domingo, 6 de agosto de 2017

‘Não cabe ao Judiciário regenerar uma nação’, diz presidente do TRF-4



‘Não cabe ao Judiciário regenerar uma nação’, diz presidente do TRF-4
Desembargador do tribunal que vai julgar a condenação de Lula diz que a Lava Jato mostrou que o Brasil chegou a um nível inaceitável de corrupção
Luiz Maklouf de Carvalho, ENVIADO ESPECIAL, O Estado de S.Paulo
06 Agosto 2017 | 03h00
PORTO ALEGRE - No Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz comanda 27 desembargadores e 970 funcionários. O orçamento para este ano é de R$ 5 bilhões. É o tribunal mais informatizado do País: 93,8% (893.573) dos processos que lá tramitam são eletrônicos, apenas 6,92% (66.423) ainda estão no papel. “É grande a honra e pesada a tarefa”, disse Thompson Flores ao assumir a presidência, com 54 anos, ainda solteiro (“Mas não perdi as esperanças”), no recente 23 de junho. 
O presidente do TRF-4 recebeu o Estado na tarde da última segunda-feira, 31, em seu amplo gabinete no nono andar da sede do Tribunal, um imponente conjunto de dois prédios interligados no bairro Praia de Belas, região central de Porto Alegre, com vista para a orla do rio Guaíba. Ali trabalham 27 desembargadores e 970 funcionários. O orçamento para este ano é de R$ 5 bilhões. É o Tribunal mais informatizado do país: 93,8% (893.573) dos processos que lá tramitam são eletrônicos,apenas 6,92% (66.423) ainda estão no papel. 

Presidente do TRF-4, Thompson Flores Foto: EFFERSON BERNARDES / ESTADAO
Cercado de livros por todos os lados – são 5 mil deles, para onde se olhe, fora os 25 mil que guarda em casa –, o desembargador carrega, feliz, o peso da história familiar. Teve coronel trisavô que matou e morreu em Canudos – está em Os Sertões –, conviveu com o avô quase homônimo que foi ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo general-presidente Costa e Silva nos idos pesados de 1968. O avô já se foi, em 2001, mas tem a presença garantida quando se conversa com o neto (que também almeja o Supremo, por que não?) – seja em citações frequentes, seja nas pinturas que adornam as paredes, três dezenas delas, do avô e de muitos outros personagens históricos.

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É um hobby do desembargador – como o são a leitura (três obras por vez), os sete idiomas em que fala e lê (incluindo o latim), o tênis assíduo, e a combinação da gravata com o lenço no bolso do terno. São tantos livros, e tantas pinturas, que ele nem sequer pôde mudar-se para as instalações próprias da presidência. O tribunal concordou que ficasse onde sempre esteve – poupando a todos da maçada que seria a mudança.
Os livros, a maioria jurídicos, merecem que se registre a excelência, com um exemplo só: a coleção completa da Harvard Law Review, desde o primeiro volume, de 1887-1888. Ou dois exemplos, que seja: a mesa pequena em que o desembargador trabalha exibe uma trincheira compacta de 82 volumes de obras clássicas e/ou raras, todas elas estrangeiras. Ele quase desaparece atrás das lombadas.
O senhor já disse que o julgamento da apelação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ocorrer ali por agosto do ano que vem. Não tem como ser mais rápido?
Já ouvi dizer que agosto não serve, porque já teriam as candidaturas. Com a devida vênia, isso está equivocado.
Por quê?
Vamos imaginar, por hipótese, que o tribunal confirme, por três a zero, a decisão condenatória do ex-presidente. A partir dessa decisão, se ela for proferida em maio, em agosto, em setembro, em outubro, ela acarreta inelegibilidade, e automaticamente ele está fora da disputa eleitoral.
E a hipótese de a sentença ser rejeitada por três a zero?
É claro que pode. É aí nós temos que receber com tranquilidade. Porque nós, juízes, desde a primeira Constituição, a Imperial, de 1824, tivemos as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e independência funcional. Porque muitas vezes o juiz terá que se posicionar contra as maiorias populares. Se o tribunal, ao examinar esse recurso, entender que não há prova para condenar o ex-presidente Lula, e absolvê-lo, qualquer que seja o quórum, dois a um, três a zero, essa decisão tem que ser aceita com tranquilidade. Se entendeu, naquela hipótese, que não havia prova suficiente. Aí entra a garantia constitucional de qualquer réu: ter direito a ser julgado por um tribunal imparcial. Pode ser que decepcione uns, mas fará a alegria de outros. Faz parte. 
No seu caso, fará a decepção ou fará a alegria?
A minha alegria é que o tribunal profira a decisão justa. Se o tribunal chegar à conclusão de que não havia prova para embasar um juízo condenatório, até por três a zero, a decisão era a que tinha que ser tomada. Se eu lá estivesse, e concluísse nesse sentido, mesmo tendo elogiado a sentença, eu não teria nenhum problema. Condenação tem que ter base na prova. 
Quais são as outras possibilidades de decisão da 8ª Turma, em tese?
Pode fazer outro caminho: entender, por exemplo, que o ex-presidente Lula, ou qualquer outro dos envolvidos, foi cerceado, que tem que se realizar uma prova Y, que não foi feita. Aí vai anular aquela sentença, e o processo volta à instância de origem, porque a prova terá que ser feita.
Quais são as outras possibilidades?
Digamos que o tribunal confirme, por hipótese, mas que o STJ e o Supremo achem que houve uma nulidade, que contaminou. Eles também podem anular. O direito não é uma previsão matemática. Há “n” hipóteses. 
Qual é o seu recado para a inquietude que cerca o julgamento dessa apelação pela 8ª Turma, no tribunal que o sr. é e continuará presidente até 2019?
A Nação pode ficar tranquila, porque o julgamento a ser proferido, seja qual for a decisão, será um julgamento isento, discreto, com a imparcialidade que requer. A Justiça não pode e não deve estar a serviço de ideologias políticas, de paixões partidárias, e, até mesmo, de paixões populares. 
Como avalia a Operação Lava Jato, no geral?
A Lava Jato é consequência de uma sucessão de operações ocorridas na última década. Mostrou que o Brasil chegou a um nível inaceitável de corrupção. Esse valor foi incorporado à nossa sociedade – e terá um papel educativo. Mas não cabe ao Poder Judiciário regenerar moralmente uma nação. 

