sábado, 13 de fevereiro de 2016

Resumo de Direito Internacional Público ACCIOLY, Hildebrando, 188-1962. Manual de direito internacional público/ G. E. do Nascimento e Silva, Hildebrando Accioly, Paulo Borba Casella. – 17ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009.

Resumo de Direito Internacional Público

ACCIOLY, Hildebrando, 188-1962.
          Manual de direito internacional público/ G. E. do Nascimento 
e Silva, Hildebrando Accioly, Paulo Borba Casella. – 17ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2009.

DI – direito internacional
OI – organização internacional
CIJ – Corte Internacional de Justiça

1.6 – Sujeitos de direito internacional e atores das relações internacionais
Pág. 225 – 230


         Sujeito do direito internacional público é entidade jurídica que goza de direitos e deveres no plano internacional, com capacidade para exercê-los.
         No direito internacional clássico, o sujeito por excelência era o Estado.
No conjunto pós-moderno, que se caracteriza pela fragmentação do número de agentes no tempo (história) e espaço (contexto), as ONGs, as sociedades transnacionais, os rebeldes, os beligerantes, os povos, os movimentos de libertação, e mesmo os seres humanos, são também vistos como sujeitos no que vem a se chamar de sociedade civil internacional. A doutrina, porém, não é pacífica nesse reconhecimento de novos agentes e do ser humano como sujeitos de DI.
O autor é incisivo em elevar o ser humano à categoria de sujeito. Utiliza como argumento a realidade que deve ser correspondida, numa constante evolução do DI, que se tornou mais extenso (mais participantes tradicionais) e mais complexo (presença de atores e agentes não-estatais). Em 1949 a CIJ declara como sujeito a organização que “tem capacidade de ser titular de direitos e deveres internacionais e que esta tem a capacidade de fazer prevalecer os seus direitos através de reclamação internacional”, e no mesmo parecer revela que os sujeitos não são idênticos em determinado sistema jurídico, mas sua natureza e extensão de direitos dependem das necessidades da comunidade.
Cita KELSEN, que via a tese dos estados como únicos sujeitos de DI como “teoricamente falsa e mesmo se retificada teoricamente (..) permanece contrária ao direito positivo”, por isso, tinha como sujeitos os estados, “ou seja os indivíduos, de modo indireto ou mediato e, excepcionalmente, os indivíduos, também de modo direto ou imediato”.
Tese contrária é de VERDROSS, que vê os indivíduos apenas como objetos protegidos, e o DI se dirigiria a eles somente indiretamente, através do direito interno dos estados.




1.6.1 do direito internacional clássico ao reconhecimento progressivo de outros sujeitos

         Para a determinação dos sujeitos de DI, há dois enfoques: a clássica, restrita aos estados, e a individualista, realista ou pós moderna, que coloca o indivíduo como destinatário do DI.
         O “modelo de Vestfália” (1648), com enfoque clássico, tem o estado como único sujeito, e mantém-se em Viena (1815), e prossegue até Versalhes (1919), período em que há progressivo avanço no reconhecimento das OIs, como a Sociedade das Nações. Apesar de inicialmente ocorrer divergências, não há mais contestações no sentido de reconhecê-las como sujeitos.
         O indivíduo, muito pela evolução do DI, atualmente é colocado também nessa categoria, não como sujeito indireto de direitos e deveres internacionais, mas direto. Isso começa a partir da responsabilidade penal internacional, e vai se estendendo a outros campos do direito.
         Cita valores construtivos colocados por R. A. FALK, na linha de L. GROSS: I – a minimização da violência, II – a proteção e promoção dos direitos dos homens e dos povos, III – as transferências de recursos e de riquezas dos países ricos aos pobres IV – a participação eqüitativa das várias culturas, regiões e ideologias em sistema mundial, de base equilibrada em relação aos povos do mundo, e V – o desenvolvimento de instituições internacionais e supranacionais.
        

2 – Estado como sujeito de DI
Pág. 230

         O DI passa a se ocupar do estado, a partir de sua incorporação à comunidade internacional, ou seja, quando ele passa a ter direitos e deveres no contexto internacional.
O estado, ao mesmo tempo em que se sujeita às normas de DI também as constrói. Para THIERRY, é em função das limitações que, impostas à soberania dos estados, que se constrói o direito internacional.

