milhão de reais, em relação a esse novo imóvel ocorrerá o seguinte: metade dele será exclusiva da mulher (porque os 500 mil que eram dela correspondem à metade do valor do bem), e a outra metade será dela e do marido, em partes iguais. Nesse exemplo, portanto, a mulher ficará com 75% do imóvel, e o marido com 25%.
6) de modo semelhante ao item anterior, se o marido comprou um imóvel financiado, para pagar em 100 prestações, e, na época do casamento, já havia pago 80 parcelas (80% do total), vindo a pagar o restante durante o casamento, nesse caso ocorrerá o seguinte: 80% do imóvel pertencerá exclusivamente ao marido, e os outros 20% serão dos dois, em partes iguais. Neste exemplo, portanto, o marido seria dono de 90% do imóvel, e a mulher seria proprietária de 10%.
7) os prêmios ganhos em loteria ou sorteio pertencerão aos dois, em comum, ainda que apenas um deles tenha jogado. Suponha-se que o marido, há 20 anos, sempre joga nos mesmos números, nos concursos da loteria. Um belo dia, já casado, a sorte lhe sorri e o bilhete é premiado. Pois bem, esse prêmio pertencerá aos dois, em partes iguais, ainda que só o marido tenha feito o jogo.
Sobre essa situação, inclusive, ocorreu caso famoso, em certa cidade do Brasil: o marido ganhou vultoso prêmio da sena, mas nada disse para quem quer que fosse. Em seguida, esse marido separou-se da mulher e só depois foi receber o prêmio, achando que poderia ficar sozinho com o mesmo. A ex-esposa, no entanto, descobriu a artimanha e o safado, digo, o maridão, viu-se obrigado a dividir o prêmio com ela.
8) uma última regra: pertencem aos dois, em comum, as benfeitorias e os frutos referentes aos bens particulares de cada um deles. Assim, por exemplo, suponhamos que o marido seja o dono exclusivo de um imóvel. Se esse imóvel for alugado, os aluguéis pagos pelo inquilino (os frutos) pertencerão ao marido e à mulher. Da mesma forma, se forem feitas benfeitorias (uma garagem e um banheiro extra, por exemplo) e o imóvel se valorizar, essa valorização será dos dois, do marido e da mulher, embora o imóvel seja apenas dele.
b) o regime da comunhão universal.
No regime da comunhão universal todos os bens que marido e mulher já possuíam ao casar passarão a pertencer aos dois. Da mesma forma, tudo o que for comprado, recebido em doação ou por herança por um deles também pertencerá aos dois.
Veja-se que são duas as diferenças mais importantes, em relação ao regime da comunhão parcial: em primeiro lugar, os bens anteriores ao casamento serão comuns, o que não ocorre na comunhão parcial; em segundo lugar, mesmo os bens recebidos por doação ou por herança, durante o casamento, serão comuns.
No entanto, existem umas poucas exceções, ou seja, bens que não serão comuns aos dois, podendo-se destacar os bens que sejam doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e as dívidas anteriores ao casamento.
Assim, se ao casar o marido tinha dívidas a pagar, essas dívidas continuarão a ser da responsabilidade exclusiva dele, e por elas não responderá a esposa.
Da mesma forma, suponha-se que o marido é jogador inveterado, que dissipa todo o dinheiro que lhe chega às mãos. O pai da esposa, por sua vez, é pessoa muito rica, e que tem justificado receio de que, por ocasião da sua morte, sua fortuna será transmitida para a filha e também passará a pertencer ao marido, e este possivelmente irá dissipar o patrimônio.
Nesse caso, o sogrão poderá elaborar testamento, impondo sobre os bens da herança a cláusula de incomunicabilidade. Nessa situação, a herança que ele deixar será apenas de sua filha, não se comunicando para o marido.
No entanto, os frutos produzidos por essa herança ou por qualquer bem que seja exclusivo de um deles, pertencerão aos dois, em comum, se recebidos durante o casamento.

