Resumo de Direito Internacional Público
ACCIOLY, Hildebrando, 188-1962.
Manual de direito internacional público/ G. E. do Nascimento
e Silva, Hildebrando Accioly, Paulo Borba Casella. – 17ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009.
e Silva, Hildebrando Accioly, Paulo Borba Casella. – 17ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009.
DI – direito internacional
OI – organização internacional
CIJ – Corte Internacional de Justiça
1.6 – Sujeitos de direito
internacional e atores das relações internacionais
Pág. 225 – 230
Sujeito do
direito internacional público é entidade jurídica que goza de direitos e deveres
no plano internacional, com capacidade para exercê-los.
No direito internacional clássico, o
sujeito por excelência era o Estado.
No conjunto pós-moderno, que se caracteriza pela
fragmentação do número de agentes no tempo (história) e espaço (contexto), as
ONGs, as sociedades transnacionais, os rebeldes, os beligerantes, os povos, os
movimentos de libertação, e mesmo os seres humanos, são também vistos como
sujeitos no que vem a se chamar de sociedade
civil internacional. A doutrina, porém, não é pacífica nesse reconhecimento
de novos agentes e do ser humano como sujeitos de DI.
O autor é incisivo
em elevar o ser humano à categoria de sujeito. Utiliza como argumento a
realidade que deve ser correspondida, numa constante evolução do DI, que se
tornou mais extenso (mais participantes tradicionais) e mais complexo (presença
de atores e agentes não-estatais). Em 1949 a CIJ declara como sujeito a organização
que “tem capacidade de ser titular de direitos e deveres internacionais e que
esta tem a capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de
reclamação internacional”, e no mesmo parecer revela que os sujeitos não são
idênticos em determinado sistema jurídico, mas sua natureza e extensão de
direitos dependem das necessidades da comunidade.
Cita KELSEN, que via
a tese dos estados como únicos sujeitos de DI como “teoricamente falsa e mesmo se retificada teoricamente (..) permanece
contrária ao direito positivo”, por isso, tinha como sujeitos os estados,
“ou seja os indivíduos, de modo indireto ou mediato e, excepcionalmente, os
indivíduos, também de modo direto ou imediato”.
Tese contrária é
de VERDROSS, que vê os indivíduos apenas como objetos protegidos, e o DI se
dirigiria a eles somente indiretamente, através do direito interno dos estados.
1.6.1
do direito internacional clássico ao reconhecimento progressivo de outros
sujeitos
Para a
determinação dos sujeitos de DI, há dois enfoques: a clássica, restrita aos estados,
e a individualista, realista ou pós
moderna, que coloca o indivíduo
como destinatário do DI.
O “modelo de
Vestfália” (1648), com enfoque clássico, tem o estado como único sujeito, e
mantém-se em Viena (1815), e prossegue até Versalhes (1919), período em que há
progressivo avanço no reconhecimento das OIs, como a Sociedade das Nações.
Apesar de inicialmente ocorrer divergências, não há mais contestações no
sentido de reconhecê-las como sujeitos.
O indivíduo,
muito pela evolução do DI, atualmente é colocado também nessa categoria, não
como sujeito indireto de direitos e deveres internacionais, mas direto. Isso
começa a partir da responsabilidade penal internacional, e vai se estendendo a
outros campos do direito.
Cita valores
construtivos colocados por R. A. FALK, na linha de L. GROSS: I – a minimização
da violência, II – a proteção e promoção dos direitos dos homens e dos povos,
III – as transferências de recursos e de riquezas dos países ricos aos pobres
IV – a participação eqüitativa das várias culturas, regiões e ideologias em
sistema mundial, de base equilibrada em relação aos povos do mundo, e V – o
desenvolvimento de instituições internacionais e supranacionais.
2 – Estado como sujeito
de DI
Pág. 230
O DI passa a
se ocupar do estado, a partir de sua incorporação à comunidade internacional,
ou seja, quando ele passa a ter direitos e deveres no contexto internacional.
O estado, ao mesmo
tempo em que se sujeita às normas de DI também as constrói. Para THIERRY, é em
função das limitações que, impostas à soberania dos estados, que se constrói o
direito internacional.
2.1 - elementos
constitutivos
Pág. 230 – 241
Pode-se
definir o estado como agrupamento humano, estabelecido permanentemente num
território determinado e sob governo independente. A Convenção Interamericana
sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, indica os quatro requisitos: a) população permanente, b) território determinado,
c) governo, d) capacidade de entrar em relação com os demais estados.
