DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO (DIP) - LFG
INTENSIVO III
Prof.: Valério Mazzuoli
Bibliografia:
● Curso de Direito Internacional Público (Ed. RT) –
Valério Mazzuoli
Aula n° 1 (29.07.09)
Tema: I – Direito Internacional Público
1 - Diferenças entre sociedade internacional e
comunidade internacional
_ Qual o conceito moderno de Direito Internacional?
Resposta: Existem dois
conceitos:
1. Clássico
= Direito Internacional é a disciplina que regula
aquela atividade dos Estados entre si. Assim, tudo o que um Estado fará com
outro, no plano internacional, seja negociação/tratativa/troca de manifestação
de vontade entre os entres soberanos seriam regulados pelo direito
internacional público.
Contudo, este conceito exclui dois sujeitos da
organização internacional: as organizações internacionais (não trata da ONU,
das Agencias Regularizadas, das Instituições Financeiras, OIT, OMS) e dos
indivíduos. Este conceito coloca o Estado como o principal sujeito (mediato) do
direito internacional.
2. Moderno
(TRF) = Conceito elaborado
pós-2ªGM, incluindo no conceito de direito internacional mais dois novos
sujeitos: as organizações internacionais e o indivíduo. Desta forma, o direito
internacional seria aquela disciplina que regula a atividade de três entes
entre si: dos Estados, das Organizações Internacionais e dos Indivíduos.
Comunidade internacional não existe, pois
comunidade é um vínculo “afetivo”. O que existe é a sociedade internacional.
Vale dizer, que em alguns tratados há a utilização do termo “comunidade
internacional”, porém não é uma nomenclatura correta.
_ Como se participa na relação da sociedade
internacional?
Resposta: Através de
ratificação ou celebração de tratados internacionais (Acordos). Pode acontecer
de um tratado internacional conflitar com as normas de direito interno.
2 - Relações do direito internacional com o
direto interno – (Saulo José Casali Bahia)
2.1. Introdução = As relações entre o
Direito Internacional e o Direito interno (estatal) correspondem a tema da
maior significação no Direito Internacional contemporâneo. Essa importância,
não exclusivamente teórica, relaciona-se à circunstância de que o correto
entendimento das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno
termina por revelar a própria essência daquele.
Ao lado dessa importância convive, todavia, uma
acirrada divergência doutrinária, inexistente talvez em qualquer outra matéria
pertencente ao campo do Direito Internacional Público.
Há duas doutrinas que tentam entender a relação do
direito internacional com o direito interno — dualismo e o monismo.
a) Dualismo = Para os dualistas, o
Direito Internacional e o Direito interno compreenderiam dois sistemas
distintos, que jamais estariam em conflito, já que as normas de um não teriam
qualquer aplicação no outro. Assim, uma norma de Direito Internacional nunca
possuiria aplicação direta na ordem interna de um Estado, a não ser que
houvesse sido previamente transformada em Direito interno, através do mecanismo
da recepção (expressa ou tácita). Somente após recebida perante o ordenamento
jurídico nacional, os particulares e os órgãos estatais, notadamente os
tribunais, poderiam aplicar a norma originalmente de Direito Internacional,
pois já possuiria a natureza de norma de Direito interno. Como explicação para
essa dicotomia, muitos dualistas apontam para o fato de os sujeitos, fontes,
fins e natureza dos referidos ramos serem diversos. Assim, enquanto o Direito
Internacional teria fundamento na vontade individual ou comum dos Estados,
possuiria a finalidade de reger as relações entre aqueles e seria um
Direito fundado em bases coordenativas, o Direito
interno teria fundamento exclusivo na vontade soberana e unilateral do Estado.
** Posição
da doutrina: Deve ser
ressaltado, preliminarmente, que o estudo das relações entre o Direito
Internacional e o Direito interno pressupõe o reconhecimento do primeiro como
ramo da ciência jurídica. Caso contrário, à discussão faltaria um pressuposto
indispensável, dada a inexistência de seu objeto. Assim, qualquer análise do
tema carrega o indeclinável repúdio às teses dos negadores do Direito
Internacional, este que pode ser definido como o conjunto de normas reguladoras
das relações entre os sujeitos componentes da sociedade internacional.
Essas normas, segundo o art. 38 do Estatuto da Corte
Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, compreendem as
convenções internacionais gerais e especiais, o costume internacional
considerado como prova de uma prática geral aceita como sendo o Direito, os
princípios gerais de Direito reconhecidos pelas nações civilizadas, a doutrina
dos juristas mais qualificados das diferentes nações e a jurisprudência
internacional. A Corte poderá ainda decidir, se as partes com isto concordarem,
utilizando a eqüidade (art. 38, § 2°). Os sujeitos componentes da sociedade
internacional, por outro lado, não mais se limitam aos Estados, já que as
organizações internacionais, o indivíduo, as pessoas morais (notadamente
transnacionais), dentre outros entes, gozam de personalidade internacional,
porquanto para esta somente é exigido que possam gozar de direitos ou sofrer
cominação de obrigações na esfera internacional. Como já dito, em poucos campos
verifica-se tanta divergência doutrinária quanto na análise das relações entre
o Direito Internacional e o Direito interno, ora entendendo-se como espécies
paritárias (em igual nível hierárquico), ora devendo uma delas ou ambas
encontrarem-se subordinadas à outra. Desse modo, divide-se a doutrina entre o
dualismo e o monismo jurídico.
Doutrina nacional (que o elabora), possuiria a
finalidade de reger as relações entre as pessoas estabelecidas no território
estatal e seria um Direito fundado na idéia de subordinação.
Em verdade, vários autores preferem a denominação
"pluralismo" ao "dualismo", já que o Direito Internacional
se veria em face não de um outro, mas de, atualmente, quase duas centenas de
ordenamentos jurídicos. De qualquer modo, o vocábulo "dualismo",
proposto por Verdross em 1914, tornou-se expressão consagrada.
Obs.: No Brasil
NUNCA haverá o dualismo radical (mediante lei). O que existe é o dualismo
moderado (deveria haver um ato executivo interno – DECRETO). Isto não quer
dizer que o Brasil adote o dualismo moderado, porque o decreto no Brasil, neste
caso, é uma praxe. O tratado não vira lei. Ele apenas amplia o nosso
ordenamento jurídico, sendo aplicado como lei.
b) Monismo = Esses ramos deveriam
compor um único sistema, com base no princípio lógico da identidade, pois não
deveria ser admitido que uma norma pudesse ter validade internacional sem
possuir validade interna, e vice-versa. A idéia de um único sistema normativo
foi chamada de monismo jurídico.
Dois caminhos foram seguidos pelos monistas: alguns
pretenderam que um dos ordenamentos fosse integralmente subordinado ao outro.
Havendo submissão do Direito Internacional ao
Direito interno, ter-se-ia o monismo nacionalista. Ao revés, havendo submissão
do Direito interno ao Direito Internacional, ter-se-ia o monismo
internacionalista (que pode ser moderado ou radical, como se verá adiante).
Outros pretenderam que a submissão ocorresse em
face de um terceiro ordenamento. Criou-se, então, a escola do monismo
jusnaturalista. Os caminhos, pois, para a obtenção da unidade, são a
subordinação de um ou de ambos os ordenamentos a outro.
b.1) Monismo nacionalista = Para
certos internacionalistas, o Direito Internacional nasceria do Direito interno,
devendo, por isso, a este submeter-se. Possuindo os Estados a mais absoluta
soberania, e sendo o Direito Internacional resultado exclusivo da vontade dos
Estados (tese voluntarista), nenhuma norma de origem estranha aos quadros
normativos internos poderia ser validamente aceita. Para os nacionalistas, a
Constituição interna seria uma norma suprema, à qual todas as normas
internacionais e demais normas internas deveriam prestar obediência. Tendo em
vista a supremacia da Constituição e a unidade de fonte produtora das normas
(tanto o Direito Internacional quanto o Direito interno nasceriam dentro do
âmbito estatal), o Direito Internacional foi visto como um Direito estatal
externo, dedicado às relações exteriores do Estado.
Acrescentam os nacionalistas inexistir qualquer
autoridade superior aos Estados, sendo a aplicação dos costumes internacionais
resultado de uma recepção constitucional tácita.
Em outras palavras, havendo conflito prevalece o
que a lei interna disser (poder discricionário). Assim, pode prevalece tanto a
norma nacional como a internacional.
b.2) Monismo internacionalista =
Algumas escolas profligaram, por sua vez, que a subordinação deveria ser do
Direito interno ao Direito Internacional.
Assacando diversas críticas aos fundamentos
assinalados pelos adeptos do dualismo e do monismo nacionalista, concluem os
internacionalistas que a progressiva aplicação de normas de Direito
Internacional no âmbito interno dos Estados demonstraria a validade da tese que
esposam. Por outro lado, embasaria a preponderância do Direito Internacional o
fato de persistir a responsabilidade internacional do Estado no caso de ofensa
a uma regra internacional por uma regra interna. Além disso, os Estados já não
seriam os únicos sujeitos do internacional.
b.2.1) Monismo
internacionalista radical = Essa
superioridade, segundo alguns, deveria fazer-se sentir de modo absoluto, a fim
de que fosse considerada inválida e inaplicável, tanto por juízes e tribunais
nacionais quanto internacionais, qualquer disposição de Direito interno
contrária ao Direito Internacional. Trata-se do monismo internacionalista
radical.
b.2.2) Monismo
internacionalista moderado = Outros, não
tão radicais, preferiram tomar em consideração a evidência de que os
aplicadores do Direito, no âmbito interno, freqüentemente, e até por força de
comandos constitucionais, abertamente privilegiam a norma interna em detrimento
da norma internacional. Têm-se, então, dois ângulos de validade e de aplicação
do Direito: um, interno, onde não deixa de ser aplicada a norma nacional
violadora do Direito Internacional; outro, externo, onde a violação do Direito
Internacional é entendida como mero fato ilícito, gerador da responsabilidade
internacional do Estado, apurável segundo os meios internacionais próprios.
