segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Desacato não é crime, diz Juiz em controle de convencionalidade


Desacato não é crime, diz Juiz em controle de convencionalidade


O Juiz Alexandre Morais da Rosa, no julgamento dos autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023da comarca da Capital de Santa Catarina – Florianópolis -, efetuando controle de convencionalidade, reconheceu a inexistência do crime de desacato em ambiente democrático. Invocando a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, afastou a incidência do disposto no art. 331 do CP. A íntegra da decisão segue abaixo. Confira

Autos n. 0067370-64.2012.8.24.0023
Ação: Ação Penal – Procedimento Sumário/PROC
Autor: Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Acusado: A. S. dos S. F.


Vistos para sentença.

I – Relatório.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Unidade ofereceu denúncia contra A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 329 e 331, tendo em vista os atos delituosos assim narrados na peça acusatória (fls. 02-03):
No dia 15 de janeiro de 2012, por volta das 04h48min, na Avenida das Nações, em frente à Base de Canasveiras, nesta Capital, policiais militares encontravam-se em policiamento ostensivo quando avistaram uma briga generalizada, envolvendo diversas pessoas, e que, diante da intervenção policial, a contenda foi apaziguada, acalmando-se os ânimos de todos, com exceção do denunciado A. S., que mostrava-se ainda agressivo e gritando muito. Ao ser-lhe solicitado que se acalmasse, o denunciado, em tom de deboche, afirmou “que não gostava de polícia e que eram todos lotes de bichos, arrogantes e que não serviam para nada”, negando-se a prestar qualquer esclarecimento sobre a briga, “muito menos para uma policial feminina, porque mulher era para estar em casa dormindo”. Ao ser informado de que estava preso em razão do desacato proferido, o denunciado tentou fugir, mas mesmo detido em seguida, resistiu fortemente à prisão, com socos e empurrões, sendo necessária a atuação de quatro policiais para contê-lo. Mesmo após detido e algemado, o denunciado apresentou resistência e continuou a ofender os policiais militares, tudo na presença de diversas pessoas que acudiram ao acontecimento.
Certificados os antecedentes criminais do acusado (fls. 10-11).
A denúncia foi recebida em 29 de abril de 2013.
Citado (fl. 43), o acusado, por meio de defensor público, apresentou resposta à acusação (fl. 50-51).
Recebida a resposta à acusação e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 10/09/2013, às 15h30min (fls. 53).
Realizada a instrução, foram ouvidas testemunhas e foi realizado o interrogatório do acusado, sendo os depoimentos gravados em meio audiovisual (fls. 74 e 86).
O Ministério Público, em alegações finais, requereu a condenação do acusado nas sanções dos art. 331 e absolvição da imputação do crime de resistência previsto no art. 329 do Código Penal (fls. 95-101 ). A defesa, por sua vez, postulou pela absolvição do acusado, aduzindo ausência de dolo (fls. 103-113).
Os autos vieram conclusos.
É o breve relatório.
II – Fundamentação
Trata-se de ação penal de iniciativa pública incondicionada promovida pelo Ministério Público em desfavor de A. S. dos S. F., na qual lhe é imputada a prática do crime de desacato, assim descrito no art. 331 do Código Penal: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”; trata-se, conforme assinala a doutrina, de crime formal, comum, unissubjetivo, unissubsistente e de menor potencial ofensivo, tendo como fundamento teleológico a proteção da dignidade da Administração Pública e do exercício do Serviço Público.
Isso posto, importa destacar, de início, que o controle de compatibilidade das leis não se trata de mera faculdade conferida ao julgador singular, mas sim de uma incumbência, considerado o princípio da supremacia da Constituição (http://www.conjur.com.br/2015-jan-02/limite-penal-temas-voce-saber-processo-penal-2015). Cabe ainda frisar que, no exercício de tal controle, deve o julgador tomar como parâmetro superior do juízo de compatibilidade vertical não só a Constituição da República (no que diz respeito, propriamente, ao controle de constitucionalidade difuso), mas também os diversos diplomas internacionais, notadamente no campo dos Direitos Humanos, subscritos pelo Brasil, os quais, por força do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º[1], da Constituição da República, moldam o conceito de “bloco de constitucionalidade” (parâmetro superior para o denominado controle de convencionalidade das disposições infraconstitucionais).
Nesse sentido, como bem anota Flavia Piovesan[2]:
O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode reforçar a imperatividade de direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais complementam dispositivos nacionais ou quando estes reproduzem preceitos enunciados na ordem internacional – ou ainda estender o elenco dos direitos constitucionalmente garantidos – quando os instrumentos internacionais adicionam direitos não previstos pela ordem jurídica interna.
No que concerne especificamente ao chamado controle de convencionalidade das leis, inarredável a menção ao julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, no qual ficou estabelecido o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à hierarquia das normas jurídicas no direito brasileiro. Assentou o STF que os tratados internacionais que versem sobre matéria relacionada a Direitos Humanos têm natureza infraconstitucional e supralegal – à exceção dos tratados aprovados em dois turnos de votação por três quintos dos membros de cada uma das casas do Congresso Nacional, os quais, a teor do art. 5º, §3º, CR, os quais possuem natureza constitucional.
Trata-se de entendimento pacífico do Pretório Excelso, como se pode inferir do seguinte julgado:
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5o DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). […] (RE 349703. Relator: Min. Carlos Ayres Britto) – grifo nosso.
Por conseguinte, cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos, destacando-se, em especial, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 (PIDESC), bem como as orientações expedidas pelos denominados “treaty bodies” – Comissão Internamericana de Direitos Humanos e Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, dentre outros – e a jurisprudência das instâncias judiciárias internacionais de âmbito americano e global – Corte Interamericana de Direitos Humanos e Tribunal Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, respectivamente.
Nesse sentido, destaque-se que no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos[3] foi aprovada, no ano 2000, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, tendo tal documento como uma de suas finalidades a de contribuir para a definição da abrangência do garantia da liberdade de expressão assegurada no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E, dentre os princípios consagrados na declaração, estabeleceu-se, em seu item “11”, que “as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato‘, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Considerada, portanto, a prevalência do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre os dispositivos do Código Penal, é inarredável a conclusão de Galvão[4] de que a condenação de alguém pelo Poder Judiciário brasileiro pelo crime de desacato viola o artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, consoante a interpretação que lhe deu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
Em que pese reconhecer-se a inexistência, a priori, de caráter vinculante na interpretação do tratado operada pela referida instituição internacional, filio-me ao entendimento apresentado, considerando, antes de tudo, os princípios da fragmentariedade e da interferência mínima, os quais impõem que as condutas de que deve dar conta o Direito Penal são essencialmente aquelas que violam bens jurídicos fundamentais, que não possam ser adequadamente protegidos por outro ramo do Direito. Nesse prisma, tenho que a manifestação pública de desapreço proferida por particular, perante agente no exercício da atividade Administrativa, por mais infundada ou indecorosa que seja, certamente não se consubstancia em ato cuja lesividade seja da alçada da tutela penal. Trata-se de previsão jurídica nitidamente autoritária – principalmente em se considerando que, em um primeiro momento, caberá à própria autoridade ofendida (ou pretensamente ofendida) definir o limiar entre a crítica responsável e respeitosa ao exercício atividade administrativa e a crítica que ofende à dignidade da função pública, a qual deve ser criminalizada. A experiência bem demonstra que, na dúvida quanto ao teor da manifestação (ou mesmo na certeza quanto à sua lidimidade), a tendência é de que se conclua que o particular esteja desrespeitando o agente público – e ninguém olvida que esta situação, reiterada no cotidiano social, representa infração à garantia constitucional da liberdade de expressão.
É certo que, paulatinamente, o entendimento emanado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos deverá repercutir na jurisprudência interna dos Estados americanos signatários do Pacto de São José da Costa Rica – sobretudo em Estados que, como o Brasil, são também signatários da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969, cujo art. 27 prescreve que “uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado.” A título de exemplo, destaco que, precisamente pelos fundamentos alinhavados pela Comissão, a Suprema Corte de Justiça do Estado de Honduras, em 19 de maio de 2005, e a Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala, em 1º de Fevereiro de 2006, julgaram inconstitucionais os tipos penais dos respectivos ordenamentos jurídicos correlatos ao crime de desacato previsto na legislação brasileira.
A respeito, convém destacar as razões invocadas pela Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala[5]:
El texto de los artículos 411 y 412 impugnados es el siguiente:
“Artículo 411. (Desacato a los Presidentes de los Organismos de Estado) Quien ofendiere en su dignidad o decoro, o amenazare, injuriare o calumniare a cualquiera de los Presidentes de los Organismos de Estado, será sancionado con prisión de uno a tres años.
Artículo 412. (Desacato a la autoridad) Quien amenazare, injuriare, calumniare o de cualquier otro modo ofendiere en su dignidad o decoro, a una autoridad o funcionario en el ejercicio de sus funciones o con ocasión de ellas, será sancionado con prisión de seis meses a dos años.”
En ambas regulaciones se pueden advertir algunos puntos coincidentes, como lo son: a) sujeto activo o titular: funcionarios públicos, cuya denominación también abarca a los Presidentes de los Organismos de Estado; b) sujeto pasivo: un particular, que ostente capacidad de goce y ejercicio; y c) elemento material: ofensa a la dignidad y decoro, cuya determinación comporta aspectos plenamente subjetivos, sobre todo si el señalamiento o imputación se originan por la crítica política que siempre va a implicar juicios de valor heterogéneos; amenaza, que si se trata de intimación con la realización de un mal directamente a la persona, ya está sancionada como ilícito penal en el artículo 215 del Código Penal; e injuria o calumnia, que si se determina que éstas fueron dirigidas con evidente ánimo dañoso del honor de una persona, también se encuentran sancionadas penalmente en los artículos 159 y 161 del citado Código; y que si son punibles de la manera en la que están regulados en los artículos 411 y 412 antes citados, pueden ser utilizados como un método para reprimir la crítica y los juicios de valores y opiniones de personas que pudiera considerarse como adversarios políticos.
En consecuencia, no existe un bien jurídico que merezca la tutela que se pretende al instituir los tipos penales contenidos en los artículos 411 y 412 antes citados, generando una protección adicional respecto de críticas, imputaciones o señalamientos de la que no disponen los particulares y un efecto disuasivo en quienes deseen participar en el debate público, por temor a ser objeto de sanciones penales aplicadas conforme una ley que carece de la debida certeza entre los hechos y los juicios de valor. Es pertinente acotar que desde mil novecientos sesenta y cuatro la Corte Suprema de Justicia de los Estados Unidos, en su sentencia en el caso New York Times vs Sullivan (376 U.S. 254, 1964) estableció que el Estado debe garantizar la libertad de expresión, incluso en sus leyes penales, por “un compromiso nacional profundo con el principio de que el debate sobre los asuntos de interés público debe ser desinhibido, robusto, y absolutamente abierto, por lo que perfectamente puede incluir fuertes ataques vehementes, casuísticos y a veces desagradables contra el gobierno y los funcionarios públicos”. Dicha Corte sostuvo, en ese fallo, que las leyes que penalicen la difamación no se pueden referir a una crítica general al gobierno o de sus políticas, pues los ciudadanos son libres de divulgar información cierta sobre sus funcionarios, lo cual también es compartido por este Tribunal.
Tampoco es ajeno a esta Corte el que desde mil novecientos noventa y cinco, la Comisión Interamericana de Derechos Humanos haya considerado que las leyes que establecen el delito de Desacato son incompatibles con el artículo 13 de la Convención Americana de Derechos Humanos, al haberse determinado que no son acordes con el criterio de necesidad y que los fines que persiguen no son legítimos, por considerarse que este tipo de normas se prestan para abuso como un medio para silenciar ideas y opiniones impopulares y reprimen el debate necesario para el efectivo funcionamiento de las instituciones democráticas. (Vid. Informe sobre la Incompatibilidad entre las leyes de desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos, OEA/Ser.L/V/II.88, Doc. 9 Rev. [1995] 17 de febrero de 1995).
Al atender las citas doctrinarias y jurisprudenciales antes citadas, y aplicar lo extraído de ellas en función de lo regulado en los artículos 411 y 412 del Código Penal, este tribunal concluye indefectiblemente que tal regulación no guarda conformidad con el contenido del artículo 35 constitucional; y de ahí que por tratarse aquéllos de normas preconstitucionales, se determina que estos contienen vicio de inconstitucionalidad sobrevenida, por lo cual deben ser excluidos del ordenamiento jurídico guatemalteco y así debe declararse al emitirse el pronunciamiento respectivo.
Por fim, cabe mencionar que a comissão de juristas brasileiros responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código Penal deliberou, por maioria de votos, em sessão havida em 07 de maio de 2012, por sugerir a revogação do crime de desacato da legislação penal brasileira, ante a sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos[6].
Em relação ao suposto crime de resistência, previsto no artigo 329 do Código Penal, considerando que a Constituição da República ao organizar a estrutura do Poder Judiciário e acometer ao Ministério Público o lugar de acusador no processo penal, com a defesa no oposto, com a finalidade de garantir o contraditório, deixou o juiz no lugar de espectador, ou seja, descabe qualquer pretensão probatória na gestão da prova[7]. E a realização do Processo Penal acusatório é acolhida como tarefa democrática inafastável, não se confundindo com as meras formas processuais, mas sim como procedimento em contraditório (Cordero e Fazzalari), produzindo significativas alterações no modelo utilizado no Brasil[8] Neste pensar, o papel desempenhado pelo juiz e pelas partes deve ser acompanhado de “garantias orgânicas” e “procedimentais”, consistindo na diferenciação marcante entre os modelos, consoante acentua Ferrajoli[9]: “pode-se chamar acusatório todo sistema processual que tem o juiz como um sujeito passivo rigidamente separado das partes e o julgamento como um debate paritário, iniciado pela acusação, à qual compete o ônus da prova, desenvolvida com a defesa mediante um contraditório público e oral e solucionado pelo juiz, com base em sua livre convicção. Inversamente, chamarei inquisitório todo sistema processual em que o juiz procede de ofício à procura, à colheita e à avaliação das provas, produzindo um julgamento após uma instrução escrita e secreta, na qual são excluídos ou limitados o contraditório e os direitos da defesa”. A separação das funções do juiz em relação às partes se mostra como exigida pelo ‘princípio da acusação’, não podendo se confundir as figuras, sob pena de violação da garantia da igualdade de partes e armas. Deve haver paridade entre defesa e acusação, violentada flagrantemente pela aceitação dessa confusão entre acusação e órgão jurisdicional. Entendida nesse sentido, a garantia da separação representa, de um lado, uma condição essencial do distanciamento do juiz em relação às partes em causa, que é a primeira das garantias orgânicas que definem a figura do juiz, e, de outro, um pressuposto do ônus da contestação e da prova atribuídos à acusação, que são as primeiras garantias procedimentais da jurisdição, conforme Ferrajoli. Acrescente-se que a acusação precisa ser “obrigatória” no sentido de evitar ponderações discricionárias – condições subjetivas de proceder – do órgão acusador, tutelando o ‘princípio da igualdade de tratamento’ estatal e, ainda, que esse órgão deve ser público e dotado das mesmas garantias orgânicas do julgador. A assunção do modelo eminentemente acusatório, segundo Binder[10], não depende do texto constitucional – que o acolhe, em tese, no caso brasileiro, apesar de a prática o negar –, mas sim de uma “auténtica motivación” e um “compromiso interno y personal” em (re)construir a estrutura processual sobre alicerces democráticos, nos quais o juiz rejeita a iniciativa probatória e promove o processo entre partes (acusação e defesa). Com isto bem posto, descabe qualquer possibilidade de o juiz condenar quando o representante do Ministério Público requer a absolvição. Assim proceder seria uma fraude ao sistema acusatório.
No caso presente, o representante do Ministério Público assim se manifestou (fls. 95-101):
De acordo com o conjunto probatório formado durante a instrução processual, não restou evidenciada prova suficiente para a condenação do acusado pelo crime descrito no artigo 329 do Código Penal.
Isso porque, apesar do termo circunstanciado de fls. 05/09 narrar que o réu resistiu à prisão com socos e empurrões, sendo necessário quatro policiais para contê-lo, F. L. dos S. não menciona nada sobre o ocorrido durante o seu depoimento judicial (CD de fl. 86).
Assim é que, sendo o Ministério Público o dono da ação penal e requerendo a absolvição, descabe qualquer consideração, já que o juiz não pode condenar nesta hipótese, devendo o acusado ser absolvido dessa imputação.