O princípio das nacionalidades, colocado
por MANCINI, em 1851, visando a unificação da Itália, colocava que os estados
deveriam ser organizados tendo em vista o fator nação, ou seja, o conjunto de
pessoas ligadas pela consciência de que possuem a mesma origem, tradições e
costumes comuns, e geralmente falam a mesma língua. MANCINI acreditava ser
possível “refundar” o DI, substituindo o estado, um sujeito artificial e
arbitrário, pelas nações, sujeito natural e necessário. De certo modo, o DI no
contexto pós moderno, passa a estabelecer uma comunidade internacional de pessoas, substituindo a sociedade de estados, mas não
enfatizando esta ou aquela nação, mas a humanidade como um todo, em dimensão
global.
Por população entende-se a coletividade de
indivíduos, nacionais e estrangeiros que habitam um território, não deve ser
confundida com a palavra povo, que
tem sentido sobretudo social, ou seja, povo
em oposição a governo.
A exigência
de território determinado não deve
ser entendida em sentido absoluto, não deve ser entendido determinado como perfeitamente delimitado. Como exemplo, os países
da América Latina, que foram reconhecidos como tais, embora suas fronteiras não
fossem definitivas. A CIJ tem sido muito bem utilizada como mecanismo de
resolução de controvérsias territoriais, como no caso do templo de Preah Vihear
1962, e de fronteiras terrestre, insular e marítima (1992).
Pelo princípio da igualdade jurídica dos estados,
a extensão territorial não influi sobre a capacidade internacional do estado,
mas vale citar que antes da II guerra mundial a personalidade jurídica de
Andorra, Mônaco, Liechtenstein e San Marino era discutida. A partir de 1960, no
entanto, vários microestados passam a surgir, discutindo-se principalmente sua
aptidão de existirem sem o auxílio das antigas metrópoles ou da ONU, caso que
está a exigir solução.
O terceiro e
quarto elementos constitutivos do estado - governo
e capacidade de manter relações com os demais estados – se completam. É necessária a existência de governo soberano, em
outras palavras, não subordinado a autoridade exterior, cujos compromissos
sejam pautados pelo DI. Atualmente, com o conceito amplo de autodeterminação
dado pelas Nações Unidas, o status de
estado tem sido atribuído sem maiores exigências.
São
colocados alguns momentos da história para ilustrar o tema, como a Rússia, ex
União Soviética, que ao tentar renegar as dívidas internacionais, depois se vê
forçada a transigir e negociar sofrendo do isolamento internacional. A
descolonização pós segunda guerra, mediante acordos de devolução ou
renegociação de vínculos em relação a acordos bilaterais e multilaterais, ou ainda
a desvinculação das obrigações contraídas no passado, em favor da tabula rasa (mais explicada
posteriormente). Os casos da Tchecoslováquia, planejado e pacífico, sem maiores
transtornos de separação; da União Soviética, que teve a Ucrânia e a Bielo-Rússia,
antes de reconhecida ficção de serem sujeitos de DI e membros da ONU, foi conservada
tal condição, não mais fictícia, e em relação aos bálticos, Estônia, Letônia e
Lituânia, se fez valer o não reconhecimento da ocupação soviética de 1940,
reestabelecendo as relações “normais” com esses países; e o caso da antiga
Iugoslávia, muito conturbado, com violentas guerras civis e violações de
direitos fundamentais, em que apesar de legalmente ordenada, a transição brutal
criou muitos problemas ainda não superados.
Caso curioso
é o de Taiwan, ou Formosa, que embora reúna os elementos constitutivos de um
estado, não é assim considerado pelo simples motivo de que evita declarar-se
como tal. Mas não significa que não possua nenhum status internacional, somente não há clara tipificação desse status.
2.2 – Classificação
Pág. 241 - 247
A seguinte
classificação, adotada pela maioria dos autores, é feita de acordo com a
estrutura, em estados simples e estados compostos.
Estados simples são para o DI os
plenamente soberanos em relação aos negócios externos, e sem divisão de
autonomias no tocante aos internos. São um todo homogêneo e indivisível. Todas
as frações se encontram em pé de igualdade, sem a existência de colônias ou
protetorados.
Os estados compostos dividem-se em
compostos por coordenação e compostos
por subordinação, sendo que estes
hoje são inexistentes, porém valem o estudo a título de curiosidade
histórica... ou não.
Os estados compostos por coordenação são
constituídos pela associação de estados soberanos, ou pela associação de unidades estatais,
que, em pé de igualdade, conservam apenas uma autonomia de ordem interna,
enquanto o poder soberano é investido num órgão central. Dessa dupla categoria
menciona-se: 1º) a união pessoal, a
união real e a confederação de estados, e 2º) a união federal.
União pessoal – É a reunião acidental e
temporária de dois ou mais estados independentes, sob a autoridade de soberano
comum, que pela sua natureza é concebida apenas sob a forma monárquica. Mas
hoje não existe mais nenhum caso... os mais atuais são entre Holanda e
Luxemburgo (de 1815 a
1890) e entre a Bélgica e Congo (de 1885 a 1908).
