Pontos de Interseção
Entre Arbitragem e Judiciário.
Autores. Antônio Esmeraldo Ferreira silva. OAB-CE 26.202 e Vitor Sávio
Amaral Aragão.
Diferentemente do que se possa imaginar, a
jurisdição estatal não se mistura com a jurisdição privada, ou arbitragem.
Conforme afirma o professor Francisco Cahali, a jurisdição arbitral e a estatal
não são compartilhadas, mas sim partilhadas.
Art.
18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica
sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
Podemos entender isto como óleo e água no mesmo
copo: não se misturam. Ainda como forma de compreensão dos dois institutos,
podemos imaginar como uma corrida de revezamento: quando um corredor está com o
bastão o outro não interfere, e quando o
bastão é entregue a este, cessa a responsabilidade daquele na corrida. Vida que
segue.
Não queremos com isso afirmar que não se
comuniquem; na verdade a comunicação entre as duas jurisdições são extremamente
necessários, e a palavra de ordem é suporte efetivo ao instituto arbitral.
Art.
3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito).
§ 1º É
permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ (3º A conciliação, a
mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério
Público, inclusive no curso do processo judicial.)
A
palavra que exsurge com mais força do NCPC é "cooperação", buscando a
efetivação das diversas formas de resolução de controvérsias, dentre elas o
procedimento arbitral.
Temos
que o nível de importância dos institutos é o mesmo, sendo certo que o
resultado do procedimento arbitral não se diferencia do procedimento judicial
em sua pronúncia final; ou seja, independentemente da origem, os dois são
títulos executivos judiciais, um proveniente do procedimento disciplinado pela
Lei Federal nº. 307/96, de ambiente privado, e outro proveniente do Estado
Juiz, ambiente público.
CPC.
Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos
previstos neste Título:
(...)
VII -
a sentença arbitral;
Lei
nº 9.307/96. Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
Ainda
é correto afirmar que cada um segue com suas regras as quais não se misturam:
um tem como fundamento básico a autonomia da vontade das partes que litigam
entre si, e o outro as regras e a vontade do Estado, afigurando-se errôneo
atribuir eficácia diferente aos títulos oriundos das duas fontes, lembrando que
a lei de regência e o NCPC atribuem “os mesmos efeitos da sentença proferida
pelos órgãos do poder judiciário” à sentença arbitral (vide relação dos órgãos
do Poder Judiciário na Constituição Federal de 1988, art.92).
Lei
nº 9.307/96. Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Oportuno
lembrar que ao privado é permitido o que a lei não proíbe, e ao público só é
permitido o que a lei determina, conforme o princípio da legalidade, e estas
são diretrizes fundamentais para entendimento dos prestadores de serviço
jurisdicional, atentando o privado tão somente para os costumes do local e a
não violação da ordem pública. Observada esta prática e não havendo vedação
legal, tudo mais o particular podem fazer.
Art.
2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º
Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão
aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à
ordem pública.
§ 2º Poderão, também,
as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios
gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e
respeitará o princípio da publicidade.
Temos
ainda que a legislação prevê a comunicação entre os procedimentos nos momentos
pré arbitral, durante o procedimento e após, com o objetivo de corrigir
possíveis desvios, não tendo o legislador deixado tão significativa tarefa à
mera cognição do julgador, tendo determinado por meio da legislação especial os
momentos de interseção entre as jurisdições, mormente para evitar confusão
entre os procedimentos.
Cuidou
a lei de trazer os pontos específicos de contato com o fito de promover a
segurança jurídica do instituto arbitral, antes, durante e depois do processo.
A) ANTES DA INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL
Pode
o juiz togado, antes do estabelecimento do procedimento arbitral em que seja
prevista a arbitragem por meio de cláusula compromissória, prover ao
interessado medida cautelar de urgência, caso verifique, mediante provocação de
parte, os requisitos exigíveis, cabendo ao árbitro, quando do estabelecimento
efetivo do procedimento arbitral, manter, modificar ou revogar, no todo ou em
parte a decisão liminar oriunda do Poder Judiciário.
Art.
22-A. Antes de instituída a arbitragem,
as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida
cautelar ou de urgência
Art.
22-B. Instituída a arbitragem, caberá
aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência
concedida pelo Poder Judiciário.
Pode
ainda a parte interessada arguir em preliminar de contestação a existência de
cláusula compromissória em contrato que foi levado ao Poder Judiciário pela
parte, cabendo ao Magistrado extinguir a demanda sem conhecer o mérito, em
favor do juízo que foi originalmente eleito para conhecer das lides oriundas
daquele pacto.
CPC Art.
337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:
(...)
X -
convenção de arbitragem;
Ainda
antes do estabelecimento efetivo do procedimento arbitral, a parte pode ir ao
Poder Judiciário para definir em qual instituição o procedimento arbitral será
instaurado, em casos de cláusula compromissória aberta, diante da negativa de
uma das partes de aceitar a instituição apontada pela parte interessada em
instaurar o procedimento arbitral.
Art.
7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição
da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte
para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz
audiência especial para tal fim.