III – Dispositivo.

Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE A DENÚNCIA para ABSOLVER o acusado A. S. dos S. F., já qualificado nos autos, da imputação dos crimes descritos nos artigos 331 e 329, com base no art. 386, inciso III e VII, do Código de Processo Penal.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Florianópolis (SC), 17 de março de 2015.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito

 [1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
[2] PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.p. 170.
[3] A respeito das funções desempenhadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no mecanismo interamericano de apuração de violação dos direitos humanos, destaca Ramos: A comissão é o órgão ao qual incumbe a promoção e a averiguação do respeito e a garantia dos direitos fundamentais. Pode elaborar estudos e ofertar capacitação técnica aos Estados. Pode também criar relatorias […], dirigidas pelos Comissários, cujos relatórios serão submetidos à Assembleia Geral da OEA. Além disso, pode efetuar visitas de campo, a convite do Estado interessado. Cite-se como exemplo, a visita da Comissão ao Brasil de 1995. Com efeito, a Comissão realizou, pela primeira vez em sua história, missão geral de observação in loco da situação de respeito aos direitos humanos no território brasileiro em 1995. Durante a permanência da missão no Brasil (de 27 de novembro a 9 de dezembro), os integrantes da Comissão reuniram-se com membros do goberno, da sociedade civil organizada, ouvindo depoimentos e coletando dados. A partir desse trabalho de campo, a Comissão elabora um relatório (dito geográfico, por abranger a análise da situação geral dos direitos humanos em um território, no caso, o brasileiro), emitindo suas recomendações para a promoção dos direitos humanos. […] O objetivo desse sistema é a elaboração de recomendação ao Estado para a observância e garantia de direitos humanos protegidos pela Carta da OEA e pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. pp. 210-211)
[4] GALVÃO, Bruno Haddad. O crime de desacato e os direitos humanos. Publicado no site <www.conjur.com.br>, acessado em 14/01/2015.
[5] Julgado extraído do site da Corte de Constitucionalidade da República de Guatemala. Link: <http://www.sistemas.cc.gob.gt/Sjc/frmSjc.Aspx>, expediente nº 1122-2005, acesso em 27/01/2015
[6] Informação extraída da reportagem “Desacato: muito além da falta de educação”, publicada no site do Superior Tribunal de Justiça. Link:
<http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106170>, acessado em 23/01/2015
[7] MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. Crítica à teoria geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[8] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[9] Direito e Razão. São Paulo: RT, 2001, p. 452.
[10] BINDER, Alberto M. Iniciación al Proceso Penal Acusatorio. Campomanes: Buenos Aires, 2000, p. 07.

Imagem Ilustrativa do Post: Day One hundred and thirty-five: Medusa // Foto de: Mark Ou // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/22213891@N03/4626569085
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

Por que "depoimentos" prestados em delegacia não podem ser usados em juízo?