2.1 - elementos constitutivos
Pág. 230 – 241

         Pode-se definir o estado como agrupamento humano, estabelecido permanentemente num território determinado e sob governo independente. A Convenção Interamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados, de 1933, indica os quatro requisitos: a) população permanente, b) território determinado, c) governo, d) capacidade de entrar em relação com os demais estados.
         O princípio das nacionalidades, colocado por MANCINI, em 1851, visando a unificação da Itália, colocava que os estados deveriam ser organizados tendo em vista o fator nação, ou seja, o conjunto de pessoas ligadas pela consciência de que possuem a mesma origem, tradições e costumes comuns, e geralmente falam a mesma língua. MANCINI acreditava ser possível “refundar” o DI, substituindo o estado, um sujeito artificial e arbitrário, pelas nações, sujeito natural e necessário. De certo modo, o DI no contexto pós moderno, passa a estabelecer uma comunidade internacional de pessoas, substituindo a sociedade de estados, mas não enfatizando esta ou aquela nação, mas a humanidade como um todo, em dimensão global.
         Por população entende-se a coletividade de indivíduos, nacionais e estrangeiros que habitam um território, não deve ser confundida com a palavra povo, que tem sentido sobretudo social, ou seja, povo em oposição a governo.   
         A exigência de território determinado não deve ser entendida em sentido absoluto, não deve ser entendido determinado como perfeitamente delimitado. Como exemplo, os países da América Latina, que foram reconhecidos como tais, embora suas fronteiras não fossem definitivas. A CIJ tem sido muito bem utilizada como mecanismo de resolução de controvérsias territoriais, como no caso do templo de Preah Vihear 1962, e de fronteiras terrestre, insular e marítima (1992).
         Pelo princípio da igualdade jurídica dos estados, a extensão territorial não influi sobre a capacidade internacional do estado, mas vale citar que antes da II guerra mundial a personalidade jurídica de Andorra, Mônaco, Liechtenstein e San Marino era discutida. A partir de 1960, no entanto, vários microestados passam a surgir, discutindo-se principalmente sua aptidão de existirem sem o auxílio das antigas metrópoles ou da ONU, caso que está a exigir solução.
         O terceiro e quarto elementos constitutivos do estado - governo e capacidade de manter relações com os demais estados – se completam. É necessária a existência de governo soberano, em outras palavras, não subordinado a autoridade exterior, cujos compromissos sejam pautados pelo DI. Atualmente, com o conceito amplo de autodeterminação dado pelas Nações Unidas, o status de estado tem sido atribuído sem maiores exigências.
         São colocados alguns momentos da história para ilustrar o tema, como a Rússia, ex União Soviética, que ao tentar renegar as dívidas internacionais, depois se vê forçada a transigir e negociar sofrendo do isolamento internacional. A descolonização pós segunda guerra, mediante acordos de devolução ou renegociação de vínculos em relação a acordos bilaterais e multilaterais, ou ainda a desvinculação das obrigações contraídas no passado, em favor da tabula rasa (mais explicada posteriormente). Os casos da Tchecoslováquia, planejado e pacífico, sem maiores transtornos de separação; da União Soviética, que teve a Ucrânia e a Bielo-Rússia, antes de reconhecida ficção de serem sujeitos de DI e membros da ONU, foi conservada tal condição, não mais fictícia, e em relação aos bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, se fez valer o não reconhecimento da ocupação soviética de 1940, reestabelecendo as relações “normais” com esses países; e o caso da antiga Iugoslávia, muito conturbado, com violentas guerras civis e violações de direitos fundamentais, em que apesar de legalmente ordenada, a transição brutal criou muitos problemas ainda não superados.
         Caso curioso é o de Taiwan, ou Formosa, que embora reúna os elementos constitutivos de um estado, não é assim considerado pelo simples motivo de que evita declarar-se como tal. Mas não significa que não possua nenhum status internacional, somente não há clara tipificação desse status.