Trata-se do monismo internacionalista moderado.
b.2.3) Monismo
jusnaturalista = Para os
adeptos do monismo jusnaturalista, a unidade sistêmica seria conseguida não com
a desconsideração do ordenamento internacional em face do nacional, ou
vice-versa, nem com a subordinação de um ao outro, mas sim com a subordinação
dos dois sistemas a um terceiro ordenamento, formado por normas de Direito
natural, fundamento comum, aliás, a ambos.
** Crítica: Percebe-se, na doutrina, grande
esforço em desdenhar uma das correntes em detrimento da esposada, questionando
os fundamentos considerados pela tese adversária.
Ocorre, todavia, que a circunstância de faltar
razão a algum determinado argumento não deve levar à conclusão de que toda a
tese encontra-se desprovida de fundamento. Isso porque as teses não são
excludentes, senão pela opção ideológica realizada, como se verá abaixo.
Nesse sentido, torna-se útil a consideração de um
exemplo prático. Imagine-se a situação de uma norma de Direito Internacional em
conflito com uma lei interna, havendo a Constituição do Estado dado prevalência
à norma de Direito interno sobre a norma internacional, vindo nesse sentido
decidindo os tribunais nacionais. Para os dualistas, a norma do Direito das
gentes apenas possuiria validade na órbita internacional. Haveria, assim, dois
âmbitos de validade distintos. Um interno, onde a norma estatal seria válida e
aplicável pelo juiz nacional, e a norma internacional inaplicável. Outro,
externo, onde a violação da norma internacional por uma norma interna
implicaria uma sanção internacional ao Estado. Existe, assim, uma inevitável
dualidade, que deve ser entendida quanto aos âmbitos de validade da norma.
Pouco importa, assim, para a inegável presença do
dualismo, o acréscimo de outros argumentos além da dualidade de âmbitos de
validade. A erronia daqueles, assim, não desfaz a teoria.
Entre os argumentos votados por alguns dualistas em
arrimo à teoria que defendem, encontram-se os de que as normas de Direito
Internacional dirigir-se-iam. Os Estados, enquanto que as normas de Direito
interno possuiriam como destinatários as pessoas naturais e jurídicas internas;
de que o Direito Internacional é meramente coordenativo; e de que os
fundamentos de cada ramo seriam completamente distintos. Todos esses
argumentos, completamente dispensáveis ao êxito da concepção, sucumbem a uma
análise mais detida. O Direito Internacional, hodiernamente, acolhe como
sujeitos também o homem e as pessoas jurídicas. Kelsen já expôs que toda
coordenação significa uma subordinação a algo. E, ainda, a diversidade de
fundamento não abrange o Direito Internacional comum (costumes e princípios
gerais de Direito).
Assacam os monistas contra os dualistas o princípio
lógico da identidade. Todavia, esse princípio não possui qualquer aplicação,
porquanto o aplicador da regra internacional não é o mesmo aplicador da regra
interna. A apuração da responsabilidade internacional do Estado não será
realizada por um tribunal nacional, mas através de órgãos exteriores ao Estado.
A hipótese formulada, vista pelos monistas,
mereceria distinta consideração. Ao invés de tomarem em conta cada um dos
âmbitos de validade isoladamente, em pretender desmerecer qualquer deles ou ambos
em detrimento de outro, intentam os monistas, de modo científico, estabelecer
uma unidade sistêmica, um conjunto normativo. Para que esse esforço resulte
proveitoso, será necessário considerar um dos dois conjuntos como juridicamente
inoperante, isoladamente. Assim, um dos dois irá ser considerado como mero
fato. Quando se considera a norma interna violadora de disposição de Direito
Internacional como fato, a causar conseqüências de natureza internacional
(sanção internacional), tem-se o monismo internacionalista, Ao revés, quando é
a norma internacional que é considerada como mero fato, incapaz, por si só, de
qualquer consideração quanto à sua eficácia, tem-se o monismo nacionalista.
Tomando-se esta última teoria, tem-se que o aplicador do Direito interno, no
momento em que deixa de aplicar a norma de Direito Internacional em favor da
norma de Direito interno, resolveu, dentro de um único sistema, o conflito
entre as normas. Pode ele, enquanto assim proceder, professar seu credo
nacionalista sem qualquer chance de erro. O Direito Internacional, para ele,
não passa de um fato ilícito. Do ponto de vista do monismo internacionalista
radical, o predomínio, na hipótese proposta acima, deveria ser do Direito
Internacional. A norma constitucional privilegiadora do Direito interno
deveria, para esta teoria, ser desconsiderada tanto pelo aplicador do Direito
Internacional quanto pelo aplicador do Direito interno.
O monismo internacionalista moderado difere do
radical unicamente por, apesar de considerar o Direito interno como fato
ilícito em face do Direito Internacional, não retirar-lhe a validade.
Sem dúvida alguma, o monismo internacionalista
(moderado e radical) e o monismo nacionalista não se prestam a convenientemente
explicar a hipótese formulada. É que essas concepções apresentam-se fortemente
carregadas de uma carga ideológica diversa da traduzida pela Constituição do
Estado. Ao considerar a norma internacional como mero fato ilícito, o monismo
nacionalista termina por negar a própria existência do Direito Internacional.
Trata-se de um ângulo de visão demasiado limitado, próprio ao aplicador do
Direito Interno que não consegue enxergar a validade de qualquer norma estranha
ao plexo normativo nacional e inegavelmente existente. O voluntarismo e a
auto-limitação evidentemente não explicam o fundamento do Direito
Internacional, cujas normas existem independentemente da vontade dos Estados,
e, muitas vezes, contra essa mesma vontade. O monismo internacionalista radical
comete, por seu turno, o vício oposto. É que, menosprezando a vontade
constituinte, finda por negar a existência e a autonomia do próprio Direito
interno, como se nada existisse da soberania do Estado e como se, de fato, os
aplicadores do Direito interno não tivessem de efetivamente cumprir o comando constitucional.
Não é possível considerar como fato todo um ordenamento jurídico, com validade
própria, sob pena de tomar como realidade algo que não passa de uma imaginação.
O monismo internacionalista moderado, ao intentar
acolher a validade do Direito interno, em que pese a ainda considerá-lo como um
fato ilícito perante o Direito Internacional, termina por fazer suas conclusões
coincidirem exatamente com aquelas dos dualistas, ao admitir uma dupla esfera
de validade, interna e internacional.
O que se disse quanto ao monismo internacionalista
moderado pode ser dito quanto ao monismo jusnaturalista. É que este último, ao
encetar subordinar o Direito Internacional e o Direito interno a um terceiro
ordenamento, não resolve a dualidade entre os dois primeiros, fazendo
permanecer um binômio quanto aos âmbitos de validade.
Ocorre que nem sempre há conflito entre a norma de
Direito Internacional e a norma de Direito interno.
Tem-se a hipótese de um determinado ordenamento
nacional sufragar a tese de que toda e qualquer norma de Direito Internacional
(respeitados os aspectos formais de introdução no ordenamento jurídico
nacional) possua ascendência sobre suas normas internas.
Tem-se, pois, nesse caso, a adoção do monismo
jurídico. A norma interna será, de fato, nula, tanto para o aplicador do
Direito Internacional quanto para o aplicador do Direito interno.
Das duas hipóteses formuladas pode-se retirar
quatro importantes conclusões:
A. a opção
pelo monismo ou pelo dualismo depende do
sistema constitucional de cada país = Sendo o
monismo e o dualismo concepções tecnicamente possíveis, surgem como
possibilidades a serem escolhidas por cada Estado, ao estabelecer como se darão
as relações de seu ordenamento jurídico interno com o Direito Internacional.
Essa opção deverá ser feita a nível constitucional,
pois o poder constituinte, em qualquer Estado, é o precípuo detentor da
soberania.
Poderá aceitar o Direito Internacional sem
reservas, com o que toda disposição de Direito interno conflitante com aquele
será nula. Isto implica, assim, uma unidade sistêmica, existindo
compatibilidade vertical de normas e encontrando-se as normas de Direito
interno em patamar inferior, sendo possível, então, falar-se em opção pelo
monismo jurídico.
Poderá aceitar o Direito internacional com
reservas, ora mediante a afirmação constitucional de prevalência das normas
constitucionais ou da legislação infraconstitucional.
Têm-se, então, aberta a possibilidade de conflito
entre os dois ordenamentos, ambos com validade nas respectivas esferas. Trata-se
de opção, assim, pelo dualismo.
B. esta
opção depende da consideração que faça este
país sobre a conveniência de preservar sua soberania íntegra = A opção, por outro lado, representará a
estimativa de valor conferida pelo Estado à sua própria soberania, pois poderá
desestimá-la (total ou parcialmente), ou, ao revés, preservá-la de modo
integral.