União real – É a reunião, sob o mesmo
monarca ou chefe de estado, de dois ou mais estados soberanos que conservam a
sua plena autonomia interna, mas, por acordo mútuo, delegam a órgão único os
poderes de representação externa e, geralmente, fundem todos os interesses
comuns no tocante às relações exteriores. Este tipo também não existe mais
atualmente, sendo o último da Indonésia com a Holanda, que não há datas de
referência no livro.
Confederação de estados – É a
associação de estados soberanos, que conservam integralmente sua autonomia e
sua personalidade internacional e, para certos fins especiais, cedem
permanentemente a uma autoridade central parte de sua liberdade de ação. Esses
fins especiais são geralmente: a manutenção da paz entre os estados
confederados, a sua defesa, e a proteção de interesses comuns. Atualmente não
há nenhum estado em que vige tal sistema, mas vale lembrar a União Européia,
que apesar de não fazer referência expressa a esse modelo, reúne seus
elementos.
Parêntesis:
a Comunidade Britânica de Nações é uma associação de estados que não se inclui
em nenhuma modalidade de estado composto, já que seus membros são perfeitamente
soberanos e em igualdade perante si.
Estado federal ou federação de estados
– É a união permanente de dois ou mais estados, em que cada um deles conserva
apenas sua autonomia interna, sendo a soberania externa exercida por um
organismo central, isto é, pelo governo federal, plenamente soberano nas suas
atribuições, entre as quais salientam a de representar o grupo nas relações
internacionais e a de assegurar a sua defesa externa.
A
personalidade externa existe somente no estado federal, os seus membros, os
estados federados, possuem somente a autonomia interna, sujeita ainda às
restrições impostas pela Constituição Federal. Este tipo de estado existe! Como
o nosso Brasil, desde a Constituição da República de 24 de fevereiro de 1891,
os Estados Unidos da América, a Suíça, a República Federal Alemã, o México, a
Argentina, dentre outros.
Os estados compostos por subordinação são
tipos de união em que os integrantes não se achavam em pé de igualdade, ou não
possuíam plena autonomia, ou se achavam despidos do gozo de determinados
direitos, entregues a outros. São os estados vassalos, protetorados, ou estados
clientes, que já não existem mais.
Os estados vassalos eram entidades cuja
autonomia interna era reconhecida pelo estado suserano, o qual lhes
representava externamente e ainda exigia o pagamento de um tributo. Exemplo
típico era o do Império Otomano, que era suserano da Moldávia, Valáquia, etc.
No protetorado, determinado estado
entregava a administração de certos direitos a um ou vários estados, em virtude
de tratado. Como o Marrocos e Tunísia protegidos pela França, e o Egito e o
Transvaal pela Inglaterra.
Na
elaboração dos Princípios de direito
internacional concernentes às relações amistosas e cooperação dos estados,
em conformidade com a Carta das Nações Unidas, de 1970, fez-se particular
referência ao dever de não intervenção
em assuntos pertencentes ao domínio reservado de qualquer estado, sendo
este um dos princípios regentes do DI no contexto pós-moderno.
Os estados clientes apenas confiavam a
outro estado a defesa de determinados negócios ou interesses, mantendo,
formalmente, intacta a sua personalidade internacional.
2.3 – Nascimento e
reconhecimento do estado
Pág. 247 – 266
O DI só
passa a se interessar pelo estado após sua constituição, estipulando
modalidades e conteúdo do reconhecimento de estado e de governo.
O nascimento
de estados tem estreita ligação com a sucessão de estados, por separação ou
desmembramento, é o que acontece com mais freqüência no período de guerras.
Como no processo de descolonização, desvinculando o estado de suas colônias
pela aplicação do princípio da autodeterminação dos povos pela Assembléia Geral
das Nações Unidas.
O estado
nasce da decorrência de determinados elementos constitutivos, conforme foi
visto, mas a sua simples reunião não acarreta a formação de fato do estado, é
necessário que haja um elemento de conexão entre eles, isto é, que haja
condições propícias de afinidade. Para MANCINI, esse elemento era a
nacionalidade, tendo em vista especificamente a unificação da Itália, para R.
ERICH, era um complexo de elementos que contribuíram para os novos estados pós
primeira guerra mundial: o cálculo das potências estrangeiras, que tentavam
tirar algum proveito, o esforço das minorias nacionais de se emanciparem, os
movimentos revolucionários de ordem social e política, e a necessidade de algum
elemento nacional. Além desse elemento, fala-se também na existência, no novo
estado, de fatores econômicos que o permitam sobreviver.