2.2 – Classificação
Pág. 241 - 247
        
         A seguinte classificação, adotada pela maioria dos autores, é feita de acordo com a estrutura, em estados simples e estados compostos.
         Estados simples são para o DI os plenamente soberanos em relação aos negócios externos, e sem divisão de autonomias no tocante aos internos. São um todo homogêneo e indivisível. Todas as frações se encontram em pé de igualdade, sem a existência de colônias ou protetorados.
         Os estados compostos dividem-se em compostos por coordenação e compostos por subordinação, sendo que estes hoje são inexistentes, porém valem o estudo a título de curiosidade histórica... ou não.
         Os estados compostos por coordenação são constituídos pela associação de estados soberanos, ou pela associação de unidades estatais, que, em pé de igualdade, conservam apenas uma autonomia de ordem interna, enquanto o poder soberano é investido num órgão central. Dessa dupla categoria menciona-se: 1º) a união pessoal, a união real e a confederação de estados, e 2º) a união federal.
         União pessoal – É a reunião acidental e temporária de dois ou mais estados independentes, sob a autoridade de soberano comum, que pela sua natureza é concebida apenas sob a forma monárquica. Mas hoje não existe mais nenhum caso... os mais atuais são entre Holanda e Luxemburgo (de 1815 a 1890) e entre a Bélgica e Congo (de 1885 a 1908).
         União real – É a reunião, sob o mesmo monarca ou chefe de estado, de dois ou mais estados soberanos que conservam a sua plena autonomia interna, mas, por acordo mútuo, delegam a órgão único os poderes de representação externa e, geralmente, fundem todos os interesses comuns no tocante às relações exteriores. Este tipo também não existe mais atualmente, sendo o último da Indonésia com a Holanda, que não há datas de referência no livro.
         Confederação de estados – É a associação de estados soberanos, que conservam integralmente sua autonomia e sua personalidade internacional e, para certos fins especiais, cedem permanentemente a uma autoridade central parte de sua liberdade de ação. Esses fins especiais são geralmente: a manutenção da paz entre os estados confederados, a sua defesa, e a proteção de interesses comuns. Atualmente não há nenhum estado em que vige tal sistema, mas vale lembrar a União Européia, que apesar de não fazer referência expressa a esse modelo, reúne seus elementos.
         Parêntesis: a Comunidade Britânica de Nações é uma associação de estados que não se inclui em nenhuma modalidade de estado composto, já que seus membros são perfeitamente soberanos e em igualdade perante si.
         Estado federal ou federação de estados – É a união permanente de dois ou mais estados, em que cada um deles conserva apenas sua autonomia interna, sendo a soberania externa exercida por um organismo central, isto é, pelo governo federal, plenamente soberano nas suas atribuições, entre as quais salientam a de representar o grupo nas relações internacionais e a de assegurar a sua defesa externa.
         A personalidade externa existe somente no estado federal, os seus membros, os estados federados, possuem somente a autonomia interna, sujeita ainda às restrições impostas pela Constituição Federal. Este tipo de estado existe! Como o nosso Brasil, desde a Constituição da República de 24 de fevereiro de 1891, os Estados Unidos da América, a Suíça, a República Federal Alemã, o México, a Argentina, dentre outros.
         Os estados compostos por subordinação são tipos de união em que os integrantes não se achavam em pé de igualdade, ou não possuíam plena autonomia, ou se achavam despidos do gozo de determinados direitos, entregues a outros. São os estados vassalos, protetorados, ou estados clientes, que já não existem mais.
         Os estados vassalos eram entidades cuja autonomia interna era reconhecida pelo estado suserano, o qual lhes representava externamente e ainda exigia o pagamento de um tributo. Exemplo típico era o do Império Otomano, que era suserano da Moldávia, Valáquia, etc.
         No protetorado, determinado estado entregava a administração de certos direitos a um ou vários estados, em virtude de tratado. Como o Marrocos e Tunísia protegidos pela França, e o Egito e o Transvaal pela Inglaterra.
         Na elaboração dos Princípios de direito internacional concernentes às relações amistosas e cooperação dos estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, de 1970, fez-se particular referência ao dever de não intervenção em assuntos pertencentes ao domínio reservado de qualquer estado, sendo este um dos princípios regentes do DI no contexto pós-moderno.
         Os estados clientes apenas confiavam a outro estado a defesa de determinados negócios ou interesses, mantendo, formalmente, intacta a sua personalidade internacional.