C. os
doutrinadores das teorias dualista, monista nacionalista, monista internacionalista e monista
jusnaturalista, ao pretenderem fazê-las possuir aplicação generalizada,
realizam ação fortemente carregada da ideologia que possuem em face da
concepção de soberania = Pregar o
dualismo ou o monismo nacionalista significa pretender fundar a ordem interna
descomprometida com o Direito Internacional. O dualismo ainda admite a
responsabilização do Estado, sem, no entanto, haver violação de sua soberania.
Pregar o monismo internacionalista ou o monismo jusnaturalista significa, por
outro lado, pretender diminuir o papel da soberania na definição da ordem
interna do Estado. Havendo ordens jurídicas superiores à interna, ter-se-ia
condições adequadas ao desenvolvimento de um Estado mundial ou de blocos
confederativos, e mesmo federativos, ou mercados comuns. Segundo Kelsen, o
monismo jurídico contribuiria mesmo para o pacifismo, sendo o dogma da
soberania responsável por muitas das desventuras vividas pelos povos em sua
história.
Como se vê, trata-se de opção política, ou
ideológica.
D. o
dualismo não se distingue do monismo por exigir a formal recepção da norma internacional pelo ordenamento
jurídico interno = É bastante
comum, mesmo em tratadistas de renome, o diferenciamento do dualismo em face do
monismo sob a alegação de que o primeiro exigiria a introdução do tratado, na
ordem jurídica interna, através de lei ou outro ato recepcionador específico,
não sendo permitida a vigência imediata da norma internacional.
Com isso, reduzem o dualismo à concepção de duas
ordens jurídicas distintas, cujas normas jamais se encontrariam em conflito,
visto que nenhuma norma internacional possuiria aplicação no interior de um
Estado senão após sua recepção pelo ordenamento jurídico estatal, que deveria
ser ao menos tácita (em face dos costumes internacionais). Assim, toda vez que
uma norma internacional dependesse da recepção pelo ordenamento jurídico
interno para sua aplicação nesse campo, este Estado seguiria o sistema
dualista. Ao revés, se a norma internacional vigesse internamente sem
necessidade de recepção, este sistema seria monista. Tenho ser equivocada a
compreensão da dicotomia dualismo-monismo ao nível da recepção das normas
internacionais. Diversos sistemas constitucionais monistas, diante de tratados
internacionais, somente permitem a vigência de suas disposições após ato
legislativo específico. Não é isso que vai caracterizar o sistema adotado,
senão a posição hierárquica conferida à disposição do tratado recepcionado em
face da Constituição do país e das leis infraconstitucionais.
Ou seja: pode haver necessidade de expressa
recepção, e ainda assim, o sistema ser monista, e vice-versa, visto que o que
diferencia o dualismo do monismo é a existência ou não de dois âmbitos de
validade normativa.
A Holanda, exemplo histórico de sistema monista, somente
deixou de contemplar a necessidade de recepção entre 1906 e 1953\7, pois, como
disse Kelsen, "o direito internacional requer a sua transformação em
direito nacional somente quando a necessidade disso é estabelecida pela
Constituição do Estado. Se a Constituição silencia sobre esse ponto -como às
vezes acontece -os tribunais do Estado possuem competência para aplicar
diretamente direito internacional, especialmente tratados concluídos de acordo
com a Constituição pelo seu próprio governo com o governo de outros
Estados".
A Grã-Bretanha, por seu turno, adotante de um sistema tipicamente
dualista, já que um ato do Parlamento ou uma regra da Common Law prevalece
sobre o Direito Internacional incorporado, considera o Direito Internacional
parte do ordenamento interno, por recepção imediata (embora, como advirta Silva
Cunha, "o princípio -da recepção direta -não funciona em relação ao
direito internacional convencional porque, sendo o ajuste de tratados
prerrogativa da Coroa, se admitisse a sua vigência imediata no Direito inglês,
iludir-se-ia a regra de separação dos poderes legislativos e executivo
admitindo-se que a Coroa pode legislar independentemente do Parlamento").
ØSolução teórica: Como visto, cabe ao Direito interno estipular o modo como se
relacionará com o Direito Internacional.
Assim,
pode o Estado:
1) admitir a
superioridade das normas de Direito Internacional em face das normas de sua
Constituição = Trata-se,
aqui, da estipulação expressa de predomínio absoluto do Direito Internacional,
com o que todo e qualquer conflito em face de uma disposição de Direito interno
deverá ser solvido em favor do primeiro, tanto pelos órgãos aplicadores do
Direito no plano internacional, quanto no plano interno.
Havendo, assim, um único âmbito de validade (a
norma ou é válida internacionalmente e internamente ou não é), o sistema é o
único realmente monista.
2) admitir a
igualdade das normas de Direito Internacional em face das normas de sua
Constituição = Isto significa
que uma disposição constitucional posterior, conflitante com uma regra de
Direito Internacional, prevaleceria sobre esta, com base no princípio lex
posterior derogat priori (adaptado à hipótese, já que não existe
propriamente uma derrogação, mas afastamento da vigência, como será visto
abaixo).
Como se vê, o poder constituinte, embora retire do
Estado o exercício pleno do poder normativo, reserva à posteridade a atividade
de sua derivação (poder de reforma constitucional). Tal situação traduz a opção
constituinte de não renunciar completamente à soberania em face do Direito
Internacional.
Caso alguma norma internacional discrepe de uma
previsão constitucional qualquer, passando o aplicador do Direito nacional a
privilegiar a norma de sua Carta Magna, tem-se instalada uma situação de
dualismo jurídico, pois a norma interna, apesar de ilícita, internacionalmente
falando, é lícita no plano interno.
Tem-se, pois, duas ordens de eficácia,
conflitantes. O juiz internacional vê um Direito aplicável distinto daquele
visto pelo juiz interno, e ambos darão soluções jurídicas diversas ao problema,
numa típica situação de dualidade.
3) admitir a
inferioridade das normas de Direito Internacional em face das normas de sua
Constituição, e estabelecer a superioridade das normas de Direito Internacional
em face das normas infraconstitucionais =
Para tanto, basta a Constituição estabelecer, em qualquer
de seus artigos, o controle de constitucionalidade dos tratados internacionais.
Nesse caso, surge a possibilidade de conflito entre uma disposição de Direito
Internacional e uma disposição de Direito Constitucional interno. Tem-se,
assim, e inegavelmente, um sistema dualista.
4) admitir a
inferioridade das normas de Direito Internacional em face das normas de sua
Constituição, e estabelecer a igualdade das normas de Direito Internacional em
face das normas infraconstitucionais =
Nesse sistema, dualista, empresta-se, ainda, um
menor prestígio ao Direito Internacional. O conflito entre as normas de Direito
Internacional e as normas infraconstitucionais serão resolvidos pela aplicação
da mais recente. O conflito entre a norma de Direito Internacional e a norma de
Direito Constitucional sempre implicará o afastamento da primeira.
5) admitir a
inferioridade das normas de Direito Internacional em face das normas de sua
Constituição, e estabelecer a inferioridade das normas de Direito Internacional
em face das normas infraconstitucionais =
Trata-se da menor consideração possível às normas
de Direito Internacional. Nem mesmo a introdução de norma de Direito
Internacional posteriormente à vigência de norma contrária de Direito interno
seria capaz de assegurar vigência àquela, que possuiria função, assim,
meramente supletiva ou complementar.
6) realizar
uma combinação dos sistemas acima, distinguindo a hierarquia segundo
determinadas matérias =
O sistema misto é adotado em inúmeros países, entre
os quais o Brasil. O constituinte, nesse caso, privilegiou certas matérias
tratadas por normas internacionais com maior posicionamento hierárquico,
deixando outras em patamar hierárquico inferior.
Há sistemas mistos, inclusive, a partir da distinta
consideração hierárquica feita às várias espécies de fontes de Direito
Internacional.
Freqüentemente, os costumes internacionais possuem
tratamento hierárquico diverso daquele reservado aos tratados, o que é gerado,
inclusive, pela omissão constitucional sobre sua posição diante do ordenamento
jurídico interno, mais comum do que quanto aos textos convencionais.
Assim, cabendo unicamente à jurisprudência
definir-lhe o grau de superioridade, pode fazê-lo em bases distintas dos
tratados.
2.2 - Prática
internacional (Direito Internacional) = A jurisprudência internacional, como dificilmente poderia deixar de
ser, consagra o predomínio do Direito Internacional sobre o Direito interno.
Uma comissão arbitral franco-mexicana decidiu, no
caso George Pinson, que a norma internacional deveria prevalecer mesmo sobre a
Constituição do Estado. No caso referente a interesses alemães na Alta Silésia
Polonesa, a Corte Permanente de Justiça Internacional proclamou que "à luz
do direito internacional e da Corte, que lhe é órgão, as leis nacionais são
simples fatos, manifestações da vontade e da atividade do estado, da mesma
forma que decisões judiciárias e as medidas administrativas."
O assunto não foi descuidado pela Assembléia Geral
das Nações Unidas, que, através da Resolução n. 375(1V), d, art. 13, fixou que
“todo Estado tem o dever de cumprir de boa-fé as obrigações emanadas dos
tratados e de outras fontes de direito internacional, e não pode invocar
disposições de sua própria Constituição ou de suas leis como escusa para deixar
de cumprir este dever."