c) participação final nos aquestos.
Esse regime é muito estranho e, na minha opinião, destinado a não sair do papel. Ao longo do casamento os patrimônios não se misturam, e cada um deles, marido e mulher, tem o seu patrimônio individual, formado pelo que já possuía ao casar e pelo que for adquirido durante o casamento.
No entanto, quando a sociedade conjugal terminar (pela morte, pela separação ou pelo divórcio), os bens comprados (adquiridos a título oneroso) durante o casamento passarão a ser comuns aos dois, devendo ser feita a divisão em partes iguais.
Assim, enquanto mantida a sociedade conjugal entre marido e mulher, o regime será semelhante ao da separação, ou seja, os patrimônios são separados, tanto o de antes do casamento quanto o que vier a ser adquirido em sua constância.
No entanto, terminada a sociedade conjugal, os bens que tiverem sido comprados durante o casamento passam a ser de ambos, ainda que comprados em nome de apenas um deles, ou seja, o regime já passa a apresentar semelhança com o da comunhão parcial.
E é precisamente por isso que acredito que esse regime, na prática, não fará muito sucesso: é precisamente quando termina a sociedade conjugal, ou seja, naquele fatídico momento em que o “meu bem” cede lugar ao “meus bens”, que esses bens de cada um serão reunidos para serem divididos.
d) o regime da separação de bens.
Nesse regime nada se comunica, ou seja, o que o marido e a mulher já possuíam ao casar, continuará a ser de cada um deles, com exclusividade, não se comunicando com o patrimônio do outro.
Da mesma forma, tudo o que for adquirido na constância do casamento, seja por compra, doação ou herança, será exclusivo daquele que adquiriu, não integrando qualquer patrimônio comum.
A única imposição que a lei faz é que os dois, marido e mulher, contribuam para as despesas do casal na proporção dos respectivos rendimentos, a não ser que ajustem de modo diverso, o que poderá ser feito no pacto antenupcial.
Assim, por exemplo, se a mulher ganha o dobro do que recebe o marido, essa mulher deverá concorrer para as despesas do casal com o dobro da participação do marido, a não ser que tenham ajustado outra proporção para as respectivas contribuições.
3. Regimes de bens livremente ajustados.
Como já mencionamos logo na introdução, o casal pode ajustar as regras que quiser, não estando limitado pelos regimes de bens que já constam do Código Civil (esses que acabamos de examinar).
Assim, por exemplo, poderá o casal ajustar que os bens móveis adquiridos na constância do casamento serão comuns aos dois, mas que os bens imóveis serão exclusivos do cônjuge que o adquirir. Podem ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a determinado limite será comum a ambos, mas que abaixo desse limite será exclusivo do que o tiver adquirido.
Ou, ao contrário, poderão ajustar que os imóveis cujo valor seja superior a determinado limite será exclusivo do que o tiver adquirido, mas que abaixo desse limite será comum a ambos.
A única restrição que marido e mulher terão, nessa ampla liberdade de elaborar as regras do próprio regime de bens, é que não poderão violar as normas legais. Assim, por exemplo, se o regime de bens for o da comunhão parcial, marido e mulher não poderão ajustar que cada um deles possa vender livremente seus bens imóveis, sem que o outro precise autorizar.
Da mesma forma, não será válido o ajuste no sentido de que um deles estará desobrigado de contribuir para o sustento dos filhos. E assim por diante.
Na realidade, portanto, são tantas as opções que marido e mulher têm para ajustar o próprio regime de bens com as regras peculiares que lhes interessem, que não seria possível listar todas as combinações de regras que eles poderiam ajustar.
Mais importante do que isso é examinarmos como esses regimes de bens podem ser ajustados, sejam os previstos de modo específico no Código Civil, sejam os livremente criados pela vontade do marido e da mulher. É o que passaremos a fazer em seguida.