2.3 – Nascimento e reconhecimento do estado
Pág. 247 – 266

         O DI só passa a se interessar pelo estado após sua constituição, estipulando modalidades e conteúdo do reconhecimento de estado e de governo.
         O nascimento de estados tem estreita ligação com a sucessão de estados, por separação ou desmembramento, é o que acontece com mais freqüência no período de guerras. Como no processo de descolonização, desvinculando o estado de suas colônias pela aplicação do princípio da autodeterminação dos povos pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
         O estado nasce da decorrência de determinados elementos constitutivos, conforme foi visto, mas a sua simples reunião não acarreta a formação de fato do estado, é necessário que haja um elemento de conexão entre eles, isto é, que haja condições propícias de afinidade. Para MANCINI, esse elemento era a nacionalidade, tendo em vista especificamente a unificação da Itália, para R. ERICH, era um complexo de elementos que contribuíram para os novos estados pós primeira guerra mundial: o cálculo das potências estrangeiras, que tentavam tirar algum proveito, o esforço das minorias nacionais de se emanciparem, os movimentos revolucionários de ordem social e política, e a necessidade de algum elemento nacional. Além desse elemento, fala-se também na existência, no novo estado, de fatores econômicos que o permitam sobreviver.
         Antes da II guerra mundial falava-se em território e população razoáveis para se constituir um estado, mas com as Nações Unidas deixou-se de discutir esses elementos, vigorando a autonomia da vontade, da aceitação pela comunidade internacional de arcar com um novo membro.
         A primeira das formas de constituição de um estado é o estabelecimento permanente de certa população num território determinado, que seria em território “desocupado”, por isso já não existe em nossos dias.
         Hodiernamente a formação de um estado pode ocorrer por três formas:
1) separação de parte da população e do território do estado já existente, subsistindo a personalidade internacional da mãe-pátria. Podendo ocorrer de maneira pacífica, através de acordos como a Província Cisplatina e o Brasil, ou através de movimentos de libertação, como nos Estados Unidos, nos países hispano-americanos e no Brasil.
         2) dissolução total do estado, não subsistindo a personalidade do antigo estado. Como exemplos citam-se: a Grã-Colombia, que se dissolve em 1830 formando as Repúblicas de Nova Granada (hoje Colômbia), Venezuela e Equador, o desmembramento do Império Austro-Húngaro, o da  URSS, da Tchecoslováquia ,e da Iugoslávia
         3) fusão de dois ou mais estados num novo estado. Ocorre quando o estado-núcleo absorve outras entidades, passando todos a formar um novo estado, desaparecendo a personalidade de todos, inclusive a do estado-núcleo. Pode ocorrer de maneira pacífica ou através de conquistas. Como    exemplos citam-se a unificação da Itália, e a memorável fusão de Zanzibar e Tanganica para constituir a Tanzânia em 1964.
         Com a formação do estado surge o problema do seu reconhecimento pela comunidade internacional.

2.3.1 – reconhecimento do estado

         Reconhecimento significa a decisão do governo de um estado existente de aceitar outra entidade como tal. Trata-se de ato jurídico, com conseqüências jurídicas, mas na prática são consideradas, sobretudo, constatações políticas. Em tese, há o dever de se reconhecer como estado a entidade que reúna os citados elementos constitutivos, mas a prática ocorre em sentido contrário.
         A natureza do reconhecimento possui duas teses distintas, a de ser ato declarativo, pensamento da maioria, e a tese contrária, a de ser ato atributivo. Se considerado ato declarativo, o organismo não deixa de ser considerado estado pelo fato de não ser reconhecido, acrescenta-se ainda a produção de efeitos retroativos, que remontam à data da formação definitiva do estado.
         Pela tese declarativa o reconhecimento é ato unilateral, em que um estado admite a existência de outro, já para a tese atributiva, o reconhecimento é ato bilateral, cuja atribuição da personalidade se dá por consenso mútuo.
         Parêntesis: D. ANZILOTTI expõe o por que da personalidade do estado surgir concomitantemente ao seu reconhecimento. Como a personalidade existe quando uma entidade é destinatária de normas, passa a existir, portanto, a partir do primeiro acordo, ocorrendo ambos no mesmo momento, o reconhecimento e a personalidade internacional.
         O reconhecimento pode ser expresso ou tácito, mas deve sempre indicar claramente a intenção do estado que o pratica. O expresso pode ser feito através de declaração explícita numa nota, tratado ou decreto, enquanto que o tácito se dá, por exemplo, com o início de relações diplomáticas ou da celebração de um tratado com esse estado.
         O reconhecimento ainda pode ser de jure, ou de facto, sendo definitivo e completo o primeiro e provisório ou limitado a certas relações jurídicas o segundo.
         Outra distinção é entre o individual e o coletivo, conforme emane de um estado só ou de vários estados ao mesmo tempo. Vale ressaltar que cada vez mais é colocado como ato coletivo, relativo à entrada do estado na ONU.
         Pode o reconhecimento estar subordinado à determinada condição, mas em regra ele é feito sem condições, considerado assim como irrevogável. A inexecução ou desrespeito à condição determina a suspensão ou anulação do reconhecimento.
         Se o estado deixa de existir ou perde definitivamente algum dos elementos essenciais ao seu reconhecimento, este se torna caduco.
         Não há regras precisas para o momento oportuno do reconhecimento, admitem-se, entretanto, três princípios:
         1º) o reconhecimento será prematuro feito quando ainda não cessada a luta entre a coletividade sublevada e a mãe-pátria em movimentos de sublevação, a menos que a mãe-pátria mostre-se impotente e a coletividade esteja perfeitamente organizada como estado.
         2º) se reconhecido pela mãe-pátria o estado pode ser reconhecido também pelos demais membros da comunidade internacional
         3º) se surgido de outra forma o estado poderá ser reconhecido quando apresente as características de estado organizado e demonstre sua capacidade de observar os preceitos do DI.
         Passa-se para a discussão se a admissão de um estado nas Nações Unidas acarretaria seu reconhecimento. Apesar de alguns autores entenderem que não, a melhor doutrina (expressão utilizada pelo autor), entende que sim, a entrada na ONU acarreta direitos e obrigações que somente uma pessoa internacional podia possuir. Em parecer da CIJ é incisiva a necessidade de recomendação do Conselho de Segurança, para a admissão de um estado seja pronunciada pela AGNU, conforme art 4º § 2º da Carta da ONU.
         A passagem da autodeterminação nacional para a autodeterminação dos povos vem muito dos excessos patológicos cometidos em nome do nacionalismo, em 1930, durante o período de conflito armado nas colônias. Depois tal princípio é codificado na Carta da Onu e na Resolução 1514 (XV) da AGNU, de 14/12/1960, atribuindo o direito a todos os povos e repudiando a subjugação, a dominação, a exploração e o colonialismo. Qual é comum aos princípios, eles podem se chocar, como na possibilidade de uma intervenção da ONU em determinado país para satisfazer outros princípios. O surgimento da autodeterminação dos povos como princípio do jus cogens internacional alterou o tratamento tradicional do reconhecimento, algo a ser compatibilizado com os demais princípios.
         A questão do conteúdo e dos efeitos do reconhecimento perdeu importância com o sistema das Nações Unidas, em que o estado é reconhecido mediante consenso do Conselho de Segurança e admissão pela Assembléia Geral, o que se verifica é o reconhecimento coletivo e mútuo.
         Vale ressaltar que o estado criado em violação do direito internacional não deve ser reconhecido, como consagrado pela resolução da Assembléia da Sociedade das Nações de 1932.