Limite Penal
Por que "depoimentos" prestados em delegacia não podem ser usados em juízo?
27 de março de 2015, 8h01
Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa [Spacca]É cada vez mais comum a utilização das expressões “declaração na fase inquisitória” e “declaração na fase judicial”. O adjetivo é muito mais do que o lugar em que as “declarações” são prestadas. Significa o modo e a finalidade com que são produzidas. Isto porque a partir da notícia de possível crime, o Estado precisa realizar a apuração preliminar com o fim de levantar elementos mínimos de materialidade e indícios de autoria. Do contrário, corre-se o risco de se iniciar a ação penal sem elementos mínimos. A função da investigação preliminar é a de levantar elementos de materialidade e autoria da conduta criminosa (meios probatórios, informantes, testemunhas, perícias, documentos, etc.), justificando democraticamente a instauração de ação penal (CPP, artigo 12), ou seja, para que o jogo processual possa ser iniciado a partir da autorização do estado-juiz (recebimento motivado da denúncia e/ou queixa crime).
Para instauração de ação penal é necessária a existência de justa causa (elementos de materialidade e autoria) a ser aferida por investigação e/ou documentos preliminares. De regra, realiza-se por Inquérito Policial (CPP, artigo 4º e seguintes), o qual é procedimento administrativo, não jurisdicional, a cargo da Polícia Judiciária — Estadual ou Federal (artigo 144, parágrafo 4º, CF), submetido aos princípios da administração pública (legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência — CF, artigo 37)[1]. Evita-se que a ação penal possa ser instaurada como aventura processual, dado que o simples fato de ser acusado já etiqueta[2] o sujeito para todo o sempre, mesmo que absolvido ao final. De sorte que é necessário o controle, por parte do Judiciário, dos requisitos para o exercício da ação penal.
Dai que durante a fase anterior à ação penal executam-se “atos de investigação”, desprovidos da garantia de Jurisdição, do contraditório e da ampla defesa, dentre outros. Os depoimentos das vítimas e das testemunhas, embora sigam as regras do CPP, no que couber, são tomados pela autoridade policial sem a presença do Ministério Público e da Defesa. A destinação dos “atos de investigação” é a de servir de sustentáculo para o recebimento da ação penal. Nem mais, nem menos. São declarações produzidas sem contraditório. Logo, não podem ser qualificadas como “atos de prova”.
Dito de outra forma, em relação à validade dos elementos colhidos no Inquérito Policial, diante de suas peculiaridades (sem garantia da Jurisdição, do Contraditório, da Ampla Defesa, da Motivação dos Atos), cabe distinção: a) em relação às provas periciais o contraditório será diferido, a saber, no decorrer da instrução processual os jogadores poderão impugnar os laudos, pareceres, perícias, inclusive requerendo esclarecimentos e sua renovação; b) no tocante aos depoimentos testemunhais a renovação é obrigatória. Cuida-se de mero ato de investigação, sem que o indiciado tenha participado da produção das informações, nem mesmo controlada pelo Estado Juiz.
A validade, portanto, é somente para análise da justa causa e cautelares pré-jogo, como explica Aury Lopes Jr: “O inquérito policial somente pode gerar o que anteriormente classificamos como atos de investigação e essa limitação de eficácia está justificada pela forma mediante a qual são praticados, em uma estrutura tipicamente inquisitiva, representada pelo segredo, a forma escrita e a ausência ou excessiva limitação do contraditório. Destarte, por não observar os incisos LIII, LIV, LV e LVI do art. 5o e o inciso IX do art. 93, da nossa Constituição, bem como o art. 8o da CADH, o inquérito policial jamais poderá gerar elementos de convicção valoráveis na sentença para justificar uma condenação.”[3]
Fazendo um paralelo com a Sindicância e o Processo Administrativo Disciplinar, não resta muita dúvida que as declarações tomadas de maneira inquisitorial, durante a apuração preliminar, não servem de elemento probatório posterior, conforme reiterada jurisprudência (STF MS 22.791 e STJ MS 7.983). Devem ser renovadas, sob o crivo do contraditório.
Assim, como passe de mágica, em uma leitura obtusa do art. 155 do CPP, não se pode requentar os depoimentos prestados à autoridade policial porque violam o contraditório na produção da prova, com o qual já defendemos uma noção de amor ao contraditório (aqui). É o mesmo que tornar irrelevante a Jurisdição, ou seja, se os depoimentos antes valem, qual o sentido de se renovarem em juízo? Justamente porque antes não havia acusação formalizada e a acusação e defesa não podem sequer perguntar. A partir do processo como procedimento em contraditório (Fazzalari), as declarações realizadas durante a investigação preliminar para fins de condenação são um nada probatório. E esta variável deve ser considerada, pois há julgadores que acolhem.
Simples assim e muitos não param para sequer pensar, no desejo de condenar, prenhe de deslizamentos imaginários decorrentes da assunção da concepção de Verdade Real, tão bem criticada por Salah Khaled Jr (aqui), sem falar na violação do devido processo legal substancial (aqui).
Provavelmente uma das maiores conquistas do processo penal democrático seja a garantia de ser ‘julgado com base na prova’, ou seja, com base nos elementos produzidos em juízo, a luz do contraditório e demais garantias constitucionais processuais. Prova é o que se produz em juízo. O que se faz no inquérito são meros atos de investigação cuja função endoprocedimental os limita a servir como base para as decisões interlocutórias da investigação (prisões cautelares, quebra de sigilo bancário, interceptações telefônicas etc.) e para a decisão de recebimento ou rejeição da denúncia. Não mais do que isso, como regra (claro que a exceção são as provas técnicas irrepetíveis e aquelas produzidas antecipadamente através do respectivo incidente judicial). Os atos do inquérito não se destinam a forma a convicção do julgador sobre o caso penal, mas apenas indicar o fumus commissi delicti para a formação da opinio delicti do acusador e a decisão de recebimento/rejeição.
É por isso que há mais de uma década sustentamos a “exclusão física dos autos do inquérito”[4], como a única forma de assegurar a ‘originalidade’ dos julgamentos, ou seja, de que alguém será julgado  com base na prova judicialmente produzida e em contraditório pleno. Também é o único mecanismo eficiente para evitar os falaciosos julgados do estilo: “cotejando a prova judicializada com os elementos do inquérito”, ou “a prova judicializada é corroborada pela prova produzida no inquérito”. Sempre que um juiz usa a fórmula mágica do ‘cotejando’ ou do ‘corrobora’, o que ele está dizendo é: não tenho prova judicializada com suficiência para condenar, mas como o quero fazer, preciso recorrer aos elementos produzidos na inquisitorialidade do inquérito.
Dessarte, tecnicamente os elementos do inquérito não são ‘provas’ e, portanto, não servem para legitimar uma condenação. Ademais, posteriormente em juízo, essa “prova” (rectius atos de investigação) não serão ‘repetidos’, senão ‘produzidos’. É um equivoco falar em ‘repetição’ se compreendermos que a prova é originariamente produzida no processo e em contraditório. O que se fez na fase pré-processual, não é prova. O contrário é desamor ao contraditório e condenações com a insígnia do autoritarismo que tocaia o processo penal brasileiro, ainda.


[1] STF, ED.Caut. MS 25.617-6/DF, rel. Min. Celso de Mello: “... a unilateralidade desse procedimento investigatório não confere ao Estado o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias – como a prerrogativa contra a auto-incriminação – que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais: (...) O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”
[2] BACILA, Carlos Roberto. Estigmas: um estudo sobre os preconceitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
[3] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.
[4] Desde nossa primeira obra “Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal”, publicada em 2001. Atualmente o tema é tratado nos livros “Investigação Preliminar” e “Direito Processual Penal”, ambos publicados pela Editora Saraiva.

Aury Lopes Jr é doutor em Direito Processual Penal, professor Titular de Direito Processual Penal da PUC-RS e professor Titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, Mestrado e Doutorado da PUC-RS.
Alexandre Morais da Rosa é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).
Revista Consultor Jurídico, 27 de março de 2015, 8h01

sábado, 8 de agosto de 2015

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL - PROFESSOR: GEORGE HILTON LEMOS NEVES



CURSO: DIREITO
DISCIPLINA: JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL -  PERÍODO LETIVO: 2015-2
PROFESSOR:  GEORGE HILTON LEMOS NEVES
NOTAS DE AULA 1