4. Como optar por determinado regime de bens.
Para escolher determinado regime de bens, seja um dos que já estão no Código ou seja para criar um regime próprio, marido e mulher devem fazer isso por meio de um contrato. Esse contrato recebe o nome de “pacto antenupcial”, e precisa ser feito mediante escritura pública, caso contrário será nulo.
De modo mais claro, os nubentes, antes do casamento, terão que comparecer perante um tabelião, dizer o que pretendem quanto ao regime de bens, e pedir que isso seja lavrado em escritura pública.
Se o regime de bens for um dos que já se encontram previstos no Código Civil, bastará que os nubentes indiquem o nome que o Código deu a esse regime, sem que sejam necessários maiores detalhes.
Assim, por exemplo, se quiserem adotar o regime da comunhão universal, bastará que do pacto antenupcial conste essa menção à comunhão universal, pois as regras de tal regime já estão especificadas e detalhadas no próprio Código Civil, e por isso não há necessidade de serem repetidas no pacto.
No entanto, se quiserem criar o próprio regime, com suas próprias e específicas regras, nesse caso será necessário que tais regras sejam detalhadas no pacto antenupcial, para que se possa saber com clareza o que os dois pretendem.
Uma vez ajustado esse pacto antenupcial, para que todos possam ter conhecimento do mesmo, deverá ser registrado junto ao Cartório do Registro Imobiliário, pois caso contrário não terá efeitos perante terceiros.
O leitor poderia pensar: mas por que outras pessoas devem ter acesso ao conteúdo do pacto antenupcial? É que, conforme o regime de bens ajustado, isso poderá ter influência na compra e venda de imóvel pertencente a um dos cônjuges, que poderá precisar ou não da autorização do outro; poderá influir no patrimônio que será usado para pagar as dívidas contraídas por um deles, se o patrimônio do casal ou apenas o patrimônio de um dos cônjuges; etc.
Ou seja, há – ou pode haver – interesse de terceiros em saber qual foi o regime de bens escolhido pelo casal, pois essa escolha poderá repercutir em negócios que um dos cônjuges venha a celebrar com esses terceiros.
Se um dos nubentes for menor, o pacto antenupcial deverá ser aprovado pelos pais ou representantes legais, mesmo que já tenham autorizado a realização do casamento. Explicando melhor: os que têm entre 16 e 18 anos, para casar, precisam da autorização dos pais. No entanto, mesmo que essa autorização tenha sido dada, o pacto antenupcial, com a escolha do regime de bens, precisará de outra autorização, específica para o regime de bens.
Se os nubentes não fizerem o pacto antenupcial, ou se o pacto for nulo (por exemplo, se não foi celebrado por escritura pública), então o regime de bens será automaticamente o da comunhão parcial, cujas regras já vimos anteriormente.
Por isso, se os nubentes quiserem ajustar o regime da comunhão parcial, neste caso não precisarão do pacto antenupcial, bastando que, no processo de habilitação para o casamento, que é obrigatoriamente feito perante o oficial do registro civil, informem sobre sua intenção.
Na União Estável, da mesma forma, se os companheiros nada ajustarem em sentido diverso, serão aplicadas as regras do regime da comunhão parcial. A única diferença é que, na união estável, basta o contrato por escrito (que pode ser particular) entre os companheiros, não havendo necessidade de ser feito o pacto antenupcial por escritura pública.
5. A alteração do regime de bens.
O regime de bens começa a gerar efeitos a partir da realização do casamento. No entanto, é possível alterar esse regime de bens, já na constância do casamento.
Para isso, no entanto, caro leitor, será necessário recorrer a um advogado, pois essa alteração deve ser pedida ao juiz, que poderá deferi-la ou não.
O pedido deverá ser feito por ambos os cônjuges, expondo-se os motivos que o justificam. Comprovadas as alegações, e tomando-se o cuidado para não causar prejuízos aos direitos de terceiros, o juiz poderá conceder a autorização.