Antes da II
guerra mundial falava-se em território e população razoáveis para se constituir
um estado, mas com as Nações Unidas deixou-se de discutir esses elementos,
vigorando a autonomia da vontade, da aceitação pela comunidade internacional de
arcar com um novo membro.
A primeira
das formas de constituição de um estado é o estabelecimento permanente de certa
população num território determinado, que seria em território “desocupado”, por
isso já não existe em nossos dias.
Hodiernamente
a formação de um estado pode ocorrer por três formas:
1) separação de parte da população e do
território do estado já existente, subsistindo a personalidade internacional da
mãe-pátria. Podendo ocorrer de maneira pacífica, através de acordos como a
Província Cisplatina e o Brasil, ou através de movimentos de libertação, como
nos Estados Unidos, nos países hispano-americanos e no Brasil.
2) dissolução total do estado, não subsistindo
a personalidade do antigo estado. Como exemplos citam-se: a Grã-Colombia,
que se dissolve em 1830 formando as Repúblicas de Nova Granada (hoje Colômbia),
Venezuela e Equador, o desmembramento do Império Austro-Húngaro, o da URSS, da Tchecoslováquia ,e da Iugoslávia
3) fusão de dois ou mais estados num novo
estado. Ocorre quando o estado-núcleo absorve outras entidades, passando
todos a formar um novo estado, desaparecendo a personalidade de todos,
inclusive a do estado-núcleo. Pode ocorrer de maneira pacífica ou através de
conquistas. Como exemplos citam-se a
unificação da Itália, e a memorável fusão de Zanzibar e Tanganica para
constituir a Tanzânia em 1964.
Com a
formação do estado surge o problema do seu reconhecimento pela comunidade
internacional.
2.3.1
– reconhecimento do estado
Reconhecimento
significa a decisão do governo de um estado existente de aceitar outra entidade
como tal. Trata-se de ato jurídico, com conseqüências jurídicas, mas na prática
são consideradas, sobretudo, constatações políticas. Em tese, há o dever de se reconhecer como estado a
entidade que reúna os citados elementos constitutivos, mas a prática ocorre em
sentido contrário.
A natureza
do reconhecimento possui duas teses distintas, a de ser ato declarativo, pensamento da maioria, e a
tese contrária, a de ser ato atributivo.
Se considerado ato declarativo, o organismo não deixa de ser considerado estado
pelo fato de não ser reconhecido, acrescenta-se ainda a produção de efeitos
retroativos, que remontam à data da formação definitiva do estado.
Pela tese declarativa o reconhecimento é ato
unilateral, em que um estado admite a existência de outro, já para a tese atributiva, o reconhecimento é ato
bilateral, cuja atribuição da personalidade se dá por consenso mútuo.
Parêntesis: D.
ANZILOTTI expõe o por que da personalidade do estado surgir concomitantemente
ao seu reconhecimento. Como a personalidade existe quando uma entidade é
destinatária de normas, passa a existir, portanto, a partir do primeiro acordo,
ocorrendo ambos no mesmo momento, o reconhecimento e a personalidade
internacional.
O
reconhecimento pode ser expresso ou tácito, mas deve sempre indicar
claramente a intenção do estado que o pratica. O expresso pode ser feito através de declaração explícita numa nota,
tratado ou decreto, enquanto que o tácito se dá, por exemplo, com o início de
relações diplomáticas ou da celebração de um tratado com esse estado.
O
reconhecimento ainda pode ser de jure, ou de facto, sendo
definitivo e completo o primeiro e provisório ou limitado a certas relações
jurídicas o segundo.
Outra
distinção é entre o individual e o coletivo, conforme emane de um estado
só ou de vários estados ao mesmo tempo. Vale ressaltar que cada vez mais é
colocado como ato coletivo, relativo à entrada do estado na ONU.
Pode o
reconhecimento estar subordinado à
determinada condição, mas em regra ele é feito sem condições, considerado assim
como irrevogável. A inexecução ou
desrespeito à condição determina a suspensão ou anulação do reconhecimento.
Se o estado
deixa de existir ou perde definitivamente algum dos elementos essenciais ao seu
reconhecimento, este se torna caduco.
Não há
regras precisas para o momento oportuno
do reconhecimento, admitem-se, entretanto, três
princípios:
1º) o
reconhecimento será prematuro feito quando ainda não cessada a luta entre a
coletividade sublevada e a mãe-pátria em movimentos de sublevação, a menos que
a mãe-pátria mostre-se impotente e a coletividade esteja perfeitamente
organizada como estado.
2º) se
reconhecido pela mãe-pátria o estado pode ser reconhecido também pelos demais
membros da comunidade internacional
3º) se surgido
de outra forma o estado poderá ser reconhecido quando apresente as
características de estado organizado e demonstre sua capacidade de observar os
preceitos do DI.