Também há tratados que cuidaram de prescrever esta
proeminência. Contudo, se o Estado nacional ignora a hierarquia do Direito
Internacional, findará por também desprezar a validade da regra abstrata
contida nos citados tratados.
De qualquer modo, prescrevem o referido predomínio,
dentre outros textos, a Convenção de Havana sobre tratados e a Convenção de
Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969.
Diz a primeira, em seus arts. 10 e 11 que:
"Art. 10. Nenhum Estado se pode eximir das
obrigações do tratado ou modificar as suas estipulações, senão com o acordo,
pacificamente obtido, dos outros contratantes.
Art. 11. Os tratados continuarão a produzir os seus
efeitos, ainda quando se modifique a constituição interna dos Estados
contratantes. Se a organização do Estado mudar, de maneira que a execução seja
impossível, por divisão de território ou por outros motivos análogos, os
tratados serão adaptados às novas condições."
A Convenção de
Viena, por sua vez, prescreve em
seu art. 27 que “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito
interno para justificar o descumprimento de um tratado. Esta regra não
prejudica o artigo 46.”
Este último artigo, por seu turno, abre uma única
exceção para a impossibilidade de oposição do Direito interno ao Direito
Internacional convencional. Trata- se da violação manifesta de norma interna de
importância fundamental sobre competência para conclusão de tratados. Assim
encontra-se redigido o dispositivo:
"1.
Um Estado não pode invocar o fato de seu consentimento em obrigar-
se por um tratado ter sido manifestado em violação de uma disposição de seu
direito interno sobre competência para concluir tratados, como causa de
nulidade de seu consentimento, a não ser que essa violação seja manifesta e
diga respeito a uma regra de seu direito interno de importância fundamental.
2. Uma violação
é manifesta se for
objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, na
conformidade da prática normal e de boa-fé."
● Direito
comparado
- Estados
Unidos: A Constituição americana, em seu art. VI, prescreve que:
"Esta Constituição, e as leis dos Estados
Unidos que em conseqüência dela se fizerem; e todos os tratados feitos, ou que
se fizerem sob a autoridade dos Estados Unidos, constituirão a Lei Suprema do
país."
A
jurisprudência, nesse país,
foi a grande responsável pela exata compreensão da extensão desse preceito.
Assim, foi entendido que o Senado, ao aprovar tratados, pratica função
legislativa.
Com isto, se o texto convencional conflitar com o
Direito interno, deve prevalecer sobre este, com base no princípio da lex
posterior derogat priori. Por outro lado, se o tratado é fruto da função
legislativa, lei posterior poderá revogá-lo.
A
jurisprudência americana pouco se tem
afastado desse entendimento. Uma das poucas exceções ocorreu no caso envolvendo
a representação diplomática da OLP perante a Organização das Nações Unidas, em
1988, quando a Corte de New York decidiu conferir prevalência a um tratado
sobre lei posterior conflitante.
De qualquer modo, parece praticamente incontestável
a consideração de que nenhum tratado possui força para superar qualquer
dispositivo constitucional.
A orientação francesa discrepa de sua congênere
americana. O art. 55 da Constituição de 1958 consigna que:
"Os
tratados ou acordos regularmente ratificados ou aprovados possuem, desde sua
publicação, uma autoridade superior à das leis, sob reserva, para cada acordo
ou tratado, de sua aplicação pela outra parte."
Contudo, os tratados não possuem força superior à
Constituição, haja vista que a Carta Magna francesa acolheu a possibilidade do
controle de constitucionalidade dos tratados.
Diz o art. 96
da Constituição espanhola de 1978 que:
"Os
tratados internacionais validamente celebrados, uma vez publicados oficialmente
na Espanha, formarão parte do ordenamento interno. Suas disposições somente
poderão ser derrogadas, modificadas ou suspensas na forma prevista nos próprios
tratados ou de acordo com as normas gerais do direito internacional.”
Ainda assim, existem dúvidas jurisprudenciais a
respeito da hierarquia dos tratados em face das leis. E, como na França, existe
o controle de constitucionalidade dos tratados.
- Portugal:
Diz o art. 8° da Constituição portuguesa:
"As normas e os princípios de Direito
Internacional geral ou comum formam parte integrante do direito português."
A Constituição de Portugal, como se vê, não indica
a posição hierárquica que as normas de Direito Internacional devam possuir em
face das normas nacionais, deixando à jurisprudência esse encargo, que tende a
considerar os tratados no mesmo nível hierárquico das leis internas (embora
exista forte divergência).
Apesar de haver sido prevista a possibilidade de
controle de constitucionalidade dos tratados, a supremacia da Constituição em
face dos tratados foi bastante mitigada com a redação possuída pelo § 2° do
art. 277:
"A
inconstitucionalidade orgânica ou formal de tratados internacionais
regularmente ratificados não impede a aplicação das suas normas na ordem
jurídica portuguesa, desde que tais normas sejam aplicadas na ordem jurídica da
outra parte, salvo se tal inconstitucionalidade resultar de violação de uma
disposição fundamental."
Não deve haver dúvida quanto à dificuldade que deve
ser enfrentada pelo juiz português para auferir a reciprocidade. Na França,
essa tarefa foi deslocada para o Executivo, embora os tribunais, pouco a pouco,
venham-na realizando por si sós.
- Alemanha:
Diz o art. 25 da Lei Fundamental de 08.05.49:
"As
normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do
direito federal. Sobrepõem-se às leis e constituem fonte direta de direitos e
obrigações para os habitantes do território federal”.
Embora exista proeminência do tratado sobre a lei
interna, na Alemanha também foi instituído o controle de constitucionalidade
dos tratados.
- Peru:
Diz o art. 101 da Constituição de 1979:
"Os
tratados internacionais, celebrados pelo Peru com outros Estados, formam parte
do direito nacional. Em caso de conflito entre o tratado e a lei, prevalece o
primeiro."
Embora adote o Peru certo alheamento da soberania
em prol do Direito Internacional, esse País realiza também controle de
constitucionalidade dos tratados internacionais.
- Chile:
Não há disposição expressa na Constituição chilena acerca da posição hierárquica das normas
convencionais incorporadas. A jurisprudência, salvo exceções, tem-nas
considerado em posição inferior à Constituição e paritária às leis
infraconstitucionais.
- Colômbia:
A Constituição colombiana, tal como a
brasileira, não estipula expressamente qualquer prevalência do tratado sobre
seu texto ou sobre as leis infraconstitucionais.
Sem embargo, e partindo de semelhante contexto
positivo, a jurisprudência colombiana, diversamente da brasileira, evoluiu no
sentido de reconhecer a primazia do tratado sobre a lei nacional, e mesmo sobre
a Constituição.
Pedro Pablo Camargo dá exemplo de subordinação da
Constituição diante de urna concordata firmada em 1887, aprovada pela Lei n.
35, de 1888, e do acordo de integração sub-regional (Grupo Andino) subscrito em
26/05/69 e aprovado por decreto de agosto de 1969.
Quanto ao acordo que instituiu o Grupo Andino, a
mesma Corte, por sentença de 26/07/71, revela as bases do raciocínio
desenvolvido pela Corte para admitir a prevalência do Direito Internacional
sobre o Direito interno.
- Uruguai:
No Uruguai, a omissão
constitucional em face da posição das normas internacionais frente às normas
internas levou a que a jurisprudência assumisse o papel de solucionar o
problema.
Quanto aos tratados, tem-se admitido uma posição
paritária frente às normas legais, e inferior à Constituição. Quanto aos
costumes, todavia, na única oportunidade em que a Suprema Corte teve que
pronunciar-se sobre a questão, deu-se preferência às normas consuetudinárias em
matéria de imunidades diplomáticas sobre uma norma interna aplicável aos
depósitos bancários de alguns diplomatas, realizados num banco uruguaio em
quebra.
2.3 – PRÁTICA
BRASILEIRA =
As disposições
da Constituição Federal brasileira de 1988 não esclarecem, de todo, a exata
posição do Direito Internacional em face do Direito interno. Indica seu art. 102, III, “b”, que:
"Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: III -julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas
em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
b) declarar a
inconstitucionalidade de tratado ou lei federal... "
Duas conclusões
podem ser retiradas desse dispositivo.
A primeira consiste em que, ao ser estabelecido o controle de
constitucionalidade dos tratados internacionais, rejeitou-se a opção pelo
monismo jurídico, dando- se preferência ao Direito Constitucional interno em
detrimento do Direito Internacional, criando-se, assim, uma dualidade quanto
aos âmbitos de vigência, uma licitude e uma ilicitude simultâneas. O Brasil,
assim, não abriu mão do quanto necessário à instituição de um sistema monista,
ou seja, de parcela da soberania. Não é sem propósito, então, dizer o art. 10
da Carta Magna de 1988 que "a República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I -a
soberania..."
Note-se que ela é o primeiro fundamento eleito pelo
constituinte ao Estado cuja nova ordem jurídica inaugurava.
A segunda conclusão que pode ser retirada do art. 102, III,
“b”, da CRFB/88, é a de que não é necessária a transformação do tratado em lei
interna para exigir-lhe validade. Caso fosse necessário, o constituinte não
teria cuidado da inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, como figuras
distintas.