Ca entre nós, vou confessar-lhe uma coisa, prezado leitor: não consigo concordar com essa exigência de que o juiz tenha que autorizar. Os bens são do marido e da mulher, e o que os dois fazem com esse patrimônio não é da conta do Juiz, pois o Estado não é fiscal do patrimônio particular das pessoas.
Na minha opinião, se o marido e a mulher concordam com a alteração do regime de bens, e desde que não haja prejuízos para terceiros, a mudança deveria ser possível, não cabendo ao juiz meter o bedelho nesse acerto feito entre ambos. No entanto, não foi essa a opção do nosso legislador, que optou por fazer do juiz o bedel e xerife do patrimônio alheio, e por isso exigiu que haja a autorização judicial para a alteração do regime de bens.
Essa possibilidade de alteração tem grande aplicação quando os nubentes foram obrigados pela própria lei a adotar determinado regime, e mais adiante pretendem modificá-lo, para que se ajuste à sua vontade.
Seria o caso, por exemplo, do menor que, aos 17 anos, não obteve autorização dos pais para o casamento. Essa autorização pode ser suprida pelo juiz, e o menor conseguiu que o juiz a concedesse. Nessa hipótese, como veremos logo em seguida, o Código Civil impõe que o casamento seja pelo regime da separação obrigatória, ou seja, esse menor não poderá escolher livremente o regime de bens que quiser: necessariamente casará pelo regime da separação.
Pois bem, alguns anos depois, esse marido já tem mais de 18 anos, com um bom emprego e uma boa renda, e ele e a mulher decidem que aquele regime que lhes foi imposto pela lei não é o mais adequado, e por isso pedem ao juiz que autorize a mudança para o regime que entendem mais conveniente.
A justificativa, por óbvio, seria no sentido de que o regime da separação lhes foi imposto, e não escolhido por eles, e que agora, já podendo escolher, não querem permanecer casados pelo regime da separação.
6. Casos em que o regime de bens é imposto pela lei.
Como já comentamos diversas vezes, existem situações nas quais os nubentes não podem escolher livremente o regime de bens, pois é a própria lei que impõe o regime da separação de bens, que deverá ser obedecido no casamento.
Essa imposição do regime da separação ocorre em três hipóteses, previstas no artigo 1.641, do Código Civil: a) quando não for observada alguma das causas suspensivas (logo adiante explicarei o que são essas causas); b) quando algum dos nubentes já tiver mais de 70 anos; c) quando foi necessário, para casar, o suprimento judicial. Vejamos, brevemente, cada uma dessas hipóteses.
A) quando não for observada alguma das causas suspensivas.
As causas suspensivas estão indicadas no artigo 1523 do Código Civil, e são situações nas quais o Código menciona que “NÃO DEVEM CASAR” os que nelas se enquadram. No entanto, se casarem, o casamento será válido, mas a consequência será o regime de bens, que obrigatoriamente será o da separação. São as seguintes situações:
a) o viúvo ou viúva que, tendo filhos com o falecido, ainda não tiver feito a partilha dos bens do casamento anterior, para entregar a parte desses filhos. A ideia é evitar que o patrimônio dos filhos venha a ser misturado e confundido com o patrimônio do novo casal.
b) a mulher que enviuvar ou cujo casamento venha a ser anulado, no prazo de dez meses após a viuvez ou a anulação. O que o Código pretende evitar é que, se essa mulher estiver grávida, haja confusão sobre quem é o pai, se o marido anterior ou esse do novo casamento.
c) a pessoa divorciada, enquanto não for feita a partilha dos bens do casal, para evitar que haja confusão e que se misturem os dois patrimônios, o do casamento anterior e o do casamento atual.
d) o tutor ou curador (e seus parentes, até os sobrinhos – só ficaram de fora os primos) com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não terminar a tutela ou curatela e ser feita a prestação de contas.