Vitória da responsabilidade - O Estado de São Paulo




Vitória da responsabilidade
A exigência de dois terços da Câmara para autorização de instauração de processo contra o presidente serviu para impedir que uma denúncia inepta agravasse a crise
O Estado de S.Paulo
04 Agosto 2017 | 03h01
A decisão da Câmara dos Deputados de negar autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) desse encaminhamento à denúncia contra o presidente da República, Michel Temer, apresentada no final do mês de junho pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, mostra uma vez mais a importância de se cumprir os caminhos institucionais. A condição prevista na Constituição Federal – autorização de dois terços da Câmara dos Deputados para a instauração de processo contra o presidente da República – serviu para impedir que uma denúncia inepta agravasse a crise que assola o País.
Apesar de todo o alvoroço armado em torno da delação do sr. Joesley Batista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não apresentou a tão prometida prova contra Michel Temer. Rodrigo Janot acusou o presidente da República de receber vantagem indevida de R$ 500 mil, mas não apontou um único indício de que Michel Temer teria recebido tal valor – onde, quando, como. Com tal fragilidade probatória, a denúncia apresentada mais parecia um pedido de investigação do que uma acusação formal. Nessas condições, afastar o presidente da República do exercício do cargo seria uma evidente irresponsabilidade, e a Câmara dos Deputados, no cumprimento de suas atribuições constitucionais, rejeitou com acerto tal imprudência.
Apoiado pela maioria dos deputados – foram 263 votos favoráveis ao parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara contra 227 votos –, o arquivamento da denúncia contra o presidente da República abriu uma nova oportunidade de estabilidade para o País. Cabe agora a Michel Temer, com a máxima urgência, reorganizar o seu governo, estabelecendo as condições para o prosseguimento das reformas, em especial, a reforma da Previdência. Há muito a fazer e nenhum tempo a perder.
Ao contrário do que alguns afirmam, o presidente Michel Temer sai fortalecido do episódio, mostrando, uma vez mais, sua capacidade de articulação com o Congresso. Basta ver que foi aprovada a reforma trabalhista após a apresentação da denúncia feita por Rodrigo Janot. Da mesma forma, a votação de quarta-feira passada evidencia o descompasso dos que, a cada semana, renovam suas predições sobre um iminente fim do governo Temer e sua falta de governabilidade.
É de justiça reconhecer que o governo de Michel Temer não tem um problema de apoio parlamentar, como se lhe faltasse base de sustentação e fosse urgente a necessidade de recomposição com o Congresso. Faz-lhe falta agora tão somente reorganizar o próprio governo, para que, superadas as névoas da instabilidade infladas por Rodrigo Janot, o Executivo se dedique com urgência ao tão necessário trabalho de superação da crise econômica, social e moral que abate o ânimo e a vida dos brasileiros.
A necessidade de urgência nessa tarefa não é retórica. Com espantosa teimosia, o procurador-geral da República, dois dias antes que o plenário da Câmara deliberasse sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia, pediu ao STF que o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco fossem incluídos no rol de investigados de um inquérito já instaurado no âmbito da Operação Lava Jato. Sem trazer novidade ao caso, o pedido de Janot manifesta primário cálculo político. Ou seja, indiferente às exigências institucionais do cargo que ocupa, vale-se da função como pedestal para diatribes pessoais.
É mais que hora de parar de maltratar o País. A correta aplicação do ordenamento jurídico – é a isso que se refere, afinal, a batalha contra a corrupção e a impunidade – não tem qualquer relação com essa contínua imposição de obstáculos à estabilidade, à retomada do desenvolvimento econômico e social e à normalização da vida política da Nação. O Direito, quando bem aplicado, é caminho de ordem e de paz. E a própria população dá sinais de estar desejosa desse sossego. Na quarta-feira passada, deu-se um fato que não se via há, no mínimo, 30 anos – uma votação importante no Congresso, na qual se decidia o futuro do País, sem que houvesse manifestações nas ruas. (Ver abaixo o editorial O povo ficou em casa.)