Passa-se
para a discussão se a admissão de um estado nas Nações Unidas acarretaria seu
reconhecimento. Apesar de alguns autores entenderem que não, a melhor doutrina
(expressão utilizada pelo autor), entende que sim, a entrada na ONU acarreta
direitos e obrigações que somente uma pessoa internacional podia possuir. Em
parecer da CIJ é incisiva a necessidade de recomendação do Conselho de
Segurança, para a admissão de um estado seja pronunciada pela AGNU, conforme
art 4º § 2º da Carta da ONU.
A passagem
da autodeterminação nacional para a autodeterminação dos povos vem muito dos
excessos patológicos cometidos em nome do nacionalismo, em 1930, durante o
período de conflito armado nas colônias. Depois tal princípio é codificado na
Carta da Onu e na Resolução 1514 (XV) da AGNU, de 14/12/1960, atribuindo o
direito a todos os povos e repudiando a subjugação, a dominação, a exploração e
o colonialismo. Qual é comum aos princípios, eles podem se chocar, como na
possibilidade de uma intervenção da ONU em determinado país para satisfazer
outros princípios. O surgimento da autodeterminação dos povos como princípio do
jus cogens internacional alterou o tratamento tradicional do reconhecimento,
algo a ser compatibilizado com os demais princípios.
A questão do
conteúdo e dos efeitos do reconhecimento perdeu importância com o sistema das
Nações Unidas, em que o estado é reconhecido mediante consenso do Conselho de
Segurança e admissão pela Assembléia Geral, o que se verifica é o reconhecimento coletivo e mútuo.
Vale
ressaltar que o estado criado em violação do direito internacional não deve ser
reconhecido, como consagrado pela resolução da Assembléia da Sociedade das
Nações de 1932.
2.3.2
– reconhecimento de beligerância e insurgência
São admitidos alguns atos que procedem
ao reconhecimento de um estado como tal.
O
reconhecimento como beligerante ocorre quando parte da população se subleva
para criar novo estado ou então para modificar a forma de governo existente e
quando os demais estados resolvem tratar ambas as partes como beligerantes num
conflito aplicando as pertinentes regras do direito internacional. É importante
na busca pela paz, reconhecendo certas nações como tais, e de certo modo
integrando a guerrilha ao direito humanitário contemporâneo, uma vez que para
estes trata-se de questão de vida e morte, na luta de sua subsistência, de sua
pátria e de seu povo, não consistindo por isso na diminuição do valor do ideal
de “comunidade internacional”.
O
reconhecimento da beligerância não
deve ocorrer de modo prematuro, mas se a mãe-pátria assim o reconhece, o
movimento pode ser reconhecido como tal pelos demais países.
Seu
principal efeito é de conferir de fato,
ao grupo insurreto os direitos e deveres de estado, no tocante à guerra.
Em geral o
reconhecimento da beligerância toma a forma de declaração de neutralidade.
A insurgência ocorre quando uma insurreição
deixa de ter o caráter de simples motim e assume proporções de guerra civil,
sem lhe poder reconhecer o caráter jurídico desta, considera-se existir
situação de fato que, não podendo ser classificada como estado de beligerância,
não pode ser qualificada como situação de pura violência ou de banditismo. O
reconhecimento não confere direitos especiais aos insurretos, mas produz alguns efeitos:
1º) Não
poderão ser tratados como “terroristas”, ou como antigamente: “piratas” ou
“bandidos”, pelos governos que o reconhecem
2º) Se a
mãe-pátria (ou governo legal) assim os reconhece, deverão tratá-los como
prisioneiros de guerra os que caírem em seu poder.
3º) os atos
dos assim reconhecidos não comprometerão, necessariamente, a responsabilidade
da mãe-pátria (ou do governo legal)
Em qualquer
caso, aos insurretos não será lícito exercer direitos de visita e busca, nem o
de captura de contrabando de guerra, nem o de bloqueio.
2.3.3
– reconhecimento de governo
Quando
ocorre modificação política em violação da Constituição, como numa guerra
civil, os governos resultantes de tais golpes de estado precisam ser
reconhecidos pelos demais estados. O reconhecimento não importa a sua
legitimidade, mas a sua capacidade de dirigir o estado e de representá-lo internacionalmente.
O
reconhecimento de estado não deve ser confundido com o de governo. O de estado
reconhece o governo que no momento encontra-se no poder, mas uma mudança no
governo deverá ser amparada pelo seu reconhecimento.
Pode ser expresso ou tácito, por meio de nota diplomática ou através da prática de atos
que impliquem o seu reconhecimento. A simples circunstância de determinado
governo deixar que seus próprios cônsules continuem a desempenhar as suas
funções em território sob a autoridade de um governo de fato, não implica no
reconhecimento deste último.
