O novo CPC e o STF. Jurisprudências defensivas e a racionalidade do
sistema
Publicado
por Leonardo Sarmento - 1 semana atrás
O novo Código
de Processo Civil que ainda não vige já chamou a atenção de
integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Numa perfunctória avaliação,
dizem que o texto criou novos recursos ao STF e que o tribunal não tem
estrutura para lidar com o aumento exponencial de processos, que o sistema de
informática da Corte terá de ser refeito, que o regimento interno, em diversos
pontos, terá que ser revogado.
As
alterações no CPC
contrariariam, por exemplo, o que o STF programou ao patrocinar a Reforma do
Judiciário: restringir o acesso ao Supremo por meio do instituto da repercussão
geral. Com novos recursos disponíveis aos advogados, haverá formas de driblar a
repercussão geral, no entendimento desses integrantes. Formas que os grandes
escritórios rapidamente incorporarão às suas práticas.
O NCPC,
em verdade, teve um primeiro projeto feito por um corpo de jurisconsultos
extremamente qualificado capitaneado pelo atual ministro do STF Luiz Fux, mas
acabou remendado politicamente e em grande parte se desnaturando de sua
concepção original em diversos pontos, como o da busca por uma razoável duração
do processo. Fato que se deu quando grandes corporações de advogados vieram a
substituir o corpo originário que inicialmente havia projetado a ideologia que
moveria o código no processo de democratização do debate e qua acabou em muitos
pontos fazendo sua força prevalecer.
Como o
texto ainda depende da sanção da presidente Dilma Rousseff, ainda é possível
derrubar algumas das alterações. O presidente do Supremo, ministro Ricardo
Lewandowski poderá, se assim avaliar com maior detalhamento, levar ao Planalto
as preocupações do STF.
Certo é
que, fundamental seria ter havido uma racionalização no elenco de
possibilidades recursais, a adequação de um modelo inteligente, útil para o
sistema e razoável de jurisprudência defensiva que o ordenamento, por óbvio não
rejeite, que não negue o acesso quando devido, mas que obste os excessos
protelatórios recursais que abarrotam nossos tribunais.
Não pode
mais a prestação jurisdicional restar em parte substancial desqualificada pelo
excesso de processos que chegam aos tribunais superiores, em grande parte
patrocinados por grandes escritórios de direito que possuem meios morais e
“imorais” de lograr êxito nos juízos de admissibilidade dos tribunais, enquanto
o patrocinado que não conta com um escritório deste porte por questões
financeiras em sua causa, tem o trânsito em julgado logo em 1º ou 2º grau de
jurisdição.
Necessário
nos termos do princípio da Isonomia, do princípio Democrático e Republicano
reduzir os efeitos desta verdadeira “justiça censitária” que move precipuamente
os tribunais superiores. Assim também, fundamental o aprimoramento do instituto
da repercussão geral, do incidente de resolução de demandas repetitivas – que
amplia a técnica de julgamentos por amostragem – de uniformização da
jurisprudência e de todos os mecanismos de processo que de forma isonômica promova
um Judiciário mais atento às qualidades que preocupado com as quantidades,
quando já se demonstrou que um judiciário assoberbado é um judiciário ineficaz.
Tribunais
superiores devem ser local de causas que promovam repercussão, caso contrário
estão disponíveis as instâncias ordinárias quando a causa é julgada e pode ser
revista em caso de inconformismo por um órgão colegiado, mas claro, nos termos
de limitação das demandas repetitivas.
Vale
dizer, como observação, que sou defensor em certas medidas, desde que razoáveis
e em proveito de todo sistema, de “jurisprudências defensivas” ao contrário de
muitos, que data vênia a abominam sem critérios distintivos. A exigência do
número do processo de origem na guia de recolhimento das custas judiciárias, sem
possibilidade de regularização; a impossibilidade de comprovação de feriado
local após a interposição do recurso para os tribunais superiores; a
intempestividade de recurso interposto antes da publicação em diário oficial do
acórdão recorrido e o não conhecimento de recurso especial não ratificado após
o julgamento de embargos de declaração da parte contrária são medidas
irrazoáveis que não se pode apoiar.