Citada
à parte e não comparecendo em juízo, a sentença do juiz togado servirá como
compromisso arbitral; vale lembrar que ainda que a parte renitente apresente recurso contra a
sentença judicial, o mesmo não se opera com efeito suspensivo, em relação a
este tipo de decisão.
CPC. Art. 1.012. A apelação terá efeito
suspensivo.
§ 1º
Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos
imediatamente após a sua publicação a sentença que:
(...)
IV -
julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;
B) DURANTE O PROCEDIMENTO ARBITRAL
Durante o processo arbitral, a jurisdição
estatal funciona como um garantidor do desenvolvimento do processo, sendo
responsável por efetivar todas as decisões que definitivamente requeiram o uso
de força.
Ainda
que ao seu livre convencimento possa o árbitro, no exercício de sua atividade,
tomar decisões que deverão ser executadas com o uso de força, não pode o mesmo
executá-la, neste momento requerendo a cooperação do Estado para efetivar sua
decisão.
Vale
salientar que o juiz togado não pode adentrar ao mérito da decisão do juiz
arbitral, cabendo ao mesmo somente o cumprimento pelo imperium estatal a sua
disposição do que solicita o árbitro, por oficial de justiça, polícia e outros
meios; se for o caso, esta é a regra.
Muitas
são as situações nas quais o árbitro poderá se utilizar dos atos cooperacionais
para o uso da força estatal, tais como em situações que haja necessidade de
sequestro de bens, indisponibilidade de bens moveis e imóveis, condução
coercitiva de testemunhas, bloqueio de valores em contas bancárias e aplicações
financeiras etc.
Durante
esta fase, o Poder Judiciário zela pela efetividade do procedimento arbitral,
evitando que outro privado, caso queira utilizar a força, não obstacularize o
desenvolvimento válido e efetivo do processo arbitral.
C) DEPOIS DO PROCEDIMENTO ARBITRAL
Como
sistemas que cooperam entre si, ainda que durante o processo a regra é de não
interferência do Poder Judiciário no curso do procedimento arbitral, cabe ao
mesmo, após findado o labor do árbitro aferir no que couber, mediante
provocação da parte interessada, e nunca de ofício, se existe ou não algum ato
que conduza à nulidade do procedimento, sendo certo que determinados atos no
decurso do processo podem ainda serem solicitados para que o Estado promova
resultado útil ao procedimento arbitral, utilizando-se da carta arbitral, inclusive.
Art.
22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o
órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de
sua competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro.
Quanto
ao fato do controle da sentença arbitral, temos que uma vez sendo o Poder
Judiciário provocado pelo interessado em tempo hábil e em processo ordinário de
conhecimento, sendo oportunizados às partes a ampla defesa e o contraditório,
concluindo o juiz togado pela presença de uma das hipóteses do artigo 32 da lei
de regência, deverá o Magistrado decidir pela nulidade da sentença arbitral, tornando-se
a mesma imprestável para surtir seus efeitos no mundo fático.
Lei nº
9.307/96. Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I -
for nula a convenção de arbitragem;
II -
emanou de quem não podia ser árbitro;
III -
não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV -
for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - comprovado que foi proferida por
prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VI - proferida fora do prazo, respeitado o
disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VII - forem desrespeitados os princípios de que
trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
Como
as disposições que permitem a nulidade da sentença arbitral são muito
estreitas, deve o operador arbitral dominar a legislação e o procedimento,
evitando desde o início do procedimento qualquer um dos itens que no futuro
poderão servir de arguição de nulidade do decisum arbitral.
Art.
33. § 1o A demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral, parcial
ou final, seguirá as regras do procedimento comum, previstas na Lei no 5.869,
de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), e deverá ser proposta no
prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva
sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.
Por
outro lado, decorrido o prazo de noventa dias, esgota-se o prazo para pugnar
pela nulidade da sentença arbitral em ação autônoma, podendo tão somente, em
uma manobra inteligente do legislador, permitir que dentro do processo de
cumprimento de sentença arbitral pelo interessado, requerer o executado a sua
nulidade, obviamente demonstrando a existência de um dos elementos elencados no
art 32 da referida lei.
Art.
33 § 3o A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser
requerida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos arts. 525 e
seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.
Este
procedimento visa proteger o devedor, caso o credor decida esperar o prazo
decadencial para propor a execução da sentença arbitral; caso fosse negado ao
devedor em cumprimento de sentença a arguição de nulidade da mesma, ficaria o
devedor sem forma de defesa.
Concluímos
então que a jurisdição privada e a estatal andam de mãos dadas, não competem
entre si, não usurpam espaços uma da outra; ao contrário, se complementam, se
ajudam e não se misturam, e se praticada a arbitragem de forma responsável
pelos árbitros, com a eventual cooperação dos Magistrados, será uma porta de
muita valia, e que muito pode apoiar nosso sistema de justiça, trazendo para as
partes justiça de qualidade, especializada e em tempo razoável, com plena
segurança jurídica, é tudo que desejamos
e defendemos como operadores do direito.