2.3.2 – reconhecimento de beligerância e insurgência

         São admitidos alguns atos que procedem ao reconhecimento de um estado como tal.
         O reconhecimento como beligerante ocorre quando parte da população se subleva para criar novo estado ou então para modificar a forma de governo existente e quando os demais estados resolvem tratar ambas as partes como beligerantes num conflito aplicando as pertinentes regras do direito internacional. É importante na busca pela paz, reconhecendo certas nações como tais, e de certo modo integrando a guerrilha ao direito humanitário contemporâneo, uma vez que para estes trata-se de questão de vida e morte, na luta de sua subsistência, de sua pátria e de seu povo, não consistindo por isso na diminuição do valor do ideal de “comunidade internacional”.
         O reconhecimento da beligerância não deve ocorrer de modo prematuro, mas se a mãe-pátria assim o reconhece, o movimento pode ser reconhecido como tal pelos demais países.
         Seu principal efeito é de conferir de fato, ao grupo insurreto os direitos e deveres de estado, no tocante à guerra.
         Em geral o reconhecimento da beligerância toma a forma de declaração de neutralidade.
         A insurgência ocorre quando uma insurreição deixa de ter o caráter de simples motim e assume proporções de guerra civil, sem lhe poder reconhecer o caráter jurídico desta, considera-se existir situação de fato que, não podendo ser classificada como estado de beligerância, não pode ser qualificada como situação de pura violência ou de banditismo. O reconhecimento não confere direitos especiais aos insurretos, mas produz alguns efeitos:
         1º) Não poderão ser tratados como “terroristas”, ou como antigamente: “piratas” ou “bandidos”, pelos governos que o reconhecem
         2º) Se a mãe-pátria (ou governo legal) assim os reconhece, deverão tratá-los como prisioneiros de guerra os que caírem em seu poder.
         3º) os atos dos assim reconhecidos não comprometerão, necessariamente, a responsabilidade da mãe-pátria (ou do governo legal)
         Em qualquer caso, aos insurretos não será lícito exercer direitos de visita e busca, nem o de captura de contrabando de guerra, nem o de bloqueio.