Também pode
ser de
jure, definitivo e completo, ou de fato, provisório e limitado a
certas relações jurídicas. Geralmente o governo é de fato antes de se tornar de
jure, antes deve obedecer, na sua formação e constituição, às normas
constitucionais.
Há uma
tentativa de se estabelecerem certos princípios para se conceder esse
reconhecimento e não deixa-lo para o arbítrio dos estados e vontades políticas.
Assim, em Cannes, em 1922, resultou doutrina que para ser reconhecido o governo
deveria aceitar: a proteção da propriedade individual, o reconhecimento das
dívidas, a garantia de execução dos contratos e o compromisso da abstenção de
toda propaganda subversiva contra outros países; desse modo, os países ali
reunidos não reconheceram o governo soviético russo...
Os EUA
sustentaram que deveria ser reconhecido o governo oriundo da vontade nacional,
claramente manifestada; mais tarde acrescentaram o da intenção e capacidade do
novo governo de preencher as obrigações internacionais do estado.
O Brasil
segue de maneira similar, levando em consideração as seguintes circunstâncias:
1ª) a
existência de governo real aceito e obedecido pelo povo
2ª) a
estabilidade desse governo
3ª) a
aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do
respectivo estado.
Há ainda a
Doutrina Tobar, pregando que não se deve reconhecer governo algum oriundo de
golpe de estado ou de revolução, enquanto o povo do respectivo país, por meio
de representantes livremente eleitos, não o tenha organizado
constitucionalmente. Por essa doutrina protege-se o princípio da legitimidade
democrática.
Há também a
Doutrina Estrada, dizendo que o reconhecimento de governo fere a soberania
deste, e que o governo não deve subordinar a manutenção ou retirada de seus
agentes diplomáticos junto a outro governo à preocupação de reconhecê-lo ou
não. A doutrina peca no sentido de que não constitui afronta à soberania ou
intromissão nos negócios internos o reconhecimento de governo, mas sim conseqüência
do direito que tem todo governo de manter ou deixar de manter relações com
outro estado.
2.4 – Extinção e sucessão
de estado
Pág. 266 – 278
O DI ainda
não apresentou conceito objetivo a respeito da extinção de estado. Depois da
primeira e segunda guerra o problema fora motivo de preocupação, sem que a
doutrina tenha conseguido consolidar normas gerais para assegurar a evolução na
matéria.
Pelos
requisitos de nascimento de um estado, decorre a conseqüência lógica que o
desaparecimento definitivo de um deles implica na extinção de um estado. O
desaparecimento de toda a população, como num êxodo, ou de um território
parecem inviáveis, os cientistas, porém, alertam que com o aquecimento global e
o efeito estufa, grandes áreas costeiras podem ser inundadas e ilhas inteiras
podem submergir; inserindo-se aí a categoria de refugiados ambientais.
Para
O’CONNELL (1970), o princípio central em
matéria de sucessão de estados pode ser considerado como o mínimo de distúrbio
às situações jurídicas existentes, de modo consistente com o atual estado
de relações, resultantes da sucessão de estados. Nenhuma norma única será encontrável, que se ajuste a todas as situações
de mudança de soberania, e a função do jurista é a de aplicar, em cada caso
de sucessão de estados, as normas tal como sejam discerníveis na tradição
jurídica, com referência ao padrão de continuidade ou descontinuidade.
O DI
consuetudinário não é estático, e observando as sucessões de estados, ZEMANEK
analisa o quanto as normas da Convenção de Viena (1978 e 1973) foram adotadas
pela comunidade, e quanto “saíra de moda” a tabula rasa ou o clean state,
formada por alguns estados recém independentes pretendendo ingressar na
comunidade internacional sem quaisquer direitos ou obrigações do estado
predecessor, passando os novos estados a perceber o conflito com a
interdependência dos estados, no mundo real, tendo em vista os interesses do
próprio estado.
Como umas
das formas de extinção temos a absorção
completa de um estado pó outro. Atualmente, a anexação e posterior
transformação de qualquer país em colônia, ou que pretenda o seu
desaparecimento, enquanto sujeito de DI é, teórica e juridicamente, impossível,
em face dos termos da Carta da ONU.
Caso o
território não seja anexado por um só estado, ocorreria o seu desmembramento, com o território
repartido em dois ou mais estados. Caso da Grã-Colômbia, do Império
Austro-Húngaro e da URSS citados anteriormente.
Caso dois estados se unam para formar
uma nova entidade, ocorrerá a fusão,
com a perda da personalidade internacional dos antigos estados a favor da nova
entidade. Como ocorrera com a Itália e a Tanzânia.
Pela
Convenção de Viena de 1978 e 1983,
a sucessão de estados consiste na substituição do estado predecessor, por outro, o estado sucessor.