I) A HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
1) CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824)
Transferência da família Real portuguesa para o Brasil, devido à invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte.
Posteriormente à declaração da Independência do Brasil - em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I convoca uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, com ideais marcadamente liberais. Todavia, esta vem a ser desfeita, arbitrariamente, pois divergia dos ideias autoritários do Imperador.
Em substituição a Assembleia Geral Constituinte, Dom Pedro I – em 1824, cria um Conselho de Estado para elaborar um novo projeto; agora, em total acordo com suas pretensões.
A Constituição de 1824, dentre outras características, foi outorgada, foi a que durou mais tempo, marcada por forte centralismo administrativo e político tendo em vista o Poder Moderador.
Após a dissolução da Assembléia Nacional Constituinte, convocada em 1823, o Imperador D. Pedro I outorgou a Carta Imperial de 1824 que tinha como principais características:
1. Instituiu a forma unitária de governo e a forma monárquica de governo (art. 3º)
2. Instituiu a Religião Católica como a religião oficial do império, podendo todas as outras Religiões ter seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo. (art.5º)
3. Fundamentada nas teorias de Benjamin Constant sobre a separação entre os poderes, estabeleceu quatro funções do Poder Político: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. (art. 10)
4. O Tribunal do Júri tinha atribuições penais e civis
5. Existência de sufrágio censitário, sendo vedado o direito de voto àqueles que não tiverem de renda liquida anual cem mil réis por bens de raiz, industria, comércio, ou Empregos e, em relação à capacidade eleitoral passiva, ou seja, o direito de ser eleito para ocupar algum cargo político também havia necessidade de comprovação de renda mínima proporcional ao cargo pretendido. (art. 92,V e seguintes).
Constituição de 1824 – outras características:
  • Governo Monárquico, hereditário, Constitucional e representativo. Forma unitária de Estado, isto significa, mais explicitamente, que não existia a divisão dos Estados em entes Federativos;
  • Território As antigas capitanias hereditárias foram transformadas em províncias;
  • Dinastia Imperante Dom Pedro I, durante o império. Tivemos, também, a de D. Pedro II;
  • Religião oficial do Império Católica Apostólica Romana;
  • Capital do Império Rio de Janeiro (1822/1889);
  • Organização dos Poderes Não se adotou a função tripartida de Montesquieu. Pois, além das funções legislativa, executiva e judiciária, adotou-se a função Moderadora;
  • Poder Legislativo Exercido pela Assembleia Geral, com sanção do Imperador – bicameral (Câmara dos Deputados e Senado);
  • Eleições Indiretas;
  • Sufrágio Censitário;
  • Poder Executivo Exercido pelo Imperador;
  • Poder Judiciário Independente e composto de juízes e jurados. O órgão de cúpula do judiciário era o Supremo Tribunal de Justiça;
  • Poder Moderador Assegurava a estabilidade do trono;
  • Quanto à alterabilidade Semi-rígida;
  • Liberdades públicas Declaração de direitos e garantias;
2) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ( DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891)
Primeira Constituição da República do Brasil. Teve como relator o Senador Rui Barbosa. Consagrou o sistema presidencialista e a forma de Estado Federal. A forma de governo Republicana substituiu à Monarquia. Houve a previsão, pela primeira vez do habeas corpus e como algumas características:
Após a proclamação da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, promulgaram a Constituição Republicana, que apresentava as seguintes características:
1. Instituiu a forma federativa de estado e a forma republicana de governo (art. 1º)
2. Entusiasmado pela teoria da separação entre os poderes de Montesquieu, houve a repartição em três funções: Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos (art. 15).
3. O sufrágio, embora tendente a ser universal, ainda encontrava restrições censitárias, pois impedia o voto àqueles que eram considerados mendigos e aos analfabetos. (art. 70).
4. Previu-se expressamente o Habeas Corpus, onde se estabelecia que “dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 72, § 22).
5. Separação entre a Igreja e o Estado, não sendo mais assegurada à Religião Católica o status de religião oficial, deste modo, foi estabelecido o direito de culto externo a todas as religiões. (art. 11, § 2º).
Constituição de 1891 – outras cracterísticas: 
  • Forma de Governo e regime representativo Adotou-se como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa e, ainda, a união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias;
  • Distrito Federal Capital de Brasil – Rio de Janeiro;
  • Não há mais religião oficial;
  • Organização dos Poderes Extinção do Poder Moderador. Adotando-se a “Tripartição dos Poderes”;
  • Poder Legislativo Exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República;
  • Poder Judiciário Órgão máximo Supremo Tribunal Federal;
  • Poder Executivo Exercido pelo Presidente da República;
  • Quanto à alterabilidade Rígida;
  • Declaração de Direitos Aboliu-se a pena de Galés, banimento e de morte;
 3) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934)
Forte influência da Constituição de Weimar, evidenciando Direitos humanos de 2ª geração e a perspectiva de um Estado Social de Direito. Recebeu, também, influência do fascismo.
Com a tomada do Poder realizada por Getúlio Vargas, o qual tinha como ideológica política as questões socioeconômicas, em confronto com a política liberal, promulga-se uma Constituição com diretrizes sociais, que apresenta as principais características:
1. Constitucionalizou os direitos sociais, estabelecendo um Título referente à ordem econômica e social (Titulo IV).
2. Criou o mandado de segurança e a ação popular no capitulo dos direitos e garantias individuais (art. 113).
3. Estabeleceu dois mecanismos de reforma constitucional, a revisão e a emenda, estabelecendo que a Constituição poderá ser emendada, quando as alterações propostas não modificarem a estrutura política do Estado ; a organização ou a competência dos poderes da soberania e revista, no caso contrário, estabelecendo que o processo de revisão seria mais rígido do que o processo de emenda. (art. 178).
4. Proibição de voto aos mendigos e analfabetos
Constituição de 1934 – outras características
  • Forma de Governo e regime representativo Mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa;
  • Capital da República Distrito Federal Rio de Janeiro;
  • Inexistência de religião oficial País laico;
  • Organização dos Poderes Teoria clássica de Montesquieu “Tripartição dos Poderes”;
  • Poder Legislativo Exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração do Senado federal. Estabelecia-se um bicameralismo desigual ou unicameralismo perfeito, pois o Senado Federal era mero colaborador da Câmara dos Deputados;
  • Poder Executivo Presidente da República;
  • Poder Judiciário Estabelecidos como órgãos do Poder Judiciário: A Corte Suprema; os juízes e Tribunais federais; os juízes e Tribunais militares; os juízes e Tribunais eleitorais;
  • Quanto à alterabilidade Rígida;
  • Declaração de direitos Constitucionaliza-se o voto feminino, secreto, mandado de segurança e ação popular;
 4) CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 10 DE NOVEMBRO DE 1937)
Getúlio Vargas foi eleito para governar de 1934 a 1938. Todavia, esse período foi marcado por grande rivalidade política - entre a direita fascista (Ação Integralista Brasileira – AIB), que defendia um Estado autoritário - e a esquerda, com ideais sociais, comunistas e sindicais (Aliança Nacional Libertadora – ANL).
Em 11 de julho de 1935, o governo fechou a ANL, por considerá-la ilegal, com base na “Lei de Segurança Nacional”.
Por causa da Intentona Comunista, o Governo decretou o estado de sítio e difundiu um forte movimento de repressão ao comunismo.
Getúlio recebe apoio do Congresso Nacional que decretou “estado de guerra”.
Segundo Pedro Lenza: “em 30 de setembro de 1937, os jornais noticiaram que o Estado- Maior do Exército havia descoberto um plano comunista para a tomada do Poder (‘Plano Cohen’). Este foi o ‘estopim’ para que o governo decretasse o golpe como suposta ‘salvação’ contra o comunismo que parecia ‘assolar’ o país”...
Em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas dá o golpe ditatorial, centralizando o Poder e fechando o Congresso Nacional”. O golpe liderado pelo Presidente Getúlio Vargas tinha como fundamento a idéia da continuidade de Vargas no poder, haja vista as eleições marcadas para 1938, inicia-se o Estado Novo que iria durar até 1945. Neste período conturbado foi outorgada a Constituição de 1937, denominada de Constituição Polaca, pois foi inspirada na Carta ditatorial Polonesa de 1935, que apresenta as principais características:
1. Reduziu a esfera dos direitos individuais, desconstitucionalizando o mandado de segurança e a ação popular.
2. Os Prefeitos Municipais passaram a ser nomeados pelo Governador de Estado
3. Possibilitou que o Presidente da Republica interferisse nas decisões do Judiciário, pois lhe possibilitava submeter à apreciação do Parlamento as leis declaradas inconstitucionais, podendo o Parlamento desconstituir esta declaração e inconstitucionalidade através de dois terços de seus membros (art. 9, parágrafo único).
4. Proibição de voto aos mendigos e analfabetos
Constituição de 1937 – outras características:
  • Forma de Governo De acordo com o art. 1º, o Brasil é uma República;
  • Forma de Estado Estado Federal;
  • Capital da República Distrito Federal Rio de Janeiro;
  • Inexistência de religião oficial País laico;
  • Organização dos “Poderes” Teoria clássica de Montesquieu “Tripartição dos Poderes”;
  • Poder Legislativo Conforme o art. 38, o Poder Legislativo seria exercido pelo Parlamento Nacional com a colaboração do conselho da Economia Nacional e do Presidente da República;
  • Poder Executivo Segundo o art. 73, o Presidente da República era a autoridade soberana do Estado;
  • Eleições indiretas para Presidente que, cumpria mandato de seis anos;
  • Poder Judiciário Órgãos do judiciário: STF, os juízes e Tribunais dos Estados, do D.F. e dos Territórios, os juizes e Tribunais militares;
  • Declaração de direitos Sem previsão do mandado de segurança e da ação popular. Pena de morte para crimes políticos e homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade. A tortura foi utilizada como instrumento de repressão;
  • Conquista de direitos e vantagens trabalhistas Consolidação das Leis do Trabalho (CLT);
 5) CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 18 DE SETEMBRO DE 1946)
A entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados teve efeitos irreversíveis para o Estado Novo, pois ao lutar contra o regime ditatorial nazi-fascista coloca em conflito a própria conservação de uma ditadura no país. Assim, em decorrência desta perda de legitimidade o Estado Novo entra em crise e tem o seu fim em outubro de 1945. Após a queda de Getúlio Vargas e fim do Estado Novo, incide um período de redemocratização que irá culminar na promulgação da Constituição de 1946, que apresentava as principais características:
1. Reduziram-se as atribuições do Poder Executivo, que, na Constituição precedente o tornaram um verdadeiro ditador, com a interferência nos outros Poderes. Assim, na Constituição de 1946 estabelece-se o equilíbrio entre os poderes.
2. Constitucionaliza-se o mandado de segurança para proteger direito liquido e certo não amparado por habeas corpus e a ação popular (art. 141)
3. A propriedade foi condicionada à sua função social, possibilitando a desapropriação por interesse social. (art. 141, § 16º)
4. Continuava a proibir o voto dos analfabetos.
Constituição de 1946 – outras características:
  • Criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira);
  • Forma do Governo Republicana;
  • Forma de Estado Federativa;
  • Capital da União O D.F. continuou como Capital da União. Contudo será transferida para o Planalto Central com a construção de Brasília.
  • Inexistência de religião oficial País laico;
  • Organização dos Poderes “Tripartição dos Poderes” – Montesquieu;
  • Poder Legislativo Exercido pelo Congresso Nacional;
  • Poder Executivo O Presidente da República deveria ser eleito de forma direta para mandato de cinco anos.
  • Poder Judiciário STF, Tribunal Federal de Recursos, juízes e Tribunais militares, juízes e Tribunais eleitorais, juízes e Tribunais do trabalho;
  • Declaração de direitos Restabelecidos o mandado de segurança e a ação popular. Reconhecido o direito de greve;
  • Instituição do parlamentarismo Porém, após o referendo, ocorrido em 06/01/1993, o povo determinou o retorno, imediato, ao presidencialismo.
 6) CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 1967
Nos dizeres de José Celso de Mello Filho, a Constituição republicana de 1967 foi formalmente discutida, votada, aprovada e promulgada pelo Congresso Nacional que, convocado pelo Marechal Castelo Branco, no exercício da Presidência da Republica, se reuniu extraordinariamente para este fim. Contudo, o Congresso Nacional que deliberou sobre o referido projeto, de autoria do Ministro da Justiça, não mais se apresentava como órgão revestido de legitimidade política em razão das ofensas e arbitrariedade perpetradas pelo regime revolucionário militar. Ainda, é necessário estabelecer que ao Congresso Nacional não foi reconhecida a faculdade de substituir o projeto constitucional encaminhado pelo executivo por outro, de autoria dos próprios parlamentares. Deste modo, verdadeiramente, a promulgação deste texto constitucional pelo Congresso Nacional escondeu um verdadeiro ato de outorga constitucional . As principais características do texto constitucional são as seguintes:
1. Concentrou poderes na União e privilegiou o Poder Executivo em detrimento dos outros poderes.
2. Baseou toda a estrutura de Poder na Segurança Nacional
3. Reduziu a autonomia dos Municípios estabelecendo a nomeação dos Prefeitos de alguns municípios pelo Governador (art. 16 § 1º - Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação: a) da Assembléia Legislativa, os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual; b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional, por lei de iniciativa do Poder Executivo.)
4. Houve a criação de uma ação de suspensão de direitos políticos e individuais (art. 151, Aquele que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23. 27 e 28(liberdade de pensamento, profissão e associação) do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão destes últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla, defesa.).
5. Os analfabetos permaneciam sem direito a voto.
Constituição de 1967 – outras características 
  • Forte preocupação com a segurança nacional;
  • Forma de Governo República;
  • Forma de Estado Embora o art. 1º determinasse ser o Brasil uma República Federativa, este se aproximava mais de um Estado unitário centralizado do que Federalismo;
  • Capitão da União D.F., agora em Brasília;
  • Inexistência de religião oficial País laico;
  • Organização dos Poderes “Tripartição dos Poderes” – Montesquieu;
  • Poder Legislativo Exercido pelo Congresso Nacional;
  • Poder Executivo Fortalecido Mandato de quatro;
  • Poder Judiciário STF, Tribunais Federais de Recursos e juízes Federais, Tribunais e juízes militares, Tribunais e juízes eleitorais, Tribunais e juízes do trabalho;
  • Declaração de direitos O art. 151 previa a suspensão, por 10 anos, de direitos políticos, maior eficácia na previsão dos direitos dos trabalhadores, possibilidade de perda de propriedade para a reforma agrária;
  • Sistema tributário Ampliou-se a técnica do federalismo cooperativo.
 7) EMENDA CONSTITUCIONAL N.1 DE 1969 (EDITADA EM 17/10/1969)
Em 17/10/1969 a Constituição Brasileira sofreu profundas alterações em decorrência da emenda constitucional n. 1, outorgada pela junta militar que assumiu o Poder no período em que o Presidente Costa e Silva encontrava-se doente. Para considerável parte da doutrina, na verdade, a EC n. 1 de 19679 trata-se na verdade de nova Constituição, como expende o professor José Afonso da Silva,
Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil.
As três principais alterações promovidas pela citada emenda constitucional foram:
1. Estabelecimento de eleições indiretas para o cargo de Governador de Estado
2. Ampliação do mandato presidencial para cinco anos
3. Extinção das imunidades parlamentares.
Constituição de 1969” – EC n.1, de 17.10.1969 – outras características
 Com fundamento no AI n. 12, de 31.08.1969 – instaurou-se no Brasil um governo de “Juntas Militares” legitimadas pelo referido ato - o qual permitia que, enquanto o Presidente da República (Costa e Silva) estivesse afastado por motivos de saúde, governassem os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Desse modo, a EC n. 1/69 foi baixada pelos Militares, já que o Congresso Nacional encontrava-se fechado.
Seguem algumas outras particularidades da EC n.1/69:
 Regime extremamente duro e autoritário;
  • O pacote de abril de 1977 dissolveu o Congresso Nacional e editou 14 emendas e 6 decretos, enfatizando-se as seguintes medidas:
 a)     Redução do quorum para aprovação de EC de 2/3 para maioria absoluta;
b)     Estabelecimento da avocatória nos termos do art. 119, I, “o”, da EC n. 1/69, introduzido pela EC n. 7/77;
c)     Um terço dos Senadores passaram a ser “eleitos”, pelo Colégio Eleitoral estadual – de acordo com o art. 41, § 2º. - na redação conferida pela EC n. 8/77.
d)     Aumento do mandato do Presidente da República para 6 anos;
e)     Manutenção da regra da proporcionalidade para eleição de Deputados – benefício para Estados menores.
 8) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 (DE 05 DE OUTUBRO DE 1988)
Em 27 de novembro de 1985, através da emenda constitucional n. 26, foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte, com a finalidade de elaborar um novo texto constitucional que expressasse a nova realidade social, a saber, o processo de redemocratização e término do regime ditatorial. Assim, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da Republica Federativa do Brasil, a qual apresenta as seguintes características principais:
1. Após um período ditatorial, o Constituinte de 1988 tratou de assegurar princípios e objetivos fundamentais que tem a finalidade de possibilitar o integral desenvolvimento do ser - humano, tendo como base o principio da dignidade da pessoa humana. (CF, art. 1º a 4º)
2. Criação do Superior Tribunal de Justiça em substituição ao Tribunal Federal de Recursos
3. Criou o mandado de injunção (CF, art. 5º, LXXI); mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX); habeas data (CF, art. 5º, LXXII)
4. Estabeleceu a faculdade do exercício do direito de voto ao analfabeto.
Constituição de 1988 – outras características
  • Ampliação do pluripartidarismo;
  • Erradicação da censura à imprensa;
  • Consolidação do sindicalismo e de grandes centrais (CUT e CGT);
  • Garantia de direitos de 1ª, 2ª e 3ª gerações um capítulo sobre meio ambiente art. 225;
  • O povo, finalmente, elege, em regime de dois turnos, um Presidente da República – Fernando Collor de Mello;
  • O primeiro Plebiscito Manutenção da República Constitucional e do Sistema Presidencialista de Governo;
  • Estado Democrático, sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, edificada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias;
  • Forma de Estado Federação
  • Poder Executivo Presidente da República;
  • Poder Judiciário Vide art. 92;
  • A CF/88 criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – responsável pela uniformização da interpretação da lei Federal em todo Brasil;
  • Declaração de direitos Consolidação dos princípios democráticos e defesa dos direitos individuais e coletivos racismo e tortura crimes inafiançáveis.
  • Criou o mandado de injunção (art. 5º, LXXI); mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); habeas data (art. 5º, LXXII).
  • Inexistência de religião oficial Estado laico;
  • Organização dos Poderes “Tripartição dos Poderes” – Montesquieu;
  • Poder Legislativo Bicameral Exercido pelo Congresso Nacional;
  • Quanto à alterabilidade Rígida;