O NCPC
tomou algumas providências para fazer cessar as jurisprudências defensivas
irrazoáveis:
(i) art.
76, § 2º - deixa claro que o regramento do art. 13 do atual CPC
se aplica à instância recursal, de modo que, em caso de incapacidade processual
ou irregularidade de representação da parte, deverá o relator possibilitar a
correção do vício em prazo razoável, antes que não conheça do recurso ou
determine o desentranhamento das contrarrazões;
(ii) art.
218, § 4º - estabelece a tempestividade do ato praticado (interposição de
recurso, por exemplo) antes do termo inicial do prazo;
(iii)
art. 1020, § 2º - determina que o equívoco no preenchimento da guia de custas
(como, por exemplo, a falta de referência ao número do processo na origem) não
resultará na aplicação da pena de deserção, incumbindo ao relator, em caso de
dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício em cinco
dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador;
(iv) art.
1038 – admite o prequestionamento implícito ou virtual, no sentido de se
considerar incluídos no acórdão recorrido, os elementos que o embargante
pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração
sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes
erro, omissão, contradição ou obscuridade;
(v) art.
1039, § 2º - afasta a necessidade de ratificação de recurso interposto
anteriormente ao julgamento de embargos de declaração opostos pela parte
contrária, desde que não se altere a conclusão do julgamento da decisão
embargada;
(vi) art.
1042, § 3º - prevê que o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de
Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar
sua correção, desde que não o repute grave (consunção processual), dispositivo
este que, evidentemente, dependerá da conformação mais ou menos formalista da
jurisprudência dos tribunais superiores;
(vii)
art. 1045 – permite o aproveitamento do recurso especial e sua conversão em
extraordinário, caso se considere que a insurgência versa sobre questão
constitucional; e
(viii)
art. 1046 – permite o aproveitamento do recurso extraordinário e sua conversão
em especial para o Superior Tribunal de Justiça, caso o Supremo Tribunal
Federal considere como reflexa a ofensa à Constituição nele veiculada, por pressupor a
revisão da interpretação de lei federal ou de tratado.
Enfim, a
jurisprudência defensiva só deve ser aceita quando fomentar a racionalização do
sistema e desde que pautada por fundamentos que a ponderação dos valores
constitucionais demonstre se tratar como medida necessária pela busca da
efetividade de uma prestação jurisdicional qualificada.
Queremos
concluir dizendo que não conferimos ao termo “jurisprudência defensiva” a
conotação conceitual pejorativa que costuma se atribuir “prima facie”, como “a
exacerbação na análise dos requisitos de admissibilidade dos recursos”. Se
entendida assim é claro que não será jamais bem-vinda devido a adjetivação que
preliminarmente já de atribui: “exacerbação”. Colocando de outra forma, entendemos
que jurisprudência defensiva é o endurecimento dos requisitos de
admissibilidades dos recursos, que pode se revelar razoável para o sadio
funcionamento do sistema ou “exacerbado”, quando deverá ser expurgada das raias
do Judiciário.
Em que
pese tratar-se de providências insuficientes para debelar o mal da morosidade
na justiça brasileira — cujas verdadeiras causas vão muito além de uma simples
reforma processual, passando pelas deficiências estruturais e de gestão do
serviço público judiciário, pela formação excessivamente formalista e
contenciosa dos profissionais do Direito e pela indevida utilização do
Judiciário como instrumento de moratória da dívida pública — há que se
reconhecer que algumas propostas trazidas pelo NCPC são propostas que debelam
evolução.
Professor
constitucionalista
Professor
constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do
jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em
Direito Público, Direito Processual Civil, Direito Empresarial e com MBA em
Direito e Processo de Trabalho