Pode-se observar que nos três primeiros casos a pessoa que se enquadrar nas situações respectivas não deve casar com pessoa alguma. Já no último caso a causa suspensiva apenas recomenda que não deve casar especificamente com a pessoa tutelada ou curatelada, mas não há qualquer problema em casar com outra pessoa.
De qualquer modo, repetindo o que já mencionamos linhas atrás, se esse casamento ocorrer, apesar de haver causa suspensiva, o mesmo não será nem nulo e nem anulável, e será plenamente válido. No entanto, o regime de bens será obrigatoriamente o da separação, ainda que os cônjuges tenham feito pacto antenupcial e escolhido um outro regime de bens, pois tal escolha não prevalecerá sobre a determinação legal.
Por outro lado, aqui se tem hipótese na qual, depois de superada a causa suspensiva, poderá ser feita a alteração do regime de bens, no modo que já examinamos anteriormente.
Se o viúvo, por exemplo, casou-se novamente sem dar aos filhos a partilha dos bens do cônjuge falecido, o regime será o da separação. No entanto, se futuramente vier a ser feita essa partilha, desaparecerá a causa suspensiva, e poderão os cônjuges desse novo casamento, caso queiram, pedir ao juiz a autorização para a alteração do regime de bens.
B) quando algum dos nubentes já tiver mais de 70 anos.
Essa idade dos 70 anos é o que costumo denominar, quando explico o tema para os meus alunos, de “idade do bagaço”. Trata-se daquela idade em que o legislador imagina que você, homem ou mulher (sim, a idade do bagaço não discrimina pelo sexo), já é um bagaço, e quem quer que se interesse por você estará de olho apenas no seu patrimônio.
Assim, para protegê-lo do “golpe do baú”, o legislador impede que você possa escolher seu próprio regime de bens, impondo-lhe de modo obrigatório o regime da separação. Ao que parece, o legislador partiu da ideia de que, nessa idade, a pessoa não se apaixona, e sim se abestalha...
Basta que um dos dois já tenha completado setenta anos, para que seja imposto o regime da separação. E, neste caso, é evidente que não poderá haver alteração posterior do regime de bens, pois a idade só irá aumentar com o tempo, e a causa suspensiva será insuperável.
Na minha opinião, brincadeiras à parte, considero que essa obrigatoriedade do regime da separação em função da idade se mostra claramente inconstitucional, pois implica em grotesca intervenção do legislador no direito fundamental de propriedade, a partir da ridícula presunção de que essa pessoa de 70 anos perderá o juízo e a sobriedade, ao encontrar alguém com quem se envolva amorosamente, e por isso não conseguirá decidir adequadamente sobre o próprio regime de bens.
Contudo, essa norma nunca foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e por isso continua plenamente válida.
À guisa de curiosidade, e deixando ainda mais claro que é inconstitucional essa norma esdrúxula, veja-se que a “idade do bagaço” variou ao longo dos tempos:
I) no antigo Código Civil, a obrigatoriedade do regime da separação era aos 50 anos para as mulheres e 60 anos para os homens.
II) quando entrou em vigor o atual Código Civil, em janeiro de 2003, homens e mulheres foram democraticamente igualados na idade em que se tornam um bagaço, sendo ambos aos 60 anos.
III) a partir de dezembro de 2010, talvez como reflexo do avanço da cirurgia plástica, o Código Civil elevou a idade do bagaço para 70 anos de idade, tanto para homens quanto para mulheres.
Agora, leitor, veja que aspecto interessante: quando houve a primeira grande reforma da previdência social, em 1998, o Presidente do STF tinha quase 70 anos de idade, e despachou sozinho o pedido de liminar em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade.
Ou seja, o Presidente do STF tinha o poder e o discernimento para, sozinho, proferir decisão que afetaria a vida de dezenas de milhões de brasileiros, mas não tinha autonomia para decidir sobre os seus próprios bens, caso viesse a casar. Vá entender!...
C) quando foi necessário, para casar, o suprimento judicial.