Esse dispositivo, presente também em Constituições
anteriores, não serviu para dirimir todas as dúvidas a respeito. O Ministro
Cunha Peixoto, em voto proferido pelo STF no RE 80.004-SE, chegou a afirmar que
o tratado, por não possuir força de lei, só obrigaria na órbita externa, sendo
necessária para sua aplicação interna, a edição de uma lei. Essa posição,
felizmente, não foi acompanhada pelos demais ministros da Corte excelsa, que
reafirmaram o precedente firmado no julgamento do RE 71.154-PR, ocorrido em
04/08171. A ementa desse acórdão é a seguinte:
"Lei Uniforme sobre o cheque, adotada pela
Convenção de Genebra. Aprovada essa convenção pelo Congresso Nacional, e
regularmente promulgada, suas normas têm aplicação imediata, inclusive naquilo
em que modificarem a legislação interna. Recurso extraordinário conhecido e
provido". O relator do acórdão, Ministro Oswaldo Trigueiro, obteve a
unanimidade do plenário do STF em torno de seu voto, onde consignou não lhe
parecer curial "que o Brasil firme um tratado, que esse tratado seja
aprovado definitivamente pelo Congresso Nacional, que em seguida seja
promulgado e, apesar de tudo isso, sua validade ainda fique dependendo de novo
ato do Poder Legislativo. A prevalecer esse critério, o tratado, após sua
ratificação, vigoraria apenas no plano internacional, porém não no âmbito do
direito interno, o que colocaria o Brasil na privilegiada posição de poder
exigir a observância do pactuado pelas outras partes contratantes, sem ficar
sujeito à obrigação recíproca. A objeção seria ponderável se a aprovação do
tratado estivesse confiada a outro órgão, que não o Congresso Nacional. Mas, se
aprovação é ato do mesmo poder elaborador do direito escrito, não se
justificaria que, além de solenemente aprovar os termos do tratado, o Congresso
Nacional ainda tivesse de confirmá-los, repetitivamente, em novo diploma legal."
Embora o RE 71.154-PR venha sendo apontado como
leading case à espécie, o STF, no julgamento do Conflito de Competência n.
4.663-SP, em 17/05/68, já havia afirmado a desnecessidade de lei interna para a
validade do tratado.
No entanto, algumas questões da maior importância
prática não possuem solução a partir do texto da Constituição Federal, cabendo
tão-somente à jurisprudência e à doutrina preencherem este vazio.
Entre tais
questões, desponta a relativa à
exata posição hierárquica dos tratados. Ou seja, se estariam eles em posição
superior, inferior ou igual à das leis federais. Nos primeiros tempos da
República, a jurisprudência e a doutrina brasileiras agasalharam um quase
monismo jurídico. Os tratados, superiores às leis, sobrepujavam inclusive a
Constituição da República, em certos casos.
Em pouco tempo, a supremacia dos tratados deixou de
fazer-se frente a Constituição, mas apenas perante as leis infraconstitucionais
posteriores.
Merece especial destaque a lembrança, no
julgamento, do art. 98 do Código Tributário Nacional. Diz esse artigo: "Os
tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam ;legislação
tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha."
O Ministro
Cunha Peixoto, em seu voto,
realizou interpretação restritiva desse dispositivo, considerando-o aplicável
unicamente aos tratados-contratos (e não aos tratados normativos), nos
seguintes termos: "Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados
e convenções. Isto, porque os tratados podem ser normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos
e interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de princípio abstrato, no
dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes acerca de
qualquer assunto. O contratual é, pois, título de direito subjetivo. Daí o
artigo 98 declarar que tratado ou convenção não é revogado por lei tributária
interna. É que se trata de um contrato que deve ser respeitado pelas partes.
Encontra-se o mesmo princípio na órbita interna, no tocante à isenção, em que o
artigo 178 do Código Tributário Nacional proíbe sua revogação, quando concedida
por tempo determinado. É que houve um contrato entre a entidade pública e o
particular, que, transformado em direito subjetivo. deve ser respeitado naquele
período. Por outro lado, a lei tributária fala em tratado de convenção,
pressupondo serem contratuais, e não às leis positivas brasileiras, que tiveram
origem em um tratado. É que este transformou-se em direito positivo, deixou de
ser um tratado.”
A
jurisprudência nacional vem seguindo esse entendimento, embora de modo nem
sempre pacífico. O próprio STF
por vezes abandonou a orientação firmada no RE 80.004-SE, reconhecendo que o
art. 98 do CTN aplicar-se-ia também a tratados-lei (RE 90.824 e RE 82.509-SP).
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por sua
vez, ao apreciar a AMS 3010649-SP, por via de sua 4ª Turma, sendo relatora a
Juíza Lúcia Figueiredo. Decidiu que:
"Mandado de Segurança. Tributário.
Importação de vitamina "E". Apelação desacompanhada das razões.
Classificação tarifária. GATT.
I -Apelação que não contém os fundamentos de fato e
de direito do inconformismo da parte, inobservando o disposto no artigo 514,
II, do CPC. Não conhecimento.
II -Não prevalece a legislação tributária interna
sobre a norma inscrita no tratado (CTN, artigo 98). Precedentes (AMS n.
7.759797, 6ª Turma do TFR, ReI. Min. Miguel Ferrante, J. em 09/05/88, V.U.,
RTFR 159/311; AMS n. 116.054-RJ, ReI. Min. Carlos Velloso, TFR; AMS n.
90.03.32526-0/SP, 4" Turma do TRF da 3" Região, V.U., J. em 26/05/93,
DOE/SP 20/09/93; AMS n. 0223142/90-RJ, ReI'! Juíza Tânia Heine, 1'! T. do TRF r
R., J. 20/03/91, V. u., DJU 11 de 11/04/91; AMS n. 0202475/ 89-RJ, ReI. Juiz
Arnaldo Lima, 3" T. do TRF 2" Região, J. 29/11/89, M.V., DJU 11 de
1~/03/90; AMS n. 93.03.68863-5, 4" Turma do TRF da 3" Região, V.U.,
J. 10/11/93, DJU 2 de 12/04/94).
III -Apelação da União Federal não conhecida.
Remessa oficial desprovida. Sentença confirmada."
A verdade é que a natureza complementar da Lei
5.172/67, no regime constitucional atual, é imprestável para conferir-lhe
hierarquia sobre qualquer outra lei federal superveniente. Daí, sua previsão de
superioridade dos tratados sobre as leis não possui qualquer possibilidade de
impor-se a uma lei posterior que contrarie um tratado. Vigerá, na hipótese, e
bem compreendido, o princípio da lex posterior derogat priori.
A Constituição
brasileira de 1988 introduziu uma
importante novidade no tema das relações entre o Direito Internacional e o
Direito interno. Trata-se do § 2° do seu art. 5°: "Os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte."
Ou seja, tratando-se de direitos e garantias
individuais e coletivos, as normas convencionais internacionais possuem
hierarquia superior à das leis internas, e paridade em face das normas
constitucionais. Na verdade, essa paridade, em alguns casos, vai significar uma
verdadeira superioridade, posto que nenhuma reforma constitucional poderá
suprimir qualquer direito ou garantia trazido por um tratado internacional.
Isso porque o inciso IV do § 4° do art. 60 da
Constituição Federal proibiu a edição de qualquer emenda tendente a abolir os
direitos e garantias individuais.
Em conclusão, a Constituição Federal brasileira
atribuiu às normas convencionais internacionais posição inferior ao seu próprio
texto, exceto quando se tratar de direitos e garantias individuais, hipótese em
que a hierarquia dos tratados será igualou superior àquele. A paridade das
normas convencionais com as normas legais foi conclusão tornada exclusivamente
pela jurisprudência (majoritária). Como ressaltado pelo Ministro Leitão de
Abreu no voto acima reproduzido, haver a Constituição fixado o controle de
constitucionalidade de "tratados e leis" apenas significa que ambos
se encontram abaixo daquela, jamais que se encontram em igual patamar. Com
idêntico quadro constitucional, a jurisprudência colombiana, como visto acima,
evoluiu de modo diametralmente oposto à de sua congênere brasileira, o que faz supor
que, se nenhuma reforma constitucional antecipar esse resultado, poder-se-á
evoluir no sentido de se considerar os tratados com posição hierárquica
superior à das leis internas.
Os raríssimos casos de conflito entre costumes
internacionais e normas de Direito interno não permitem divisar qual a posição
hierárquica conferida aos mesmos pela jurisprudência brasileira. É possível
que, conferida pela jurisprudência superioridade dos tratados em face das leis,
essa primazia não se dê em face dos costumes internacionais. O Brasil, enfim,
adotou um sistema misto, em parte por dicção constitucional e em parte por sua
jurisprudência, o que reveste sua posição de certa incerteza e vacilação, que
serve, pois, para justificar a premente necessidade de um tratamento constitucional
abrangente.
Esse resultado quase foi obtido à ocasião da
Assembléia Nacional Constituinte da qual resultou a Carta de 1988. O
anteprojeto da Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações
Internacionais dizia, em seu art. 22, que "o tratado revoga a lei e não é
por ela revogado".
O anteprojeto da Comissão de Sistematização,
todavia, deixou de lado essa proposta, alinhando, no § 2° do art. 12,
dispositivo com o seguinte teor: "o conteúdo normativo dos tratados e
compromissos internacionais... revoga a lei anterior e está sujeito à revogação
por lei ou emenda constitucional.”