2.3.3 – reconhecimento de governo

         Quando ocorre modificação política em violação da Constituição, como numa guerra civil, os governos resultantes de tais golpes de estado precisam ser reconhecidos pelos demais estados. O reconhecimento não importa a sua legitimidade, mas a sua capacidade de dirigir o estado e de representá-lo internacionalmente.
         O reconhecimento de estado não deve ser confundido com o de governo. O de estado reconhece o governo que no momento encontra-se no poder, mas uma mudança no governo deverá ser amparada pelo seu reconhecimento.
         Pode ser expresso ou tácito, por meio de nota diplomática ou através da prática de atos que impliquem o seu reconhecimento. A simples circunstância de determinado governo deixar que seus próprios cônsules continuem a desempenhar as suas funções em território sob a autoridade de um governo de fato, não implica no reconhecimento deste último.
         Também pode ser de jure, definitivo e completo, ou de fato, provisório e limitado a certas relações jurídicas. Geralmente o governo é de fato antes de se tornar de jure, antes deve obedecer, na sua formação e constituição, às normas constitucionais.
         Há uma tentativa de se estabelecerem certos princípios para se conceder esse reconhecimento e não deixa-lo para o arbítrio dos estados e vontades políticas. Assim, em Cannes, em 1922, resultou doutrina que para ser reconhecido o governo deveria aceitar: a proteção da propriedade individual, o reconhecimento das dívidas, a garantia de execução dos contratos e o compromisso da abstenção de toda propaganda subversiva contra outros países; desse modo, os países ali reunidos não reconheceram o governo soviético russo...
         Os EUA sustentaram que deveria ser reconhecido o governo oriundo da vontade nacional, claramente manifestada; mais tarde acrescentaram o da intenção e capacidade do novo governo de preencher as obrigações internacionais do estado.
         O Brasil segue de maneira similar, levando em consideração as seguintes circunstâncias:
         1ª) a existência de governo real aceito e obedecido pelo povo
         2ª) a estabilidade desse governo
         3ª) a aceitação, por este, da responsabilidade pelas obrigações internacionais do respectivo estado.
         Há ainda a Doutrina Tobar, pregando que não se deve reconhecer governo algum oriundo de golpe de estado ou de revolução, enquanto o povo do respectivo país, por meio de representantes livremente eleitos, não o tenha organizado constitucionalmente. Por essa doutrina protege-se o princípio da legitimidade democrática.
         Há também a Doutrina Estrada, dizendo que o reconhecimento de governo fere a soberania deste, e que o governo não deve subordinar a manutenção ou retirada de seus agentes diplomáticos junto a outro governo à preocupação de reconhecê-lo ou não. A doutrina peca no sentido de que não constitui afronta à soberania ou intromissão nos negócios internos o reconhecimento de governo, mas sim conseqüência do direito que tem todo governo de manter ou deixar de manter relações com outro estado.


2.4 – Extinção e sucessão de estado
Pág. 266 – 278

         O DI ainda não apresentou conceito objetivo a respeito da extinção de estado. Depois da primeira e segunda guerra o problema fora motivo de preocupação, sem que a doutrina tenha conseguido consolidar normas gerais para assegurar a evolução na matéria.
         Pelos requisitos de nascimento de um estado, decorre a conseqüência lógica que o desaparecimento definitivo de um deles implica na extinção de um estado. O desaparecimento de toda a população, como num êxodo, ou de um território parecem inviáveis, os cientistas, porém, alertam que com o aquecimento global e o efeito estufa, grandes áreas costeiras podem ser inundadas e ilhas inteiras podem submergir; inserindo-se aí a categoria de refugiados ambientais.
         Para O’CONNELL (1970), o princípio central em matéria de sucessão de estados pode ser considerado como o mínimo de distúrbio às situações jurídicas existentes, de modo consistente com o atual estado de relações, resultantes da sucessão de estados. Nenhuma norma única será encontrável, que se ajuste a todas as situações de mudança de soberania, e a função do jurista é a de aplicar, em cada caso de sucessão de estados, as normas tal como sejam discerníveis na tradição jurídica, com referência ao padrão de continuidade ou descontinuidade.
         O DI consuetudinário não é estático, e observando as sucessões de estados, ZEMANEK analisa o quanto as normas da Convenção de Viena (1978 e 1973) foram adotadas pela comunidade, e quanto “saíra de moda” a tabula rasa ou o clean state, formada por alguns estados recém independentes pretendendo ingressar na comunidade internacional sem quaisquer direitos ou obrigações do estado predecessor, passando os novos estados a perceber o conflito com a interdependência dos estados, no mundo real, tendo em vista os interesses do próprio estado.
         Como umas das formas de extinção temos a absorção completa de um estado pó outro. Atualmente, a anexação e posterior transformação de qualquer país em colônia, ou que pretenda o seu desaparecimento, enquanto sujeito de DI é, teórica e juridicamente, impossível, em face dos termos da Carta da ONU.
         Caso o território não seja anexado por um só estado, ocorreria o seu desmembramento, com o território repartido em dois ou mais estados. Caso da Grã-Colômbia, do Império Austro-Húngaro e da URSS citados anteriormente.
         Caso dois estados se unam para formar uma nova entidade, ocorrerá a fusão, com a perda da personalidade internacional dos antigos estados a favor da nova entidade. Como ocorrera com a Itália e a Tanzânia.
         Pela Convenção de Viena de 1978 e 1983, a sucessão de estados consiste na substituição do estado predecessor, por outro, o estado sucessor.
         As sucessões de estado decorrentes das guerras foram baseadas principalmente na autodeterminação, embora na prática fora simples imposição da vontade dos vencedores. Posteriormente, no processo de descolonização pós segunda guerra, o princípio passou a ser invocado na independência da quase-totalidade dos territórios dependentes.
         O primeiro a esboçar algumas teorias acerca da sucessão de estados foi nosso querido Grócio, que influenciou uma vasta gama de juristas posteriores. Grócio buscava uma solução no direito romano, que por analogia com o direito civil, colocava que com a morte de uma pessoa a aceitação da herança implica também a dos ônus. Uma segunda corrente prefere recorrer ao direito público, afastando-se do direito privado, embora na prática os resultados sejam bastante semelhantes.
         A tendência mais aceita é a de rejeitar a noção de sucessão, isto é, de direitos e obrigações ligados à extinção do estado; a questão é de soberania sobre o território, sendo que com a extinção do estado ocorre a tabula rasa ou clean state. Admite-se, porém, algumas exceções, como nos tratados de fronteira, direitos adquiridos e da equidade.
         As Convenções de Viena adotam essa orientação examinando cinco hipótese:
a)    transferência de parte do estado, sem que isso afete a personalidade dos dois estados, ou seja, ambos continuam a existir;
b)    surgimento de estado recém-independente (newly independent state);
c)    união de estados;
d)    separação de parte ou de partes de estados com a conseqüente formação de novo estado;
e)    dissolução de estado.
Houve muita relutância em aceitar direitos específicos aos estados recém-independentes, já que os eventuais territórios que poderiam tornar-se independentes eram poucos e a hipótese teria pouca aplicabilidade prática.
Princípio importante é o de que a sucessão não altera os tratados relativos às fronteiras, como estabelece o artigo 13 da Convenção de 1978. Salientam-se os tratados sobre direitos reais, como os de navegação e de servidão, cuja manutenção depende do estado vizinho.