Aqui é a situação do menor que, tendo entre 16 e 18 anos, não obteve autorização dos pais para casar. Esse menor, como já mencionamos, poderá pedir ao juiz o suprimento dessa autorização, ou seja, poderá requerer que o juiz o autorize a casar.
Se conseguir convencer o juiz de que possui condições de ter sua própria família e obtiver a autorização requerida, esse menor casará, obrigatoriamente, pelo regime da separação de bens.
No entanto, como já mencionamos anteriormente, ao tratarmos da alteração do regime, esses cônjuges poderão, futuramente, requerer ao juiz, em conjunto, a alteração do regime.
7. Algumas restrições decorrentes do regime de bens.
Existem alguns negócios que a pessoa casada só pode praticar se for autorizada pelo cônjuge, mesmo que digam respeito a bens que sejam exclusivamente seus, exceto se o casamento for pelo regime da separação absoluta.
Esses atos, em relação aos quais a lei impõe essas restrições, estão indicados no artigo 1647, do Código Civil, e são os seguintes: a) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; b) atuar como autor ou réu em processo no qual se discutam os direitos sobre bens imóveis; c) ser fiador ou avalista; d) fazer doação dos bens comuns ou que estejam destinados a serem divididos entre ambos.
Assim, por exemplo, mesmo que determinado imóvel pertença apenas ao marido, este não poderá vendê-lo sem a autorização da esposa. E vice-versa.
Logo em seguida explicaremos cada uma dessas situações. Antes, contudo, são necessárias algumas observações sobre esse assunto.
Em primeiro lugar, não haverá a necessidade de autorização do cônjuge se o regime de bens for o da separação absoluta, como já mencionamos acima. Pois bem, essa “separação absoluta” mencionada pelo Código abrange tanto a separação obrigatória quanto aquela que é livremente escolhida pelos cônjuges.
Assim, se o regime de bens for o da separação (obrigatória ou livremente escolhida), neste caso o marido poderá vender o imóvel que lhe pertença, sem precisar de autorização da esposa, e esta poderá fazer o mesmo com os imóveis que sejam exclusivamente seus.
Em segundo lugar, se o cônjuge recusar-se a dar a autorização, o outro poderá requerer o suprimento judicial, ou seja, poderá requerer ao juiz que autorize a realização do negócio. Para isso, no entanto, é claro que precisará demonstrar que a recusa do outro é abusiva, sem qualquer fundamento.
Em terceiro lugar, se o negócio (a venda do imóvel, por exemplo) for praticado sem a autorização do cônjuge e sem o suprimento judicial, o mesmo será anulável. A ação de anulação poderá ser ajuizada pelo cônjuge que deveria ter autorizado (ou por seus herdeiros), no prazo de dois anos após o término da sociedade conjugal (pela morte, separação ou divórcio).
Vejamos agora, em maiores detalhes, quais são esses negócios que um dos cônjuges só poderá praticar se o outro autorizar (exceto se o regime de bens for o da separação absoluta).
a) alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.
Alienar significa vender, trocar ou doar. Nada disso pode ser feito por um dos cônjuges sem a autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, como já mencionamos acima.
E convém chamar a atenção, pois na prática é o que mais causa dúvidas, para o seguinte: pouco importa que o imóvel seja exclusivo do marido ou exclusivo da mulher, de qualquer modo o dono não poderá vendê-lo sem que o outro autorize (ou com suprimento da autorização, dado pelo juiz).
A mesma restrição é imposta pela lei quando o dono do imóvel pretende “gravá-lo de ônus real”. Gravar com ônus real significa oferecer o imóvel como garantia, como no caso da hipoteca. Ainda que um dos cônjuges seja o dono exclusivo do imóvel, não poderá oferecê-lo em hipoteca sem que o outro autorize.
Na verdade, essa proibição de oferecer em hipoteca nada mais é do que uma consequência da outra proibição: a hipoteca é uma garantia que, se a dívida não for paga, permite que o imóvel seja vendido para o pagamento do valor devido. Ou seja, a hipoteca pode ter como consequência a venda do imóvel. Logo, se para a venda a autorização é necessária, então para a hipoteca também o será.