As sucessões
de estado decorrentes das guerras foram baseadas principalmente na
autodeterminação, embora na prática fora simples imposição da vontade dos
vencedores. Posteriormente, no processo de descolonização pós segunda guerra, o
princípio passou a ser invocado na independência da quase-totalidade dos
territórios dependentes.
O primeiro a
esboçar algumas teorias acerca da sucessão de estados foi nosso querido Grócio,
que influenciou uma vasta gama de juristas posteriores. Grócio buscava uma solução
no direito romano, que por analogia com o direito civil, colocava que com a
morte de uma pessoa a aceitação da herança implica também a dos ônus. Uma
segunda corrente prefere recorrer ao direito público, afastando-se do direito
privado, embora na prática os resultados sejam bastante semelhantes.
A tendência
mais aceita é a de rejeitar a noção de sucessão, isto é, de direitos e
obrigações ligados à extinção do estado; a questão é de soberania sobre o território, sendo que com a extinção do
estado ocorre a tabula rasa ou clean state. Admite-se, porém,
algumas exceções, como nos tratados de fronteira, direitos adquiridos e da
equidade.
As
Convenções de Viena adotam essa orientação examinando cinco hipótese:
a)
transferência de parte do estado, sem que isso afete a
personalidade dos dois estados, ou seja, ambos continuam a existir;
b)
surgimento de estado recém-independente (newly independent state);
c)
união de estados;
d)
separação de parte ou de partes de estados com a
conseqüente formação de novo estado;
e)
dissolução de estado.
Houve muita
relutância em aceitar direitos específicos aos estados recém-independentes, já
que os eventuais territórios que poderiam tornar-se independentes eram poucos e
a hipótese teria pouca aplicabilidade prática.
Princípio
importante é o de que a sucessão não
altera os tratados relativos às fronteiras, como estabelece o artigo 13 da
Convenção de 1978. Salientam-se os tratados sobre direitos reais, como os de
navegação e de servidão, cuja manutenção depende do estado vizinho.
2.4.1
– sucessão em matéria de tratados e outros atos
A Convenção
de Viena sobre sucessão de estados em matéria de tratados foi assinada em 23 de
agosto de 1978, mas devido a impasses em relação a alguns artigos, ela entra em
vigor somente em 1996.
O artigo 11 da
Convenção estabelece que a sucessão de estados não afeta as fronteiras nem as
obrigações e os direitos determinados por tratado, relativos ao regime de
fronteiras.
No caso de
transferência de território de um estado para outro sem que ocorra a extinção
de um deles, o artigo 15 prevê que os tratados do estado predecessor deixam de
vigorar, salvo se demonstrado que a aplicação do tratado àquele território
seria incompatível com seu objeto e finalidades, ou que poderá modificar
radicalmente as condições para a sua implementação. Aplica-se o princípio da imobilidade das fronteiras dos
tratados.
Ocorrendo
separação de parte de um território para a formação de outro estado, os
tratados políticos desaparecem. Enquanto que tratado em vigor relativo ao
território do estado predecessor assim o continua, a não ser que as partes
decidam de outra maneira.
Em caso de
separação ou desmembramento, admite-se, em princípio, que os novos estados
podem não estar ligados aos tratados celebrados pelo estado que faziam parte,
quando não os poderão invocar em seu favor.
No caso de
fusão de estado, os tratados multilaterais continuam a vigorar, dado que o
sistema internacional é regulado por eles e o interesse é do conjunto de
estados; já os tratados bilaterais devem ser renegociados, a não ser que
expressamente mantido pela vontade das partes.
2.4.2
– sucessão em, matéria de bens, arquivos e dívidas
A Convenção
de Viena sobre sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas,
assinada em Viena, em 8 de abril de 1983, é a única tida pela doutrina como
inaceitável, tanto que sequer entrou em vigor. A razão da não-aceitação reside na
preocupação dos países afro-asiáticos de forçar a adoção de regras para
favorecer os países, geralmente antigas colônias de independência recente.
Em caso de
anexação total ou parcial, a legislação do estado anexante passa a vigorar; em
caso de fusão, a matéria é regulada pelos estados que se fundem; ocorrendo
separação ou desmembramento, é natural que o novo estado estabeleça sua própria
legislação, podendo viver com a do estado anterior durante um período de
transição.
Ainda no
caso de anexação parcial, a nacionalidade do estado anexador deve estender-se
aos habitantes da parte anexada, apesar de poderem eles optarem pela
nacionalidade que possuíam; na fusão, haverá apenas uma nacionalidade, a do
novo estado; e no desmembramento ou separação surge novo estado e nova
nacionalidade aplicável aos seus habitantes.