2.4.1 – sucessão em matéria de tratados e outros atos

         A Convenção de Viena sobre sucessão de estados em matéria de tratados foi assinada em 23 de agosto de 1978, mas devido a impasses em relação a alguns artigos, ela entra em vigor somente em 1996.
         O artigo 11 da Convenção estabelece que a sucessão de estados não afeta as fronteiras nem as obrigações e os direitos determinados por tratado, relativos ao regime de fronteiras.
         No caso de transferência de território de um estado para outro sem que ocorra a extinção de um deles, o artigo 15 prevê que os tratados do estado predecessor deixam de vigorar, salvo se demonstrado que a aplicação do tratado àquele território seria incompatível com seu objeto e finalidades, ou que poderá modificar radicalmente as condições para a sua implementação. Aplica-se o princípio da imobilidade das fronteiras dos tratados.
         Ocorrendo separação de parte de um território para a formação de outro estado, os tratados políticos desaparecem. Enquanto que tratado em vigor relativo ao território do estado predecessor assim o continua, a não ser que as partes decidam de outra maneira.
         Em caso de separação ou desmembramento, admite-se, em princípio, que os novos estados podem não estar ligados aos tratados celebrados pelo estado que faziam parte, quando não os poderão invocar em seu favor.
         No caso de fusão de estado, os tratados multilaterais continuam a vigorar, dado que o sistema internacional é regulado por eles e o interesse é do conjunto de estados; já os tratados bilaterais devem ser renegociados, a não ser que expressamente mantido pela vontade das partes.