Uma última observação: se o regime for o da participação final nos aquestos (cujas características já examinamos), os cônjuges poderão fazer constar do pacto antenupcial, se assim o desejarem, que os imóveis que sejam exclusivos de um deles podem ser vendidos sem a autorização do outro.
Nesse caso, no entanto, se esse imóvel particular tiver sido comprado na constância do casamento (ou seja, se vai integrar o patrimônio comum dos cônjuges, na hora em que terminar a sociedade conjugal), o valor da venda será considerado como integrante do patrimônio comum, para fins da partilha dos bens comprados na constância do casamento.
Veja-se, portanto, que são duas as hipóteses nas quais o imóvel particular poderá ser vendido sem a necessidade de autorização do outro cônjuge ou suprimento pelo juiz: quando for o regime da separação e quando for o regime de participação final nos aquestos e constar expressamente do pacto antenupcial essa possibilidade.
b) atuar como autor ou réu em processo no qual se discutam os direitos sobre bens imóveis.
Aqui, a situação pode ser facilmente descrita da seguinte forma: se uma pessoa casada vai ajuizar ação para reivindicar a propriedade (ou algum outro direito real, como o usufruto) de um imóvel, por exemplo, o cônjuge também deverá aparecer como autor da ação, embora apenas o outro seja o titular desse direito a ser discutido.
Da mesma forma, se a ação vai ser ajuizada contra pessoa casada, deverão figurar como réus na ação os dois cônjuges, ainda que apenas um deles tenha violado o direito do autor.
Simples assim: tanto o autor quanto o réu, se casados, terão que figurar na ação acompanhados do respectivo cônjuge, ainda que o direito a ser discutido diga respeito diretamente apenas a um deles.
c) ser fiador ou avalista.
A fiança e o aval são garantias pessoais, nas quais uma pessoa assume o compromisso de pagar dívida de outra. A diferença é que a fiança é garantia prestada nas dívidas em geral, e o aval é prestado em relação aos títulos de crédito (nota promissória, letra de câmbio, etc.).
Nos dois casos, o fiador ou avalista se compromete a pagar se o devedor não o fizer, o que significa que o fiador e o avalista são aqueles sujeitos que em breve perderão o amigo, pois terão que pagar a dívida do mesmo.
Pois bem, a fiança e o aval comprometem o patrimônio do casal com dívidas de terceiro, que em nada interessam à família. Por isso o legislador exigiu que houvesse a concordância do cônjuge, para evitar que um deles, sozinho, possa comprometer o sustendo do casal pagando dívidas alheias.
d) fazer doação dos bens comuns ou que estejam destinados a serem divididos entre ambos.
Quanto aos bens comuns, ou seja, os bens que pertencem aos dois cônjuges, parece bastante claro o motivo do legislador ter exigido a concordância do outro: se o bem pertence aos dois, seria absurdo que um deles, sozinho, pudesse doá-lo.
Já os bens destinados a serem divididos entre ambos (bens que possam integrar futura meação, nas palavras do Código Civil) são aqueles comprados por um dos cônjuges na constância do casamento, quando o regime de bens é o da participação final nos aquestos.
Nesse regime, como já vimos, se um dos cônjuges compra um bem na constância do casamento, esse bem lhe pertencerá com exclusividade. No entanto, quando terminar a sociedade conjugal, esse bem passará a integrar o patrimônio comum, a ser dividido entre ambos.
Ou seja, esse bem está destinado a integrar a futura meação entre os cônjuges, e por isso precisa que um deles autorize, caso o outro queira fazer a doação, pois o futuro patrimônio comum estará sendo desfalcado.
8. O regime de bens e a sucessão por morte.
Por último, vejamos como o regime de bens escolhido pode influir na entrega da herança aos herdeiros, quando morre a pessoa casada.
