JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
Abaixo o terrorismo fiscal. E por favor: aposentem as capas pretas!
5 de junho de 2017, 8h01
“A
Justiça é representada por uma mulher semi-nua, com os seios à mostra, com os
olhos vendados, sem nada enxergar e, pior ainda, portando uma arma, a espada.
Portanto, não se pode nela confiar.” (Jean Carcagne)
Neste
período difícil da economia brasileira muitas pessoas perderam seus empregos e
buscam sobreviver criando pequenas empresas. Isso é salutar para o país, pois
melhora a economia e abre novas oportunidades de trabalho.
Todos os
níveis de governo declaram que essa é a nossa grande solução. O governo
federal, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) tem anunciado que incentiva micro, pequenas e médias empresas, tendo
criado até um cartão de crédito para facilitar que tais empreendedores
financiem seus negócios com o mínimo possível de burocracia. Estados e
municípios facilitam a abertura desses negócios. Afirmam hoje que é possível em
poucos dias abrir uma empresa.
Mas na
prática a teoria é outra. Uma pequena empresa individual, criada em 2008 num
shopping, mudou-se para local mais modesto em 2015 como forma de adequar-se às
atuais condições do país. Sempre pagou religiosamente seus tributos. Trocou de
contador, optando por escritório menor, a custos mais razoáveis.
O novo
contador verificou que, em decorrência da chamada “guerra fiscal” de ICMS e da
idiotice denominada “substituição tributária”, foram cometidos na escrituração
dois equívocos: por erro de digitação foi registrado valor que não existia em
determinado mês, enquanto outro fora declarado a maior. Comunicou tais fatos ao
posto fiscal para as necessárias retificações, através dos mecanismos
informatizados existentes.
Ironia
máxima: no mês de maio, próximo ao “Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte”,
a empresa recebeu aviso de Cartório de Protesto, decorrente daqueles
lançamentos indevidos, cuja correção solicitara espontaneamente, na forma e
tempo corretos!
A Lei 12.325/2010, que criou tal “comemoração” diz que nas
repartições fazendárias os “servidores de tais órgãos participarão ativamente
das atividades de celebração do Dia Nacional de Respeito ao Contribuinte.” Os
leitores verão mais sobre isso na coluna de 25 de maio de 2015,
com o título “O Dia Nacional do Respeito ao Contribuinte existe; só falta o
respeito”.
A
empresária teve que contratar advogado para resolver o assunto, pois se for
protestada, seus negócios serão prejudicados. Como alguns de nossos
governantes, ficaria com o nome sujo!
O
contador que cometeu o erro assumiu a responsabilidade e os custos da questão.
O valor da suposta dívida sequer pode ser depositado em juízo, eis que, com
encargos e multas, ultrapassa o faturamento da empresa, já muito comprometido
com salários, encargos, aluguel etc.
O
terrorismo fiscal está claro. No posto fiscal a empresa sequer foi atendida.
Informaram que o ajuste demora cerca de 90 dias (sic), o que não se explicava
nem no tempo da máquina de escrever! Isso por causa de GREVE dos fiscais. O
Estado paga mal, gasta mal e o contribuinte sofre!
O pior
desses atos de terrorismo é que, além de serem desagradáveis, são inúteis.
Maior tragédia ainda é que o protesto de CDA foi considerado legal pelo
Superior Tribunal de Justiça, o que deixa em dúvida o saber jurídico de seus
ministros.
Veja-se
que o STJ anteriormente decidira de forma totalmente contrária. Parte da
decisão, sendo relator o então ministro Cesar Asfor Rocha, é muito clara:
“Se a CDA
comprova o inadimplemento do débito fiscal, gozando inclusive de presunção de
certeza e liquidez, não há sentido em admitir que ela seja levada a protesto,
porque a finalidade deste, nos termos do art. 1º da Lei 9.492/1997 é a prova do
inadimplemento e o descumprimento da obrigação originada em títulos e outros
documentos de dívida. A única forma de se cobrar dívida fiscal é por meio de
execução fiscal e, para tanto, basta que a Fazenda Pública instrua a petição
inicial executiva com a CDA. Assim, o protesto não se enquadra no procedimento
legal previsto para a cobrança da dívida ativa.” (AgrRg no Rec. Esp. 1.277.348,
Relator Min. Cesar Asfor Rocha).