À evidência, um tratado internacional jamais
poderia ser "revogado" por lei ou emenda constitucional. O fato é
que, preferindo não enfrentar a discussão em torno da posição hierárquica dos
tratados em face das leis internas, o Substitutivo do Relator, seguido pelo
projeto de Constituição, promoveu a mais completa omissão em torno do assunto.
Também a posição hierárquica dos costumes
internacionais foi posta de lado. O anteprojeto da Subcomissão apenas dizia que
o "direito internacional faz parte do direito interno". Apesar de
expressamente introduzir na ordem interna o Direito costumeiro internacional,
pecava a proposta por não conferir-lhe significação hierárquica (o que poderia
ser conseguido com a dicção de que o Direito Internacional - aí incluídos os
costumes -preponderaria na ordem interna). O anteprojeto da Comissão apenas
referiu-se aos "tratados e compromissos internacionais".
Surge, nesse passo, uma última e interessante
questão. Trata-se da hipótese do Brasil ratificar ou aderir a um tratado
internacional, com vigência iniciada, sem que tenha ainda ocorrido a publicação
do decreto presidencial promulgador da norma convencional. Alguns perfilham a
idéia de que, nesse caso, ocorreria apenas a validade internacional, e não a
validade interna, gerando a inércia do Executivo unicamente uma
responsabilidade do tipo internacional. Não há como negar-se que a prática
judiciária brasileira vem sufragando esse pensamento, sem que exista, no
entanto, qualquer norma interna, a exigir essa publicação.
O maior contra-senso dessa medida é, entretanto, a
circunstância do desaparecimento da norma convencional no plano internacional
dever gerar o imediato desaparecimento no plano interno, sem que a recíproca
possa ser verdadeira. É claro que a extinção de um tratado, no plano
internacional, jamais poderá gerar efeitos no plano interno somente após um
decreto presidencial noticiar essa extinção. Trata-se, assim, notadamente diante
do processo de integração regional que o Brasil atravessa, de prática que
deverá ganhar progressivo abandono.
Na Europa, basta à validade interna de uma norma
comunitária, para muitos Estados, a publicação no Diário Oficial da União
Européia. É certo que algumas dificuldades surgirão para o aplicador do
Direito, acostumado a consultar um único veículo de divulgação das normas
escritas. Contudo, esse costume somente foi apropriado para uma fase em que as
trocas e relações entre os países possuíam níveis pouco elevados, e o dogma da
soberania mantinha as fronteiras dos países demasiadamente fechadas frente a
quaisquer normas estranhas ao quadro normativo interno. Nos dias atuais, esse
costume não poderá persistir, ferindo a lógica e o bom senso, e impedindo o
desenvolvimento das relações humanas. Para enfrentar as dificuldades práticas
deverá haver soluções práticas.
2.4 - Prática comunitária (Mercosul) = O
avanço do processo de integração no Mercosul, instituído pelo Tratado de
Assunção, de 1991, vem trazendo uma crescente preocupação aos técnicos
envolvidos, consistente na necessidade de criação de instrumentos
supranacionais capazes de garantir o cumprimento de uma medida
independentemente da aquiescência do Estado-parte no acordo.
Hoje em dia, essa realidade não se encontra
presente nem no texto convencional nem nas Constituições de todos os países do
bloco. A experiência européia, nesse caso, é de significativa ajuda, pois, a
despeito de, em regra, ainda acolher a submissão dos tratados internacionais à ordem
interna, pelo menos constitucional, admitiu a possibilidade dos tratados
relativos às Comunidades Européias suplantarem o texto constitucional. Assim
fez a Alemanha, por exemplo, através do art. 24 de sua Lei Fundamental de 1949:
"(1) A Federação pode transferir direitos de
soberania para organizações supranacionais.
(2) Com o fim de manter a paz, a Federação pode
aderir a um sistema de segurança coletiva recíproca; aceitará restrições dos
seus direitos de soberania que promovam e assegurem uma ordem pacífica e
duradoura na Europa e entre os povos do mundo."
Também Portugal cuidou no sentido de que a sua
Constituição não constituísse elemento de emperramento do processo
integracionista. Diz o seu art. 8°, § 3°, introduzido quando da revisão de
1982, por motivo do ingresso na Comunidade Econômica Européia, com redação de
1989, que: "As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações
internacionais de que Portugal seja parte vigoram diretamente na ordem interna,
desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados
constitutivos."
Apesar dos tratados em Portugal estarem sujeitos ao
controle de constitucionalidade e possuírem posição hierárquica equivalente à
das leis internas, os tratados das comunidades preponderam sobre a Constituição.
A situação italiana possui certa peculiaridade,
sendo assim descrita por Celso Albuquerque Mello: "Na Itália a
jurisprudência estabelece que, apesar dela integrar as Comunidades Européias,
os tribunais italianos não podem deixar de aplicar o direito italiano que
esteja em conflito com o tratado. Entretanto, o juiz pode pedir à Corte
Constitucional que declare o direito subseqüente ao tratado como
inconstitucional. A Corte Constitucional da Itália em 1975 deu ao direito
comunitário o status de direito costumeiro internacional e que este é superior
ao direito nacional subjacente”.
Sem dúvida alguma, o ingresso de um Estado em uma
organização internacional representa um alheamento parcial de sua soberania, a
menos que todas as deliberações dessa organização devam ser tomadas por
consenso.
Por isso, esse ingresso deve ser autorizado pela
sua Constituição nacional, em razão do que inúmeras Constituições tiveram de
ser adaptadas para tanto.
O Direito Internacional especial (comunitário),
assim, possuindo força interna cogente, distingue-se do conjunto normativo
restante (Direito Internacional Geral), cuja validade interna, para os países
dualistas, é inexistente.
Por outro ponto de vista, dado que a fórmula
consensual ceda à fórmula supranacional (onde as decisões são tomadas por
maioria, ou por quorum especial), e o Estado permaneça integrando a
organização, não pode ser admitido que uma obrigação decorrente do Direito
comunitário não deva ser reconhecida internamente. Se o sistema constitucional
de um Estado permitia que ele integrasse uma organização internacional, e ao
tempo em que a esta se encontrava integrado certa obrigação surgiu, o aplicador
do Direito interno se encontra diante de uma normatividade que não pode
recusar, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou ao
direito adquirido.
No âmbito do Mercosul, o que presentemente
vislumbra-se é a iminente necessidade de que as Constituições dos
países-membros sejam adaptadas, como o foram suas congêneres européias, à
situação onde as deliberações deixem de ser tomadas exclusivamente por
consenso. Ou seja, que os textos constitucionais argentino, paraguaio, uruguaio
e brasileiro adotem definitivamente o primado, senão do Direito Internacional,
ao menos do Direito comunitário, fazendo-se com que a soberania deixe de
constituir um entrave insolúvel à construção de uma comunidade regional de
nações.
3 - Jurisprudencia Correlata
3.1 - RE 466343/SP (03/12/2008)
Ementa: PRISÃO CIVIL.
Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida
coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão
constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e
§§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido.
Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita
a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do
depósito.
INFORMATIVO Nº 531
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 9
ARTIGO: Seguindo a mesma orientação firmada nos
casos supra relatados, o Tribunal negou provimento a recurso extraordinário no
qual se discutia também a constitucionalidade da prisão civil do depositário
infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia — v. Informativos 449, 450
e 498. RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 3.12.2008. (RE-466343)
INFORMATIVO Nº 498
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 4
ARTIGO: O Tribunal retomou julgamento de recurso
extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil do
depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69:
“Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar
na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e
apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo
II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.”) — v. Informativos
449 e 450. O Min. Celso de Mello, em voto-vista, acompanhou o voto do relator,
no sentido de negar provimento ao recurso, ao fundamento de que a norma
impugnada não foi recebida pelo vigente ordenamento constitucional. Salientou,
inicialmente, que, em face da relevância do assunto debatido, seria mister a
análise do processo de crescente internacionalização dos direitos humanos e das
relações entre o direito nacional e o direito internacional dos direitos
humanos, sobretudo diante do disposto no § 3º do art. 5º da CF, introduzido
pela EC 45/2004. Asseverou que a vedação da prisão civil por dívida possui
extração constitucional e que, nos termos do art. 5º, LXVII, da CF, abriu-se,
ao legislador comum, a possibilidade, em duas hipóteses, de restringir o
alcance dessa vedação, quais sejam: inadimplemento de obrigação alimentar e
infidelidade depositária. RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008.
(RE-466343)
INFORMATIVO Nº 498
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 5
ARTIGO: O Min. Celso de Mello, entretanto,
também considerou, na linha do que exposto no voto do Min. Gilmar Mendes, que,
desde a ratificação, pelo Brasil, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de
San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não haveria mais base legal para a prisão
civil do depositário infiel. Contrapondo-se, por outro lado, ao Min. Gilmar
Mendes no que respeita à atribuição de status supralegal aos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, afirmou terem estes
hierarquia constitucional. No ponto, destacou a existência de três distintas
situações relativas a esses tratados: 1) os tratados celebrados pelo Brasil (ou
aos quais ele aderiu), e regularmente incorporados à ordem interna, em momento
anterior ao da promulgação da CF/88, revestir-se-iam de índole constitucional,
haja vista que formalmente recebidos nessa condição pelo § 2º do art. 5º da CF;
2) os que vierem a ser celebrados por nosso País (ou aos quais ele venha a
aderir) em data posterior à da promulgação da EC 45/2004, para terem natureza
constitucional, deverão observar o iter procedimental do § 3º do art. 5º da CF;
3) aqueles celebrados pelo Brasil (ou aos quais nosso País aderiu) entre a
promulgação da CF/88 e a superveniência da EC 45/2004, assumiriam caráter materialmente
constitucional, porque essa hierarquia jurídica teria sido transmitida por
efeito de sua inclusão no bloco de constitucionalidade. RE 466343/SP, rel. Min.