- A jurisdição Constitucional brasileira e sua evolução  
Jurisdição Constitucional significa, nos dizeres de Hans Kelsen, “a garantia jurisdicional da Constituição”, e “é um elemento do sistema de medidas técnicas que têm por fim garantir o exercício regular das funções estatais” (KELSEN, 2007, p. 123-124). Em outras palavras, é a outorga de poderes a um órgão jurisdicional para verificar a conformação das leis e demais atos ao texto constitucional.
O controle jurisdicional de constitucionalidade das leis no Brasil surgiu a partir da proclamação da República, no fim do século XIX, inspirado no sistema norte-americano do judicial review. Mas a escola jurídica brasileira era a Civil Law, e não a Common Law. O direito brasileiro era positivado nas leis, enquanto nos Estados Unidos se tinha o stare decisis, que impõe força vinculante aos precedentes judiciais. Essa diferença entre os dois grandes sistemas jurídicos exigiria mais tarde algumas adaptações no sistema de controle difuso e concreto brasileiro.
Além do aperfeiçoamento do controle difuso de constitucionalidade, o Brasil passou a adotar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, difundido por Hans Kelsen. E desde então os dois sistemas de controle judicial de constitucionalidade conviveram harmonicamente.
Passados cento e vinte anos da implantação do controle judicial de constitucionalidade no Brasil, os dois institutos continuam sendo aperfeiçoados, e cada vez mais um se aproxima do outro. A história do judicial review no Brasil demonstra que esse instituto ainda está em construção.

