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04 de
dezembro de 2014
Mantenho a tese: é inconstitucional repristinar a separação
Publicado
por Flávio
Tartuce - 6 dias atrás
Por Lênio
Streck
Os
ilustres juristas Lauane Volpe Camargo, Luiz Henrique Volpe Camargo e Dierle
Nunes publicaram repto ao meu artigo no qual defendi a
tese de que a tentativa de ressuscitar a separação judicial feria a Constituição. Dizem eles, em resumo, que a EC 66 não baniu a separação judicial do mundo
jurídico. Dizem que o sistema dual obrigatório foi substituído pelo sistema
dual opcional, facultativo. Assim, segundo os meus críticos, o casal pode
optar, desde logo, por se divorciar, como também optar por apenas de separar.
Para eles, ao que entendi, a EC 66 serviu apenas para dizer que não há mais a
proibição do imediato divórcio. Mas se alguém quiser só se separar, pode.
De minha
parte, fico com a minha posição anterior, baseada no constitucionalismo. E, de pronto,
invoco o cabeçalho da EC publicada no DOU lê-se (como todos sabem, sou adepto
da hermenêutica filosófica, pela qual “se queres dizer algo sobre um texto,
deixe que este te diga algo antes):
Dá nova
redação ao parágrafo 6º do artigo 226
da Constituição Federal, que dispõe sobre a
dissolubilidade do casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito de
prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato
por mais de dois anos.
Por isso,
entendo que a separação foi varrida do mapa. Estava na Constituição e agora foi expungida. Qual seria o
sentido da EC 66? Não esqueçamos que, como já referi, um pouco
de interpretação história por vezes é importante, pelo menos para, no limite,
“desempatar” o jogo interpretativo. Vejamos o que diz a justificativa da EC 66:
“Como
corolário do sistema jurídico vigente, constata-se que o instituto da separação
judicial perdeu muito da sua relevância, pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio
necessário para a sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto
possível revela-se natural para os cônjuges desavindos, inclusive sob o aspecto
econômico, na medida em que lhes resolve em definitivo a sociedade e o vínculo
conjugal.”
Não fosse
isso suficiente, fico com o que restou do texto da Constituição. E como ficou o texto constitucional depois da EC 66? Simples. Ficou assim:
“O
casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”.
O que
isto quer dizer? Quer dizer que, na medida em que a família e a dissolução do
casamento está na Constituição (não por culpa minha — na verdade,
por mim, isso seria matéria de lei ordinária), tem-se que a única maneira que
existe para fazer uma dissolução do vínculo matrimonial é o divórcio. Isso
exsurge de uma hermenêutica da Constituição, porque sequer o texto constitucional estabelece algo como “lei
ordinária pode estabelecer outras formas de dissolução”.
Daí minha
indagação: banir a separação judicial do sistema normativo significa — mesmo —
afrontar a privacidade das pessoas? Qualquer que seja a opção teórica defendida
— banimento ou manutenção da separação —, a verdade é que o problema não se
situa no plano pretendido pelos articulistas justamente em vista da EC 66, que implodiu o sistema dual obrigatório. Antes,
havia sim afronta à liberdade da vida familiar (que decorre da
privacidade), pois o Estado, mediante lei, criava embaraços para a obtenção do
divórcio e realização de novos casamentos. Isso acabou. Algo bem diferente é o
Estado eliminar a separação judicial: fazendo isso tão-só exorcizou o sistema
dual obrigatório, além de facilitar e robustecer o divórcio, já que agora por
meio dele sociedade conjugal e vínculo conjugal dissolvem-se
mutuamente.
Não há
aí, com a devida vênia, qualquer atropelo à liberdade da vida familiar ou aos
demais desdobramentos da privacidade. O sistema normativo, ao contrário do que
sugerem os articulistas, não estabelece a “ditadura do divórcio obrigatório”:
podem muito bem, seguindo a sua própria autonomia da vontade, optar por simplesmente
se afastarem um do outro pelo tempo que reputarem necessário para repensar a
relação. Alternativa que além de menos burocrática — nada de escrituras
públicas ou ações judiciais para terminar com a sociedade conjugal —,
pauta-se na economia e sensatez, essa última uma qualidade que se presume
incorporada ao caráter daqueles que, por alguma razão, não se sentem ainda
preparados para o divórcio.
Aliás, é
preciso permanecer vigilante para que não tenhamos um modelo interpretativo que
deprecie um dos mais evidentes corolários da supremacia constitucional que é a interpretação
conforme à Constituição. No caso, cuida-se de rejeitar
formulações que impliquem uma interpretação da Constituição conforme as leis cuja ideia
motriz, segundo Canotilho, está na premissa de que o processo de concretização
da Constituição poderia ser auxiliado pelo recurso a
leis ordinárias. É certo que existe um diálogo entre constitucionalidade e
infraconstitucionalidade. Mormente nos casos de reserva de lei, algo que não
ocorre no caso em tela. Aqui, o espaço de conformação legislativa foi encurtado
severamente pelo texto constitucional. No caso, a futura lei —
caso venha a ser aprovada — estará introduzindo, ela própria, um sentido
inconstitucional. Admitir isso, como bem diz o mestre português, seria admitir
que a legalidade da constituição sobrepor-se-ia à constitucionalidade
da lei.[1]
De todo
modo, quero dizer que minha preocupação foi com relação à Constituição e ao constitucionalismo. Não quis
discutir a (in) pertinência do instituto da separação judicial para o nosso
direito privado. Sem embargo de que, para mim, a possibilidade de “escolher”
pelo antigo modelo dual ou pelo divórcio direito, não implique,
necessariamente, maior deferência à autonomia privada e, consequentemente,
menor intervenção do Estado na vida dos casais. Ao contrário, o corriqueiro é
que, no decorrer do processo de separação judicial, o Estado intervenha a todo
momento, para dar vazão aquilo que virou certo consenso no direito de família
de que, durante tal processo, deve-se privilegiar a reconciliação do casal em
detrimento da dissolução da sociedade conjugal. Entre outras coisas. Parece-me
que, no caso, há muito mais Estado intrometendo-se na vida conjugal justamente
quando existe a possibilidade da separação. De todo modo, a discussão sobre a
separação e o divórcio foram apenas pano de fundo para uma discussão maior.
Minha preocupação é com o precedente que pode ser aberto. Se a moda pega,
qualquer matéria que esteja na Constituição e que venha a ser expungida via
Emenda pode vir a ser “rediviva” por lei ordinária. Pensemos no seguinte
exemplo: por emenda constitucional, retira-se da Constituição um inciso sobre competência de
legislar sobre determinado tributo. Dois ou três anos depois, na feitura de um
novo Código Tributário, a matéria volta, desta vez por lei ordinária. Com isso,
estaríamos acabando com a rigidez da Constituição.
Por tais
razões, respeitando as opiniões de meus três inteligentes interlocutores,
mantenho minha tese acerca da matéria, por entender estar mais adequada ao
constitucionalismo contemporâneo.
Cf. Canotilho, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003,
pp. 1233-1234.
Fonte: Conjur. Com autorização do
autor.
Advogado
e consultor em São Paulo. Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito
Civil Comparado pela PUCSP. Professor do programa de mestrado e doutorado da FADISP.
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação da EPD, sendo coordenador dos
últimos. Professor da Rede LFG. Autor da Editora...
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