Cezar Peluso, 12.3.2008. (RE-466343)
INFORMATIVO Nº 498
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 6
ARTIGO: O Min. Celso de Mello observou, ainda,
que o alcance das exceções constitucionais à cláusula geral que veda a prisão
civil por dívida poderia sofrer mutações, decorrentes da atividade desenvolvida
pelo próprio legislador comum, de formulações adotadas em sede de convenções ou
tratados internacionais, ou ditadas por juízes e Tribunais, no processo de
interpretação da Constituição e de todo o complexo normativo nela fundado,
salientando, nessa parte, o papel de fundamental importância que a
interpretação judicial desempenha, notadamente na adequação da própria
Constituição às novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos
processos sociais, econômicos e políticos da sociedade contemporânea.
Reconheceu, por fim, a supremacia da Constituição sobre todos os tratados
internacionais celebrados pelo Estado brasileiro, inclusive os que versam o
tema dos direitos humanos, desde que, neste último caso, as convenções
internacionais que o Brasil tenha celebrado (ou a que tenha aderido) impliquem
supressão, modificação gravosa ou restrição a prerrogativas essenciais ou a
liberdades fundamentais reconhecidas e asseguradas pela própria Constituição.
Em seguida, após as manifestações dos Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, mantendo
os respectivos votos, pediu vista dos autos o Min. Menezes Direito. RE
466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 12.3.2008. (RE-466343)
INFORMATIVO Nº 450
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 1 (Errata)
ARTIGO: Comunicamos que o correto teor da
matéria referente ao RE 466343/SP, divulgada no Informativo 449, é este: O
Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário no qual se discute a
constitucionalidade da prisão civil nos casos de alienação fiduciária em
garantia (DL 911/69: “Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for
encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a
conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de
depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código
de Processo Civil.”). O Min. Cezar Peluso, relator, negou provimento ao
recurso, por entender que o art. 4º do DL 911/69 não pode ser aplicado em todo
o seu alcance, por inconstitucionalidade manifesta. Afirmou, inicialmente, que
entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária em garantia não há
afinidade, conexão teórica entre dois modelos jurídicos, que permita sua
equiparação. Asseverou, também, não ser cabível interpretação extensiva à norma
do art. 153, § 17, da EC 1/69 — que exclui da vedação da prisão civil por
dívida os casos de depositário infiel e do responsável por inadimplemento de
obrigação alimentar — nem analogia, sob pena de se aniquilar o direito de
liberdade que se ordena proteger sob o comando excepcional. Ressaltou que, à
lei, só é possível equiparar pessoas ao depositário com o fim de lhes autorizar
a prisão civil como meio de compeli-las ao adimplemento de obrigação, quando
não se deforme nem deturpe, na situação equiparada, o arquétipo do depósito
convencional, em que o sujeito contrai obrigação de custodiar e devolver. RE
466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 22.11.2006. (RE-466343)
INFORMATIVO Nº 449
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 1
ARTIGO: O Tribunal iniciou julgamento de recurso
extraordinário no qual se discute a constitucionalidade da prisão civil do
depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69:
“Art. 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar
na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e
apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo
II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil.”). O Min. Cezar
Peluso, relator, negou provimento ao recurso, por entender que a aplicação do
art. 4º do DL 911/69, em todo o seu alcance, é inconstitucional. Afirmou,
inicialmente, que entre os contratos de depósito e de alienação fiduciária em
garantia não há afinidade, conexão teórica entre dois modelos jurídicos, que
permita sua equiparação. Asseverou, também, não ser cabível interpretação
extensiva à norma do art. 153, § 17, da EC 1/69 — que exclui da vedação da
prisão civil por dívida os casos de depositário infiel e do responsável por
inadimplemento de obrigação alimentar — nem analogia, sob pena de se aniquilar
o direito de liberdade que se ordena proteger sob o comando excepcional.
Ressaltou que, à lei, só é possível equiparar pessoas ao depositário com o fim
de lhes autorizar a prisão civil como meio de compeli-las ao adimplemento de
obrigação, quando não se deforme nem deturpe, na situação equiparada, o
arquétipo do depósito convencional, em que o sujeito contrai obrigação de
custodiar e devolver. RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 22.11.2006.
(RE-466343)
INFORMATIVO Nº 449
TÍTULO: Alienação Fiduciária e Depositário
Infiel - 2
ARTIGO: Em seguida, o Min. Gilmar Mendes
acompanhou o voto do relator, acrescentando aos seus fundamentos que os
tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem
status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação
infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao
ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer
reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica
(art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel.
Aduziu, ainda, que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o princípio da
proporcionalidade, porque o ordenamento jurídico prevê outros meios
processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a
garantia do crédito, bem como em razão de o DL 911/69, na linha do que já
considerado pelo relator, ter instituído uma ficção jurídica ao equiparar o
devedor-fiduciante ao depositário, em ofensa ao princípio da reserva legal
proporcional. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski,
Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, que também acompanhavam o voto
do relator, pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello. RE 466343/SP, rel.
Min. Cezar Peluso, 22.11.2006. (RE-466343)
3.2 HC 88240/SP (07.10.08)
Ementa: DIREITO
PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ
DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA
ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da
(in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento
jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da
Costa Rica no direito nacional. 2. O julgamento impugnado via o presente habeas
corpus encampou orientação jurisprudencial pacificada, inclusive no STF, no
sentido da existência de depósito irregular de bens fungíveis, seja por origem
voluntária (contratual) ou por fonte judicial (decisão que nomeia depositário
de bens penhorados). Esta Corte já considerou que "o depositário de bens
penhorados, ainda que fungíveis, responde pela guarda e se sujeita a ação de
depósito" (HC 73.058/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, DJ de
10.05.1996). Neste mesmo sentido: HC 71.097/PR, rel. Min. Sydney Sanches, 1ª
Turma, DJ 29.03.1996). 3. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos
Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem
reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre
direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico,
estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status
normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos
pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele
conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 4. Na
atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do
devedor de alimentos. O art. 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu
que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem
outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de
São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de
direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de
prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a
possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 5. Habeas corpus concedido.
2.3 Ext 662/PU - PERU
Ementa: EXTRADIÇÃO
- CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E DE CONCUSSÃO - DISCUSSÃO SOBRE MATÉRIA
PROBATÓRIA - INADMISSIBILIDADE - DERROGAÇÃO, NESTE PONTO, DO CÓDIGO BUSTAMANTE
(ART.365, 1, IN FINE), PELO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO - PARIDADE NORMATIVA ENTRE
LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS - PROCESSO
EXTRADICIONAL REGULARMENTE INSTRUÍDO - JURISDIÇÃO PENAL DO ESTADO REQUERENTE
SOBRE OS ILÍCITOS ATRIBUÍDOS AOS EXTRADITANDOS - JULGAMENTO DA CAUSA PENAL, NO
ESTADO REQUERENTE, POR TRIBUNAL REGULAR E INDEPENDENTE - RECONHECIMENTO DA
PRESCRIÇÃO PENAL EXTRAORDINÁRIA CONCERNENTE AO DELITO DE CORRUPÇÃO PASSIVA -
ACOLHIMENTO PARCIAL DA POSTULAÇÃO EXTRADICIONAL UNICAMENTE QUANTO AO CRIME DE
CONCUSSÃO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. CÓDIGO BUSTAMANTE - ESTATUTO DO
ESTRANGEIRO
- O Código Bustamante - que constitui obra
fundamental de codificação do direito internacional privado - não mais
prevalece, no plano do direito positivo interno brasileiro, no ponto em que
exige que o pedido extradicional venha instruído com peças do processo penal
que comprovem, ainda que mediante indícios razoáveis, a culpabilidade do súdito
estrangeiro reclamado (art. 365, 1, in fine). O sistema de contenciosidade
limitada - adotado pelo Brasil em sua legislação interna - não autoriza, em
tema de extradição passiva, que se renove, no âmbito do processo extradicional,
o litígio penal que lhe deu origem, nem que se proceda ao reexame de mérito
concernente aos atos de persecução penal praticados no Estado requerente.
Precedentes: RTJ 73/11 – RTJ 139/470 - RTJ 140/436 - RTJ 141/397 - RTJ 145/428.