2 Cronologia do controle de constitucionalidade nos textos constitucionais brasileiros

2.1 A origem do controle judicial no Brasil
Com a crise da monarquia no Brasil, o país sofreu um golpe de estado em 15 de novembro de 1889, proclamando-se a República sob a batuta do Marechal Deodoro da Fonseca. Um novo ordenamento constitucional seria produzido. Mas seria necessário criar instrumentos que garantissem a nova ordem constitucional contra eventuais maiorias legislativas contrárias ao sistema republicano ou ao pacto federativo. Mesmo alguns monarquistas, mas defensores da descentralização do poder, concordaram com a implantação do controle judicial de constitucionalidade, para proteger o federalismo.
A inspiração brasileira foi no sistema norte-americano. Nos Estados Unidos, o controle judicial de constitucionalidade das leis nasceu na doutrina de Hamilton, em The Federalist, no fim do Século XVIII, e em alguns casos isolados nos tribunais estaduais. Mas se estabeleceu de vez a partir do casoMarbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte em 1803. Neste caso, o controle de constitucionalidade serviu para que a Suprema Corte protegesse o federalismo de uma crise que era iminente. O Tribunal, antes de julgar a causa, analisou a constitucionalidade de uma lei, assentando não ser de sua competência decidir o mérito da questão. Estava definitivamente implantado nos Estados Unidos o controle de constitucionalidade das leis.
O Brasil, recém convertido em República, inspirou-se neste sistema. Essa inspiração é evidente na história, e confessada por Rui Barbosa: “Os autores de nossa Constituição, em cujo nome tenho algum direito de falar (…) eram discípulos de Madison e Hamilton” (BARBOSA, 2010, p. 30).
O Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, ao organizar a Justiça Federal, previu expressamente a possibilidade do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Previu-se como competência do Supremo Tribunal Federal o julgamento de recursos das sentenças definitivas “quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrario á Constituição, aos tratados e ás leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto” (Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, art. 9°, p. ún., b).
A influência norte-americana na instituição do controle brasileiro de constitucionalidade é destacada por Gilmar Ferreira Mendes:
O regime republicano inaugura uma nova concepção. A influência do direito norte-americano sobre personalidades marcantes, como a de Rui Barbosa, parece ter sido decisiva para a consolidação do modelo difuso, consagrado já na chamada Constituição provisória de 1890 (art. 58, §1°, a e b). (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 1194)
O controle de constitucionalidade seria exercido apenas no julgamento de casos concretos através do sistema difuso. E serviria à proteção do Estado, da sua forma de governo e do próprio sistema federativo. Mas o controle de constitucionalidade instituído pré-Constituição de 1891 sequer chegou a ser executado, porquanto a Constituição que lhe daria suporte, do Governo Provisório, não chegou a viger. Entretanto, a Constituição de 1891 previu expressamente em seu texto esse controle de constitucionalidade.
Anos depois, Rui Barbosa, um dos responsáveis pela importação do controle de constitucionalidade, destacou o avanço trazido com este instituto:
O que sob a Constituição de 1891 lucrou em poder a Justiça, não foi a atribuição de verificar a constitucionalidade nos atos do Poder Executivo: foi a de pronunciar a inconstitucionalidade nos atos do Congresso Nacional. (BARBOSA, In: LACERDA, 1997, p. 530)
Estava implantado o controle de constitucionalidade no Brasil, inspirado no sistema norte-americano. Era um controle concreto, porque fundado em um caso concreto e não de forma abstrata, e exercido de modo difuso, por quaisquer juízes federais.
2.2 A fórmula do Senado Federal, a reserva de plenário, a maioria absoluta e a representação interventiva, previstas na Constituição de 1934
Já estava em plena aplicação no Brasil o controle judicial de constitucionalidade. Não se discutia mais sobre a sua conveniência ou juridicidade. Mas o sistema precisava ser aperfeiçoado. A Constituição de 1934 tentaria resolver alguns problemas encontrados na aplicação prática desse instituto.
O primeiro problema do sistema brasileiro era a falta de eficácia geral às decisões do Supremo Tribunal Federal que declaravam a inconstitucionalidade de alguma lei. Assim, todos aqueles alcançados pela lei violadora da Constituição eram obrigados a provocar o Poder Judiciário em ações individuais, e os juízes sequer eram vinculados aos precedentes do Supremo Tribunal Federal. Previu-se que o Senado Federal suspendesse, por resolução, a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, dando eficácia geral às decisões do controle concreto de constitucionalidade.
Também a Constituição de 1934 preocupou-se com a segurança jurídica, especialmente por passar a prever a fórmula do Senado. É que não se poderia declarar uma lei inconstitucional com o quorumreduzido e maioria simples. Passou-se a exigir a reserva de plenário e maioria absoluta dos membros do Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade.
E foi a Carta de 1934 que introduziu, pela primeira vez, um esboço de controle abstrato de constitucionalidade, criando a representação interventiva. Como assentou Gilmar Mendes e Ives Gandra:
Cuidava-se de fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, §3°), à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, §2°). (MARTINS; MENDES, 2005, p. 39)
Na prática, toda vez que os poderes políticos pretendessem intervir em um estado, o que deveria ser feito mediante lei, teriam que submeter esta lei ao prévio controle judicial de constitucionalidade, como requisito de validade. Trata-se, pois, de um controle judicial preventivo, e não repressivo como ocorre presentemente a ação direta de inconstitucionalidade. Por isso, e também considerada a limitação do objeto e dos parâmetros de controle, tem-se que a representação interventiva é apenas um esboço do atual controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.
Esta Constituição pouco vigeu, porque foi substituída pela Constituição de 1937, outorgada pela ditadura do Presidente Getúlio Vargas. Mas os avanços teóricos alicerçados em seu texto serviriam de influência para futuras constituições.
2.3 Cláusula não-obstante inserida pela Constituição de 1937
A ditadura de Getúlio Vargas outorgou em 1937 uma nova Constituição ao Brasil. Com o viés autoritário, o Presidente da República concentrou em demasia os poderes nas suas mãos. Além disso, foram reduzidas as garantias constitucionais.
Consideradas essas premissas, criou-se uma espécie de cláusula não-obstante, ou mais propriamente, o direito ao Congresso Nacional de vetar as decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de leis. A possibilidade de veto parlamentar ao controle de constitucionalidade poderia ser provocada pelo Presidente da República quando, ao seu juízo discricionário, a lei fosse necessária ao bem-estar do povo. Era uma carta branca aos poderes políticos para invalidar uma decisão jurídica. As leis que fossem ratificadas pelo Congresso Nacional após serem declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal passariam a ter status de emenda à Constituição.
Esse dispositivo teve o seu ineditismo afirmado por Afonso Arinos, ao tratar da limitação política imposta às decisões do Supremo Tribunal Federal:
Era, comentou Afonso Arinos, uma limitação política, pela primeira e única vez na República, à atribuição do Supremo Tribunal Federal de decidir sobre a constitucionalidade das leis. (apud PORTO, In: D´ÁVILA, 1993, p. 55)
Apesar da outorga pelo texto constitucional ao Congresso Nacional do direito de veto às decisões do STF, na prática esse direito era exercido pelo Presidente Getúlio Vargas. É que os poderes do Congresso Nacional eram delegados ao Presidente da República nos períodos de recesso ou dissolução do Parlamento. Como o Poder Legislativo permaneceu fechado durante o Estado Novo(1937-1945), o poder de veto era exclusivo do Presidente da República.