2.4.2 – sucessão em, matéria de bens, arquivos e dívidas     

         A Convenção de Viena sobre sucessão de estados em matéria de bens, arquivos e dívidas, assinada em Viena, em 8 de abril de 1983, é a única tida pela doutrina como inaceitável, tanto que sequer entrou em vigor. A razão da não-aceitação reside na preocupação dos países afro-asiáticos de forçar a adoção de regras para favorecer os países, geralmente antigas colônias de independência recente.
         Em caso de anexação total ou parcial, a legislação do estado anexante passa a vigorar; em caso de fusão, a matéria é regulada pelos estados que se fundem; ocorrendo separação ou desmembramento, é natural que o novo estado estabeleça sua própria legislação, podendo viver com a do estado anterior durante um período de transição.
         Ainda no caso de anexação parcial, a nacionalidade do estado anexador deve estender-se aos habitantes da parte anexada, apesar de poderem eles optarem pela nacionalidade que possuíam; na fusão, haverá apenas uma nacionalidade, a do novo estado; e no desmembramento ou separação surge novo estado e nova nacionalidade aplicável aos seus habitantes.
         A sucessão em matéria de bens, tradicionalmente, era feita sem compensação para os bens públicos, e mediante compensação para os bens privados, a Convenção porém muda isso e coloca que a passagem será realizada sem compensação, salvo acordo entre as partes ou decisão de órgão internacional. O artigo 9 dispõe que a passagem de bens acarreta na extinção de direitos do estado predecessor, e nascimento para o sucessor.
         Na transferência de parte de território de um estado, os imóveis passarão ao sucessor, assim como os móveis vinculados às atividades do predecessor no antigo território, a não ser que a vontade das partes seja outra. No caso de fusão os bens dos estados antigos passam para a nova unidade. Na dissolução, os imóveis situados no estado sucessor passam para ele, e os imóveis e móveis situados no exterior passam aos estados sucessores em proporções eqüitativas.
         A sucessão em matéria de arquivos, a princípio deve ser feita sem compensação, respeitando-se o caráter integral dos arquivos. A expressão arquivos estatais do estado predecessor, nos termos do artigo 20 da Convenção, significa todos os documentos que na data da sucessão de estados lhe pertenciam, de acordo com a sua legislação interna, e eram por ele conservados direta ou indiretamente.
Ocorrendo transferência de território sem a formação de novo estado, os arquivos relativos à administração normal ou ao território devem ser passados ao sucessor, sendo os outros arquivos dependentes de acordo. Na fusão os arquivos dos predecessores passarão para o novo estado.
         No concernente às fronteiras, o estado predecessor deve fornecer ao estado sucessor documentos tendentes a comprovar os direitos sobre elas.
         A Convenção ainda prevê a possibilidade de troca de informações, de arquivos ou de reproduções tendentes a garantir a memória nacional.
         A sucessão em matéria de dívidas é dos problemas mais difíceis e complexos. Cabe adotar os critérios de equidade e de proporcionalidade adotados na Resolução de Vancouver, de 2001.
         O projeto da CDI, que acabou sendo acolhido, prevê que por dívidas de estado entende-se “qualquer obrigação financeira de estado predecessor surgido de conformidade com o direito internacional para com o outro estado, organização internacional ou qualquer outro sujeito do direito internacional”.
         No caso de transferência de parte do território, a regra adotada pela Convenção é a já tradicionalmente adotada na Europa, de que parte da dívida, baseada nas taxas pagas no passado pela população do estado predecessor, deve passar ao estado sucessor.
         A preocupação do relator da Convenção em proteger os países recém independentes resultou em regras que foram muito combatidas, principalmente por seguirem o princípio de que nenhuma dívida do estado predecessor passará ao sucessor. Defendia ainda a tese de que o estado sucessor tinha o direito de repudiar tratado assinado com o seu predecessor às vésperas da independência ou pouco depois dela. Essa tese consta no artigo 38 § 2º da Convenção, e foi motivo de rejeição da Convenção por diversas delegações.
         No caso de união de estados, as dívidas passam ao estado sucessor. Na separação de parte do território de um estado, a dívida passará numa porção equitativa, a não ser que as partes consintam de maneira diversa. Na dissolução a mesma regra se aplica: os estados sucessores arcarão com parte da dívida, em base aos direitos de propriedade.

2.4.3 – Naturalização coletiva, por cessão ou por anexação territorial
        
         No caso de anexação territorial, quer pacificamente ou como imposição consecutiva a guerra, ocorre a naturalização coletiva dos habitantes daquele território, excluídos os estrangeiros        ali domiciliados ou residentes.
         Aos nacionais de estado anexado ou de cuja parte é transferida a outro, vários sistemas têm surgido. O mais adotado, inclusive pelo tratado de paz de Versalhes, de 1919, foi o que aplica a mudança aos domiciliados no território transferido. Outro sistema seria o da origem, em que a mudança aplica-se aos naturais daquele território, residentes ou não. Há ainda o sistema que exige os dois ao mesmo tempo, origem e domicílio, e outro que existindo qualquer das duas circunstâncias seria aplicável a mudança da nacionalidade.

         O que geralmente se concede aos habitantes é o direito de opção, que pode ser exercido em diversas modalidades. Pela simples emigração para outro território, no desejo contrário à nova nacionalidade; por declaração formal, relativa a conservação da nacionalidade de origem, sem a exigência de emigração; ou ainda por declaração formal acompanhada da emigração, às vezes imposta como conseqüência necessária da declaração. Uma quarta modalidade, adotada pela Convenção sobre Nacionalidade, de Montevidéu, de 1933, segue que os habitantes do território transferido poderão manter a antiga nacionalidade e só adquirirão a nova se por ela optarem expressamente.

Um comentário:

  1. Considerei muito importante ter este material para ajudar na sistematização do estudo deste importante tema.

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