A ideia, neste item, não é a de fazer o exame completo sobre a sucessão por morte, mas tão somente identificar a influência do regime de bens nessa mesma sucessão.
E desde logo se observa que o regime de bens só influi na herança quando existem descendentes do falecido, pois se forem outros os parentes chamados para herdar, será completamente irrelevante o regime de bens.
Estão no artigo 1929, do Código Civil, as regras para definir quem serão os herdeiros legais da pessoa casada que vem a falecer. Em primeiro lugar são chamados os descendentes: os filhos (se não houver, os netos; se não os houver, os bisnetos; etc.).
Para dividir a herança com os descendentes, poderá ser chamado o cônjuge sobrevivente, mas isso dependerá do regime de bens do casamento.
Assim, se houver descendentes, o cônjuge não será chamado para dividir a herança com eles se o regime de bens era o da comunhão universal, o da separação obrigatória ou, sendo o da comunhão parcial, o falecido não possuía qualquer bem particular.
Vejamos os motivos dessa exclusão do cônjuge, nesses casos.
No regime da comunhão universal, o cônjuge já é meeiro, ou seja, já é dono de metade de todo o patrimônio do casal, e por isso o legislador entendeu que, já tendo a metade do patrimônio, não precisaria ser herdeiro da outra metada (a que pertencia ao falecido).
Veja-se, portanto, que o cônjuge não será herdeiro, mas será meeiro do patrimônio do casal.
No regime da separação obrigatória, o legislador entendeu que, se durante a vida os patrimônios teriam que ficar separados, não poderiam se comunicar, não faria sentido que, depois da morte, houvesse essa mesma comunicação, em prejuízo dos descendentes, cuja herança seria reduzida se tivesse que ser dividida com o cônjuge.
No regime da comunhão parcial, se o falecido não possuía bens particulares, isso significa que tudo o que era dele também era do outro, ou seja, o cônjuge sobrevivente já vai receber metade de tudo o que havia de patrimônio. Na prática, isso corresponde ao regime da comunhão universal, embora seja o da comunhão parcial.
Seria o caso, por exemplo, daqueles que casam (no regime da comunhão parcial) ainda muito jovens, juntando o nada a coisa nenhuma, pois geralmente nenhum deles tem patrimônio algum.
Assim, todo o patrimônio será adquirido ao longo da constância do casamento, e pertencerá aos dois em comum. Ou seja, o regime é o da comunhão parcial, mas na prática corresponde à comunhão universal, pois todo o patrimônio existente é comum a ambos.
E quando um deles vier a morrer, nada terá de seu, nenhum bem que seja particular, pois tudo o que tem é em comunhão com o outro.
Reforçando o que foi dito logo no início deste item, o regime de bens só poderá influir, afastando o cônjuge da sucessão, quando houver descendentes do falecido.
Assim, se o falecido não tinha descendente, mas apenas ascendentes (pais, avós, etc.) ou parentes colaterais (irmãos, tios, primos, etc.), pouco importará o regime de bens, pois em qualquer hipótese o cônjuge sobrevivente será herdeiro, ou seja, não será afastado em decorrência do regime de bens escolhido.
9. À guisa de conclusão.
A confessada intenção do presente texto, como decorre desde a simples leitura do seu título, era a de expor de modo simples e sem excesso de tecnicismo os principais aspectos dos regimes de bens no casamento.

A ideia era – e é – a de que mesmo profissionais que não sejam da área jurídica (ou até mesmo os da área jurídica, mas que não costumam transitar pela área do direito de família), mas que saibam ler e compreender o que leem, consigam apreender esses aspectos relevantes dessa matéria que integra a vida quotidiana da quase totalidade das pessoas.
Se o objetivo foi alcançado – ou não – só o leitor é que poderá dizer.
Doutorado em Direito (PUC-SP). Juiz do Trabalho do Poder Judiciário (AM). Professor da Escola da Magistratura do Amazonas.


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