2.4 A Constituição de 1946
Com o fim da primeira Era Vargas, o Brasil ganhou uma nova Constituição em 1946. Foi restabelecido o modelo de controle de constitucionalidade da Constituição de 1934, retirando-se a cláusula não-obstante, que permitia a convolação de lei declarada inconstitucional em espécie de emenda constitucional. Também houve grande avanço no controle abstrato de constitucionalidade.
A representação interventiva ganhou uma nova roupagem. O objeto da ação passou a ser leis estaduais que ofendessem os princípios sensíveis da Constituição. Se em 1934 a questão só era submetida ao Supremo Tribunal Federal após deliberação do Senado, no modelo de 1946 permitiu-se em caso de ofensas aos princípios sensíveis a submissão direta do ato estadual ao STF, e somente depois, em caso de declaração de inconstitucionalidade, a intervenção seria efetivada. Este instrumento muito se aproximava da atual ação direta de inconstitucionalidade, mas com objeto e parâmetros de controle limitados, e de legitimação exclusiva ao Procurador Geral da República – que cumulava as funções de órgão de acusação com a advocacia da União Federal. Entretanto, só poderia ser usado para solver conflitos federativos.
Citando Temístocles Cavalcanti, a doutrina de Gilmar Mendes e Ives Gandra Martins registra que a ausência de regulamentação procedimental concedeu liberdade ao Supremo Tribunal Federal para fazê-lo. Essa regulamentação, depois, acabaria sendo positivada pela legislação (MARTINS; MENDES, 2005, p. 45).
A dificuldade inicial foi tamanha que a primeira representação fundada na Carta de 1946 recebeu o número de 93, posto que foi classificada genericamente como representação, dada a ausência de classificação própria para a representação interventiva.
Logo surgiu a controvérsia se o Procurador Geral da República, único legitimado a provocar o Supremo Tribunal Federal, ao receber uma notícia de inconstitucionalidade poderia arquivá-la, se entendesse improcedente a argüição. Esse debate se estenderia ao longo dos anos, tanto no campo doutrinário, como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Houve representação onde de pronto do Procurador opinava pela improcedência. Em outras, o Procurador Geral da República encaminhava a representação ao STF, mas em seguida emitia parecer em sentido contrário à pretensão.
Também foi presente, à míngua de previsão constitucional expressa, a discussão eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal, se também se sujeitava à fórmula do Senado Federal, criada para dar eficácia geral às decisões tomadas no controle difuso e concreto de constitucionalidade.
2.5 A Emenda n° 16 de 1965 à Constituição de 1946
Ainda sob a égide da Constituição de 1946, a Emenda à Constituição n° 16 de 1965 trouxe ampla modificação no controle de constitucionalidade brasileiro.
Passou a permitir, tal como hoje, o controle de constitucionalidade das leis municipais em face das constituições estaduais, a ser exercido pelos tribunais estaduais.
Também foi a EC n° 16 de 1965 que permitiu o controle de concentrado e abstrato de constitucionalidade de leis federais, além de ampliar os parâmetros de controle, antes limitados às questões vinculadas ao pacto federativo. Era uma espécie de ação direta de inconstitucionalidade como hoje vigente, mas com outra nomenclatura e de legitimidade ainda restrita ao Procurador Geral da República. A discussão sobre a discricionariedade do Procurador em encaminhar notícia de inconstitucionalidade, outrora referente à representação interventiva, se estenderia à representação de inconstitucionalidade.
Luis Roberto Barroso assenta ser a representação de inconstitucionalidade a instituição definitiva do controle concentrado de constitucionalidade:
O controle judicial de constitucionalidade por via principal ou por ação direta tem como antecedente, embora de alcance limitado, a denominada representação interventiva, criada pela Constituição de 1934. (…) Todavia, foi com a introdução da ação genérica de inconstitucionalidade, pela Emenda Constitucional n. 16, de 26 de novembro de 1965, que o controle por via principal teve ampliado o seu objeto, dando início à trajetória que o conduziria a uma posição de destaque dentro do sistema. (BARROSO, 2009, p. 145)
Registra a doutrina de Ives Gandra Martins e Gilmar Mendes que o modelo de controle de constitucionalidade implantado a partir da Emenda à Constituição n° 16 de 1965, na verdade ampliado, muito se aproxima das lições de Hans Kelsen. No sistema brasileiro, o Procurador Geral da República fazia às vezes de Advogado da Constituição, e o Supremo Tribunal Federal de Corte Constitucional (MARTINS; MENDES, 2005, p. 54).
2.5 A Constituição de 1967 e a EC n° 1 de 1969
A Constituição de 1967 manteve na íntegra, tal como previsto no texto constitucional anterior, o controle difuso de constitucionalidade. Também foi mantida, no mesmo formato e para as mesmas finalidades, a representação de inconstitucionalidade.
O texto constitucional foi silente a respeito do controle de constitucionalidade das leis municipais em face das constituições estaduais pelos tribunais de justiça, permitido a partir da EC n° 16 de 1965 à Constituição de 1946.
A grande modificação trazida pela redação originária da Constituição foi na representação interventiva, que passou a ter como parâmetros de controle, ao lado dos denominados princípios sensíveis, a garantia a execução de lei federal.
A EC n° 1 de 1969 reintroduziu o controle estadual de constitucionalidade, mas limitando-o para fins de intervenção em municípios.
Foi sob a égide deste texto constitucional que se acentuou a discussão, havida desde a Constituição de 1946, sobre o poder discricionário do Procurador Geral da República de encaminhar as notícias de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal. Na década de 1970, no julgamento da RCL n° 849, o STF reconheceu poderes ao Procurador Geral para decidir sobre o encaminhamento ou não de representações de inconstitucionalidade. Apesar disto, já em 1980, inseriu-se no Regimento Interno do STF previsão no sentido de que, uma vez proposta a representação, tornava-se ela indisponível ao PGR, ainda que opinasse pela improcedência.
Mesmo amparado pela jurisprudência do STF, o Procurador Geral da República continuou encaminhando as notícias de inconstitucionalidade que entendia relevantes, ainda quando se manifestava pela improcedência. Essa situação peculiar demonstrava o reconhecimento do caráter ambivalente da representação de inconstitucionalidade, porque uma vez julgada improcedente tinha-se a declaração de constitucionalidade da lei.
2.6 A Emenda n° 7 de 1977 à Constituição de 1967
Com a EC n° 7 de 1977, sem afetar a representação de inconstitucionalidade, introduziu-se a representação para fins de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual. Na exposição de motivos da Proposta de Emenda à Constituição justificou-se a medida para “evitar a proliferação de demandas, com a fixação imediata da correta exegese da lei” (MARTINS; MENDES, 2005, p. 58).
Também foi a partir desta emenda constitucional que se passou a permitir expressamente a concessão de medida cautelar nos processos de controle concentrado de constitucionalidade, pondo fim à dúvida sobre o seu cabimento. A previsão constitucional inequívoca afastava a controvérsia instaurada na jurisprudência sobre a possibilidade do exercício do poder geral de cautela no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade.
Foi instituída também a avocatória, a ser requerida pelo Procurador-Geral da República, quando o Supremo Tribunal Federal poderia chamar para si a discussão constitucional sobre qualquer ação ou ações em trâmite no Poder Judiciário. Esse instituto foi alvo de ampla crítica e acabou não sendo devidamente utilizado.
2.7 A redação originária da Constituição de 1988
Desde a redação originária da Constituição de 1988 acabou-se com a avocatória, instituída pela EC n° 7/77 e também com a representação para interpretação de lei.
A partir da Constituição de 1988 ampliou-se o rol dos legitimados a instaurar o controle concentrado de constitucionalidade. O processo de controle abstrato de constitucionalidade foi rebatizado. O que antes era denominado de representação de inconstitucionalidade passou a ser chamado de ação direta de inconstitucionalidade, nomenclatura ainda atual.
Acabou o monopólio pelo Procurador Geral da República da representação de inconstitucionalidade. Vários outros órgãos públicos se tornaram legitimados. Ao conferir legitimidade ativa ao Presidente da República para a instauração do controle concentrado a Constituição em pouco inovou, porquanto antes de 1988 o Procurador Geral da República também exercia a função de representante judicial da União Federal, deixando de cumular essas funções exatamente a partir do texto constitucional atual. Entretanto, além do PGR e do Presidente da República, outorgou-se legitimidade a órgãos do Poder Legislativo e chefes do Poder Executivo, inclusive dos estados.
Não apenas a esses, mas Constituição também conferiu legitimidade para a instauração do controle concentrado e abstrato de constitucionalidade a entes privados, como órgãos sindicais, aos partidos políticos e à Ordem dos Advogados do Brasil.
Com relação à legitimidade de órgãos sindicais e de entes públicos estaduais, logo o STF assentou em sua jurisprudência a necessidade de demonstração de pertinência temática da argüição. Ou seja, para que tenham legitimidade é necessário demonstrar o especial interesse jurídico na declaração de inconstitucionalidade.
Desde o texto originário também se previu a argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 103, p. ún., posteriormente convertido em §1° do mesmo artigo, após a EC n° 3/93). Em obra específica, Gilmar Mendes bem sintetizou a importância da ADPF:
Vê-se, assim, que a argüição de descumprimento, que pode ser manejada para solver controvérsias constitucionais sobre a constitucionalidade do direito federal, do direito estadual e também do direito municipal, veio completar o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado no Supremo Tribunal Federal. (MENDES, 2007, p. X)
Mas esse instrumento só foi descoberto na prática após a edição de lei o regulamentando (Lei n° 9.882 de 06 de dezembro de 1999). Tanto é que a ADPF n° 01 só foi proposta em 2000. E apesar da lei regulamentadora, a jurisprudência foi a principal responsável pela definição de seus contornos, passando a servir em caráter subsidiário aos processos de controle de constitucionalidade, especialmente ao controle abstrato. É assim quando utilizada para exercer o controle de conformação constitucional do direito pré-constitucional, declarando-o não recepcionado, ou para declarar a inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição da República. Na prática, o STF vem se servindo da ADPF para superar obstáculos que assentou em sua jurisprudência no momento pós-Constituição de 1988. Mas o instituto ainda vem sendo desenhado na jurisprudência do STF, como no debate sobre o seu cabimento em determinadas hipóteses, e sobre a amplitude do parâmetro de controle, definindo o conceito de preceitos fundamentais.
É importante destacar que essa mesma ADPF vem servindo como uma aproximação dos instrumentos de controle de constitucionalidade objetivo e subjetivo. Essa aproximação seria ainda maior não tivesse sido vetado dispositivo da lei regulamentadora que conferia ampla legitimidade para a sua propositura, atualmente restrita aos mesmos legitimados para o controle objetivo de constitucionalidade.
Também previu o texto constitucional originário, ao lado da ação direta de inconstitucionalidade, cuja pretensão era declarar a nulidade de lei ou ato normativo contrário à Constituição, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Essa ação serviria para se reconhecer a omissão estatal na efetivação de normas constitucionais. Mas o STF entendeu que no caso de omissão na edição de lei regulamentadora a decisão apenas declararia a mora do Estado, o que não possui efeito prático algum, tornando pouco útil essa modalidade de ação do controle concentrado.
Também com esse mesmo objetivo, criou a Constituição de 1988 o mandado de injunção, que seria instrumento de controle subjetivo da omissão inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal primeiramente equiparou os efeitos da decisão no mandado de injunção ao da ação direta de inconstitucionalidade. Somente anos mais tarde, com a gradativa evolução na sua jurisprudência, passou o STF a emprestar eficácia concretista, e efetivamente mandamental, às decisões em mandados de injunção, indicando a forma de integrar a lacuna legal, até que venha a ser editada a lei regulamentadora da norma constitucional.
E novamente o texto constitucional trouxe previsão para o controle de constitucionalidade estadual, a ser exercido pelos tribunais de justiça, tendo como parâmetro as constituições estaduais. Ampliou-se os parâmetros de controle para todo o texto das constituições dos estados, e não apenas princípios sensíveis, permitindo também a impugnação de leis estaduais, e não apenas de leis municipais.
Também foi a partir da Constituição de 1988, mais fortemente após a regulamentação das ações de controle concentrado (ADI na Lei n° 9.868/99 e ADPF na Lei n° 9.882/99), que se passou a admitir a participação de terceiros no processo (os amici curiae), pluralizando o debate.

