Fonte : https://contradita.wordpress.com
Leiam abaixo o
relato do jurista Saulo Ramos, ex-ministro da Justiça, responsável pela
nomeação de Celso Mello para o STF no governo José Sarney. Saulo revela que
Mello, depois, votou contra Sarney, que o nomeara, para
desmentir da Folha de S. Paulo. Mello alegou a Saulo que votou contra
Sarney porque o ex-presidente da República já tinha votos suficientes, mas que
se precisasse, votaria a favor.
Celso de
Mello, que proferiu duras palavras contra os mensaleiros durante o julgamento,
terá o voto de minerva que decidirá não só o futuro do processo, mas o futuro
do único Poder que ainda conserva certa credibilidade perante a opinião
pública. A decisão ocorre na próxima quarta-feira.
“Terminado seu
mandato na Presidência da República, Sarney resolveu candidatar-se a Senador. O
PMDB — Partido do Movimento Democrático Brasileiro — negou-lhe a legenda no
Maranhão. Candidatou-se pelo Amapá. Houve impugnações fundadas em questão de
domicílio, e o caso acabou no Supremo Tribunal Federal.
Naquele
momento, não sei por que, a Suprema Corte estava em meio recesso, e o Ministro
Celso de Mello, meu ex-secretário na Consultoria Geral da República, me
telefonou:
— O processo
do Presidente será distribuído amanhã. Em Brasília, somente estão por aqui dois
ministros: o Marco Aurélio de Mello e eu. Tenho receio de que caia com ele,
primo do Presidente Collor. Não sei como vai considerar a questão.
— O Presidente
tem muita fé em Deus. Tudo vai sair bem, mesmo porque a tese jurídica da defesa
do Sarney está absolutamente correta.
Celso de Mello
concordou plenamente com a observação, acrescentando ser indiscutível a matéria
de fato, isto é, a transferência do domicílio eleitoral no prazo da lei.
O advogado de
Sarney era o Dr. José Guilherme Vilela, ótimo profissional. Fez excelente
trabalho e demonstrou a simplicidade da questão: Sarney havia transferido seu
domicílio eleitoral no prazo da lei. Simples. O que há para discutir? É público
e notório que ele é do Maranhão! Ora, também era público e notório que ele
morava em Brasília, onde exercera o cargo de Senador e, nos últimos cinco anos,
o de Presidente da República. Desde a faculdade de Direito, a gente aprende que
não se pode confundir o domicílio civil com o domicílio eleitoral. E a
Constituição de 88, ainda grande desconhecida (como até hoje), não estabelecia
nenhum prazo para mudança de domicílio.
O sistema de
sorteio do Supremo fez o processo cair com o Ministro Marco Aurélio, que, no
mesmo dia, concedeu medida liminar, mantendo a candidatura de Sarney pelo
Amapá.
Veio o dia do
julgamento do mérito pelo plenário. Sarney ganhou, mas o último a votar foi o
Ministro Celso de Mello, que votou pela cassação da candidatura do Sarney.
Deus do céu! O
que deu no garoto? Estava preocupado com a distribuição do processo para a
apreciação da liminar, afirmando que a concederia em favor da tese de Sarney,
e, agora, no mérito, vota contra e fica vencido no plenário. O que aconteceu? Não
teve sequer a gentileza, ou habilidade, de dar-se por impedido. Votou contra o
Presidente que o nomeara, depois de ter demonstrado grande preocupação com a
hipótese de Marco Aurélio ser o relator.
Apressou-se
ele próprio a me telefonar, explicando:
— Doutor
Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do Presidente.
— Claro! O que
deu em você?
— É que
a Folha de S. Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de
que o Presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou
meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o Presidente já
estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu.
Votei contra para desmentir a Folha de S. Paulo. Mas fique
tranqüilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do Presidente.
Não acreditei
no que estava ouvindo. Recusei-me a engolir e perguntei:
— Espere um
pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a
Folha de S. Paulo noticiou que você votaria a favor?
— Sim.
— E se o
Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse
caso, votaria a favor dele?
— Exatamente.
O senhor entendeu?
— Entendi.
Entendi que você é um juiz de merda! Bati o telefone e nunca mais
falei com ele.”
(Saulo
Ramos, “Código da Vida”, Ed. Planeta, 8ª reimpressão, 2007)
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