A sucessão
em matéria de bens, tradicionalmente, era feita sem compensação para os bens
públicos, e mediante compensação para os bens privados, a Convenção porém muda
isso e coloca que a passagem será realizada sem compensação, salvo acordo entre
as partes ou decisão de órgão internacional. O artigo 9 dispõe que a passagem
de bens acarreta na extinção de direitos do estado predecessor, e nascimento
para o sucessor.
Na
transferência de parte de território de um estado, os imóveis passarão ao
sucessor, assim como os móveis vinculados às atividades do predecessor no
antigo território, a não ser que a vontade das partes seja outra. No caso de
fusão os bens dos estados antigos passam para a nova unidade. Na dissolução, os
imóveis situados no estado sucessor passam para ele, e os imóveis e móveis
situados no exterior passam aos estados sucessores em proporções eqüitativas.
A sucessão
em matéria de arquivos, a princípio deve ser feita sem compensação,
respeitando-se o caráter integral dos arquivos. A expressão arquivos estatais do estado predecessor,
nos termos do artigo 20 da Convenção, significa todos os documentos que na data
da sucessão de estados lhe pertenciam, de acordo com a sua legislação interna,
e eram por ele conservados direta ou indiretamente.
Ocorrendo
transferência de território sem a formação de novo estado, os arquivos relativos
à administração normal ou ao território devem ser passados ao sucessor, sendo
os outros arquivos dependentes de acordo. Na fusão os arquivos dos
predecessores passarão para o novo estado.
No
concernente às fronteiras, o estado predecessor deve fornecer ao estado
sucessor documentos tendentes a comprovar os direitos sobre elas.
A Convenção
ainda prevê a possibilidade de troca de informações, de arquivos ou de
reproduções tendentes a garantir a memória nacional.
A sucessão
em matéria de dívidas é dos problemas mais difíceis e complexos. Cabe adotar os
critérios de equidade e de proporcionalidade adotados na Resolução de
Vancouver, de 2001.
O projeto da
CDI, que acabou sendo acolhido, prevê que por dívidas de estado entende-se
“qualquer obrigação financeira de estado predecessor surgido de conformidade
com o direito internacional para com o outro estado, organização internacional
ou qualquer outro sujeito do direito internacional”.
No caso de
transferência de parte do território, a regra adotada pela Convenção é a já
tradicionalmente adotada na Europa, de que parte da dívida, baseada nas taxas
pagas no passado pela população do estado predecessor, deve passar ao estado
sucessor.
A
preocupação do relator da Convenção em proteger os países recém independentes
resultou em regras que foram muito combatidas, principalmente por seguirem o
princípio de que nenhuma dívida do estado predecessor passará ao sucessor.
Defendia ainda a tese de que o estado sucessor tinha o direito de repudiar
tratado assinado com o seu predecessor às vésperas da independência ou pouco
depois dela. Essa tese consta no artigo 38 § 2º da Convenção, e foi motivo de
rejeição da Convenção por diversas delegações.
No caso de
união de estados, as dívidas passam ao estado sucessor. Na separação de parte
do território de um estado, a dívida passará numa porção equitativa, a não ser
que as partes consintam de maneira diversa. Na dissolução a mesma regra se
aplica: os estados sucessores arcarão com parte da dívida, em base aos direitos
de propriedade.
2.4.3
– Naturalização coletiva, por cessão ou por anexação territorial
No caso de
anexação territorial, quer pacificamente ou como imposição consecutiva a
guerra, ocorre a naturalização coletiva dos habitantes daquele território,
excluídos os estrangeiros ali
domiciliados ou residentes.
Aos
nacionais de estado anexado ou de cuja parte é transferida a outro, vários
sistemas têm surgido. O mais adotado, inclusive pelo tratado de paz de
Versalhes, de 1919, foi o que aplica a mudança aos domiciliados no território transferido. Outro sistema seria o da origem, em que a mudança aplica-se aos
naturais daquele território, residentes ou não. Há ainda o sistema que exige os
dois ao mesmo tempo, origem e domicílio,
e outro que existindo qualquer das duas circunstâncias seria aplicável a
mudança da nacionalidade.
O que
geralmente se concede aos habitantes é o direito
de opção, que pode ser exercido em diversas modalidades. Pela simples emigração para outro território, no
desejo contrário à nova nacionalidade; por declaração
formal, relativa a conservação da nacionalidade de origem, sem a exigência
de emigração; ou ainda por declaração
formal acompanhada da emigração,
às vezes imposta como conseqüência necessária da declaração. Uma quarta
modalidade, adotada pela Convenção sobre
Nacionalidade, de Montevidéu, de 1933, segue que os habitantes do
território transferido poderão manter a antiga nacionalidade e só adquirirão a
nova se por ela optarem expressamente.
Considerei muito importante ter este material para ajudar na sistematização do estudo deste importante tema.
ResponderExcluir