PARIDADE NORMATIVA ENTRE LEIS ORDINÁRIAS BRASILEIRAS E TRATADOS INTERNACIONAIS
- Tratados e convenções internacionais - tendo-se presente o sistema jurídico
existente no Brasil (RTJ 83/809) - guardam estrita relação de paridade
normativa com as leis ordinárias editadas pelo Estado brasileiro. A
normatividade emergente dos tratados internacionais, dentro do sistema jurídico
brasileiro, permite situar esses atos de direito internacional público, no que
concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e no mesmo grau de eficácia em
que se posicionam as leis internas do Brasil. A eventual precedência dos atos
internacionais sobre as normas infraconstitucionais de direito interno
brasileiro somente ocorrerá - presente o contexto de eventual situação de
antinomia com o ordenamento doméstico -, não em virtude de uma inexistente
primazia hierárquica, mas, sempre, em face da aplicação do critério cronológico
(lex posterior derogat priori) ou, quando cabível, do critério da
especialidade. Precedentes. EXTRADIÇÃO E PRESCRIÇÃO PENAL
- Não se concederá a extradição quando estiver
extinta a punibilidade do extraditando pela consumação da prescrição penal,
seja nos termos da lei brasileira, seja segundo o ordenamento positivo do
Estado requerente. A satisfação da exigência concernente à dupla punibilidade
constitui requisito essencial ao deferimento do pedido extradicional. Com a
consumação da prescrição penal extraordinária pertinente ao delito de corrupção
passiva, reconhecida nos termos da legislação criminal peruana, inviabilizou-se
– no que concerne a essa específica modalidade de crime contra a Administração
Pública - a possibilidade de deferimento da postulação extradicional.
4 - Fundamento do direito internacional = Há
duas correntes:
1ª corrente: Voluntarista
= prevalece a vontade do Estado, podendo ela ser positiva ou negativa.
** Crítica: devem-se ter princípios ou
regras superiores à vontade do Estado.
2ª corrente: Objetivista
= Deve-se objetivar a cláusula pacta sunt servanda com a norma interna
(cláusula prevista no art. 26 da Convenção de Viena/69). Adotada pelo STF, no
voto do Ministro Celso de Melo, que colocou o Tratado Internacional de Direitos
Humanos como norma constitucional (RE 466.343/SP – 03.12.08). Posição diversa
foi do Ministro Gilmar Mendes, que o colocou como norma supralegal.
** Prisão civil do depositário infiel:
Impossibilidade, consoante Voto do Min. Celso de Mello: A Constituição
brasileira prevê duas hipóteses de prisão civil: do alimentante inadimplente e
do depositário infiel (CF, art. 5º, inc. LXVII). A legislação ordinária
brasileira regulamentou (com base na CF) várias situações de prisão civil,
ampliando bastante a locução "prisão do depositário infiel". Essa
ampliação excessiva sempre foi objeto de muitas críticas.
Incontáveis acórdãos do STJ reiteradamente negaram
validade para a prisão do depositário no caso da alienação fiduciária (REsp
7.943-RS; REsp 2.320-RS etc.). No STF alguns votos vencidos (de Marco Aurélio,
Rezek, Velloso, Pertence) não discrepavam do entendimento preponderante no STJ.
Mas o pensamento majoritário tradicional no STF
sempre foi no sentido da sua admissibilidade.
Um novo horizonte está sendo aberto somente agora,
depois do RE 466.343-SP (visto que nele já existem oito votos no sentido da
inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel no caso da
alienação fiduciária).
Seu relator (Min. Cezar Peluso) negou validade para
a prisão do depositário infiel no caso da alienação fiduciária (porque a
legislação respectiva conflita com a CF). O Min. Gilmar Mendes agregou outros
dois fundamentos: considerando-se que a CADH só prevê a prisão civil por
alimentos (art. 7º, n. 7), é certo que nossa legislação ordinária relacionada
com o depositário infiel conflita com o teor normativo desse texto humanitário
internacional. O conflito de uma norma ordinária (que está em posição inferior)
com a CADH resolve-se pela invalidade da primeira. É o que ficou espelhado no
voto do Min. Gilmar Mendes, que ainda mencionou o princípio da
proporcionalidade como ulterior fundamento para não admitir a prisão de
depositário infiel. No HC 90.172 (com votação unânime da Segunda Turma), o Min.
Gilmar Mendes reiterou sua posição anterior.
No dia 12.03.08, em antológico voto, o Min. Celso
de Mello (no Pleno do STF - HC 87.585-TO e RE
466.343-SP) reconheceu, não a supralegalidade, sim, o valor constitucional dos
tratados internacionais de direitos humanos (sobre o tema cf.GOMES, L.F.,
Estado constitucional de direito e a nova pirâmide jurídica, São Paulo:
Premier, 2008, p. 30 e ss.).
Tendo em conta que no RE 466.343-SP já existem,
agora, oito votos favoráveis à tese de que a prisão civil do depositário infiel
foi proscrita no nosso país; considerando-se que a votação (no mesmo sentido)
no HC 90.172-SP (Segunda Turma) foi unânime, é com grande surpresa (e decepção)
que estamos vendo as decisões destoantes da Primeira Turma (HC 90.759-MG e HC
92.541-PR).
Mais sensato e juridicamente incensurável foi o
voto do Min. Marco Aurélio, proferido no HC 87.585-TO, em 29.08.07, que
reafirmou a tese de que o Pacto de San Jose (CADH) "derrogou" as
normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel.
O único reparo que talvez possa ser feito diz
respeito à "derrogação" das normas legais pela CADH: quando se aplica
o princípio da hierarquia (não o da posterioridade), o correto seria falar em
invalidade (ou inaplicabilidade), não em derrogação. Fora isso, parece-nos
incensurável o entendimento retratado no HC 87.585-TO (que agora também recebeu
o voto do Min. Celso de Mello, no sentido da constitucionalidade dos tratados
dos direitos humanos
De qualquer modo, tendo em conta os ainda
divergentes RHC 90.759-MG e HC 92.541-PR, vê-se que não se sedimentou (de modo
completamente indiscutível) a posição do STF a respeito do cabimento (ou não)
da prisão civil do depositário infiel.
Mas pelos votos favoráveis (oito) emitidos até aqui
em favor da impossibilidade da prisão do depositário infiel, sobretudo no caso
de alienação fiduciária (RE 466.343-SP; HC 90.172-SP; HC 87.585-TO), é de se
admitir que essa será (finalmente) a tese vencedora. Aliás, não poderia ser de
outra forma, em virtude do disposto no art. 7º, 7, da CADH (que conta com
correspondência no art. 11 do PIDCP). A nova jurisprudência do STF finca suas
raízes em novos tempos, em novos horizontes: a era da globalização deve também
ser a era da preponderância dos direitos humanos.
5 - Fontes do Direito Internacional Público
= Prevista no art. 38 do ECIJ (Estatuto da Corte Internacional de Justiça).
Este artigo elenca três fontes principais do DIP.
1 – “Ius Cogens” (prevista na Convenção de Viena)
2 – Tratados (principal fonte do DIP) – art.
38,2 ECIJ
Art. 38 ECIJ 3 – Costumes –
art. 38,3 ECIJ
4 – Princípios Gerais de Direito - art. 38,3 ECIJ
5 – Atos Unilaterais dos Estados
Novas fontes (séc. XX) 6 –
Decisões de Organizações Internacionais
7 – Equidade - art. 38,6 ECIJ
Não é fonte de DIP 8 – Analogia
(art. 38 ECIJ) 9 – Doutrina – art. 38,5 ECIJ
10 – Jurisprudência – art. 38,5 ECIJ
11 – Normas “Soft Law”
Artigo 38 - ECIJ
1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o
direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar:
2. as convenções
internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
3. o costume
internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;
4. os princípios
gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
5. as decisões judiciais e as doutrinas dos
publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para
a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.
6. A presente disposição não restringe a faculdade
da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às
partes.
_ Este rol do art. 38 ECIJ é taxativo ou meramente
exemplificativo?
Resposta: De acordo com
o quadro apresentado, verifica-se que o rol é meramente exemplificativo.
_ Há hierarquia entre as fontes do DIP, elencadas no
art. 38 ECIJ?
Resposta: Pelo art. 38
ECIJ não, mas entre as fontes do DIP há hierarquia.
Obs.: Não existe
hierarquia entre Tratados e Costumes, porém os Tratados são os mais utilizados,
na prática. Estes se revogam mutuamente. Ocorre desuso, quando o
tratado é revogado por costume.
** Análise das fontes do DIP:
a) Costume Internacional (art. 38,3 ECIJ) =
Quem o alega tem que provar, sob pena da ação ajuizada ser julgada
improcedente. Ex.: Foi o caso da Noruega que alegou na Corte Internacional de
Justiça o costume da pesca do bacalhau, pois a Inglaterra estava também
praticando a atividade em seu território, o que acarretou prejuízos financeiros
e econômicos ao país. A Noruega possui os royalties da pesca do bacalhau.
● Elementos:
“3. o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito”.
- Prova de uma prática = elemento material
(objetivo). Significa a prática reiterada de atos dos Estados durante certo
período de tempo e no mesmo sentido.
- Geralmente aceita como direito = elemento
subjetivo (psicológico. É a crença por parte deste mesmo Estado de que tal
prática é obrigatorial (jurídica), que pertence ao mundo do direito.
OBS: Se não tiver a
presença destes dois elementos não haverá sanção jurídica, em caso de
descumprimento.
_ É possível o costume regional (região geográfica)?
Resposta: Sim. Um
exemplo ocorreu na década de 50, quando o chefe de um partido político no Peru
recebeu ameaças de morte. A Colômbia estava pronta para recebê-lo, porém as
fronteiras estavam fechadas. A solução foi abrigar-se na Embaixada da Colômbia,
em Lima (Peru). Ele ficou 5 anos lá. Foi través deste episódio, que fora criado
o asilo diplomático.
copiado por Esdras Arthur