2.8 A Emenda n° 3 de 1993 à Constituição de 1988
A EC n° 3 de 1993 criou a ação declaratória de constitucionalidade. Na verdade, positivou-se o que na prática já ocorria. Desde a representação de inconstitucionalidade se entendia que as decisões no controle concentrado de constitucionalidade eram ambivalentes. Assim, tanto valiam para declarar a inconstitucionalidade, quando procedentes as representações, como para proclamar a constitucionalidade, quando improcedentes os pedidos.
Mas a grande contribuição ao positivar a ADC foi afastar as dúvidas quanto à eficácia e os efeitos das decisões que reconheciam a constitucionalidade de lei ou ato normativo. O texto reformador tornou expressa a eficácia geral e o efeito vinculante nas decisões tomadas em ADC. Pecou o texto de reforma ao não assentar que essa eficácia erga omnes e o efeito vinculante também alcançavam a procedência de ADI, mas a jurisprudência já não vacilava quanto a isso. A questão mostrava-se controvertida apenas quando a ADI era julgada improcedente, porquanto se questionava o dever dos demais órgãos de seguir a decisão do STF e considerar o ato impugnado como constitucional.
Outro ponto interessante é que, no primeiro momento, o rol de legitimados para a ADC era mais restrito, cabendo apenas aos entes públicos da esfera federal, excluídos os entes estaduais e os entes privados. O rol dos legitimados só seria equiparado aos da ação direta de inconstitucionalidade anos mais tarde.
2.9 A Emenda n° 45 de 2004 à Constituição de 1988
A última grande modificação no controle difuso de constitucionalidade ocorrera com a Constituição de 1934, quando se criou a fórmula do Senado Federal e a necessidade de maioria absoluta para a declaração de inconstitucionalidade de lei. Por outro lado os seguidos textos constitucionais, e as suas reformas, produziram ampla modificação no processo de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.
A situação inverteu-se na EC n° 45 de 2004, denominada de Reforma do Poder Judiciário. O seu texto trouxe modificações singelas quanto ao controle abstrato e concentrado de constitucionalidade. Tratou de tornar expressa a eficácia geral e o efeito vinculante nas decisões proferidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade, o que na prática nunca suscitou dúvidas, e que já era expresso para as decisões tomadas na ADC, desde a ECn° 03/93. A principal modificação se deu com a ampliação do rol de legitimados para a propositura da ADC, antes restrito, equiparando aos legitimados para a ADI. Mas, antes disso, bem se poderia burlar a ausência de legitimidade para a ADC manejando-se a ADI para obter um juízo de improcedência da argüição de inconstitucionalidade, que na prática teria o mesmo efeito de uma ADC.
Entretanto, a EC n° 45 de 2004 imprimiu grandes avanços ao controle difuso de constitucionalidade. O novo texto constitucional criou o regime de repercussão geral para os recursos extraordinários e a possibilidade de edição de súmula de jurisprudência com efeitos vinculantes. Ambos os institutos foram criados como resposta à crise numérica que atingiu a jurisdição constitucional. O Supremo Tribunal Federal recebia por ano mais de uma centena de milhares de processos, congestionando-o a ponto tal que o impedia de se manifestar sobre as questões constitucionais relevantes.
O regime de repercussão geral consiste na racionalização do tempo do Supremo Tribunal Federal, que deixa de se dedicar sobre questões constitucionais cuja relevância não é suficiente a justificar o seu conhecimento em sede extraordinária, devendo prevalecer o que for decidido pelas instâncias ordinárias. O novo regime afasta a prática de outrora, que acabava convertendo o STF em uma espécie de quarta instância judiciária – o que era de todo incomum no direito comparado e nada recomendável.
A regulamentação deste instituto foi ainda mais além, permitindo que em casos de inúmeros recursos versando sobre a mesma questão, seja escolhido apenas um como paradigma da controvérsia constitucional. Uma vez resolvida esta, os tribunais apenas aplicariam aos processos represados o conteúdo da decisão do STF. Esse regime em muito aproxima os dois modelos de controle de constitucionalidade: o difuso, concreto e subjetivo do concentrado, abstrato e subjetivo.
Muito embora se possa encontrar semelhanças entre o regime brasileiro da repercussão geral com o modelo norte-americano do writ of certiorari há diferenças acentuadas entre ambos. Certamente o legislador brasileiro buscou, mais uma vez, inspiração no direito norte-americano, mas o regime criado no Brasil é único no mundo. Em obra específica sobre a repercussão geral, Ulisses Schwars Viana destaca essa característica:
O estudo comparativo – do writ of certiorari, da Verfassungsbeschwerde e do recurso de amparo – foi feito dentro dos limites do necessário à demonstração de que a repercussão geral, em sua conformação, não pode ser colocada na perspectiva da adoção de modelos “importados” puros de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade. (VIANA, 2010, p. 50)
Por essa sua característica, de ineditismo, tal como regulamentado, e por representar verdadeiro rompimento com o sistema até então vigente, o regime de repercussão geral ainda levará um bom tempo para encontrar a sua perfeita conformação na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Já a súmula vinculante representou o tema mais polêmico da EC n° 45 de 2004. A possibilidade de edição de súmula vinculante, sem dúvidas, agrega ao STF, ao lado da qualidade de legislador negativo (na declaração de nulidade de leis), a condição de legislador positivo. Essa condição é reconhecida na doutrina de Elival da Silva Ramos que, em obra sobre o ativismo judicial, constatou “a natureza normativa, no sentido de que a súmula vinculante é antes um ato de criação do que de aplicação do direito” (RAMOS, 2010, p. 295).
Por certo, a súmula vinculante serve especialmente ao controle difuso de constitucionalidade, de modo que o STF pode sumular o seu entendimento sobre determinada norma constitucional, a vincular todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo. Mas também a súmula vinculante pode ser usada para emprestar maior eficácia ao controle abstrato de constitucionalidade, porquanto se pode garantir os efeitos vinculantes aos motivos determinantes de decisões em ADI´s, e não apenas ao dispositivo das decisões. É o que ocorreu no caso dos bingos, através da edição da Súmula Vinculante n° 02.
No presente momento se vê interessantes debates em aberto no Supremo Tribunal Federal e no plano acadêmico, de conclusões ainda incertas ou que podem ser modificadas, quer pela própria jurisprudência, quer pela via legislativa ou pelo poder de reforma constitucional:
a) a superação da fórmula do Senado Federal para conferir eficácia geral com efeitos vinculantes às decisões definitivas do STF no controle difuso de constitucionalidade;
b) a vinculação dos motivos determinantes das decisões tomadas em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
c) a superação dos requisitos de admissibilidade nos recursos extraordinários com repercussão geral;
d) a possibilidade de modulação dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade tomada em processo de caráter difuso e subjetivo;
e) a modulação prospectiva dos efeitos de declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado de constitucionalidade e o quorum de deliberação;
f) os critérios objetivos para a aceitação de amicus curiae nas diversas ações da jurisdição constitucional;
g) a coisa julgada inconstitucional; e
h) o uso da ADPF em caráter subsidiário aos processos puramente subjetivos.
Esses temas estão postos nas discussões acadêmicas, e logo motivarão evolução da jurisprudência ou alteração normativa.
3 Conclusão
A narrativa cronológica desde a sua instituição até as últimas modificações normativas acerca da jurisdição constitucional revelam que o controle jurisdicional de constitucionalidade das leis no Brasil possui um modelo único no mundo.
Confrontando-se as classificações tradicionais, verifica-se que o Brasil adota simultaneamente os dois modelos: o controle difuso, concreto e subjetivo; e o controle concentrado, abstrato e objetivo. Entretanto, não se tratou apenas de importar esses modelos dos sistemas originários, no caso o controle difuso norte-americano, e o controle concentrado proposto por Hans Kelsen. O Brasil apenas buscou inspirações no direito estrangeiro, mas criou o seu próprio modelo de controle jurisdicional de constitucionalidade.
E passados cento e vinte anos após o Decreto n° 848, de 11 de outubro de 1890, que pela primeira vez outorgou competência a um órgão judicial para o exame de constitucionalidade das leis antes de aplicá-las, nota-se que o modelo brasileiro ainda está em plena formação. Tem sido freqüente, nas duas últimas décadas, mas especialmente a partir da EC n° 45 de 2004, com a implantação do regime de repercussão geral aos recursos extraordinários, a diminuição das distâncias entre os dois modelos adotados no Brasil, o subjetivo e o objetivo. Há uma tendência crescente de objetivação e concentração do controle de constitucionalidade outrora puramente subjetivo e difuso. Isso demonstra que a atual regulamentação dos instrumentos de controle de constitucionalidade ainda não atingiu o seu caráter definitivo.
O atual modelo brasileiro ainda será objeto de aperfeiçoamentos, seja por novas alterações normativas, seja mesmo pela via jurisprudencial. A história da jurisdição constitucional brasileira ainda está em construção.
Referências
BARBOSA, Rui. Atos inconstitucionais. 3ª ed. – Campinas: Russel Editores, 2010.
BARBOSA, Rui. Discurso de posse no lugar de sócio do Instituto dos Advogados. In: LACERDA, Virgínia Cortes de (seleção, organização e notas). Rui Barbosa – escritos e discursos seletos. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1997.
BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2008.
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007.
LAGO, Rodrigues Pires Correia, Artigo: A jurisdição Constitucional no Brasil
MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. 1ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2007.