Sobre tais protestos, viabilizados pela Lei 12.767 de 28 de dezembro de
2012, que resultou da MP 577, manifestei-me poucos dias depois de sua vigência,
como se vê em nossa coluna de 7 de janeiro de 2013,
com o título “Contribuinte deve protestar e não ser protestado”.
Por essas
e outras razões é que já afirmei diversas vezes que, em matéria tributária,
neste país até o passado é imprevisível!
Themis, que era a deusa da Justiça, por aqui já se tornou prostituta,
como afirmou James Hetfield, da banda Metallica, que se referia a outro país na
música Justice for All. Ouvindo-a com atenção, publiquei coluna em 30 de janeiro de 2015 sugerindo
que “profissionais do Direito deveriam ouvir mais heavy metal”.
A par
desses posicionamentos da instância superior, há divergências sobre o assunto.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já decidiu da seguinte forma:
“Conclui-se
que o escopo do protesto é garantir o direito creditício face ao devedor.
Contudo, a Fazenda Pública carece de interesse em protestar os débitos inscritos
em Dívida Ativa, ante a exequibilidade do título, que goza da presunção de
certeza e liquidez. De fato, explica HUGO DE BRITO MACHADO: “A dívida ativa
regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. A certidão de
inscrição respectiva tem o efeito de prova pré-constituída (CTN, art. 204).
Essa presunção, todavia, é relativa, podendo ser elidida por prova inequívoca a
cargo do sujeito passivo ou do terceiro a quem aproveite (CTN, art. 204,
parágrafo único). A isto equivale dizer que a dívida ativa regularmente
inscrita é líquida até prova em contrário. Líquida quanto a seu montante;
certa, quanto à sua legalidade.” (Curso de Direito Tributário 29ª ed. Malheiros
pág. 258). E, conforme bem observado por LUIZ EMYGDIO F. ROSA JR.: “A Fazenda Pública
não tem interesse em protestar a Certidão de Dívida Ativa, porque o único
objetivo de tal protesto é aplicar sanção política ao contribuinte (STJ, REsp
287.824 MG). O Fisco dispõe de meio próprio para cobrança de tributos
consistentes na execução fiscal disciplinada pela Lei nº 6.830/80” (Títulos de
Crédito Renovar 7ª ed. pág. 386)” (TJSP. Apelação nº 1016914-30.2014.8.26.0068.
Re. Des. Carlos Eduardo Pachi. D. J. 10.06.2015).
Em
decisão mais recente, de 19 de outubro de 2016, no Agravo de Instrumento
2136468-78.2016.8.26.0000, sendo relator o desembargador José Maria Câmara
Júnior registrou-se que:
“Ressalvado
entendimento pessoal do Relator, prevalência do entendimento predominante na
Câmara, que aponta para a ausência de interesse para a Fazenda promover o
protesto do título executivo. A busca pela satisfação do crédito deve operar-se
do meio menos gravoso para o devedor. Comprovação dos requisitos legais para a
concessão da liminar. Protestos sustados. Decisão reformada.”
Ora, se
foi emitida uma CDA, que pode gerar de imediato uma Execução Fiscal, com
penhora de bens e bloqueio de ativos financeiros, parece ser razoável supor que
os protestos servem apenas para melhorar as receitas dos Tabelionatos.
Tentam
justificar o protesto dizendo que processos judiciais custam mais e são
demorados. Processos são demorados porque não se cumpre a disposição
constitucional que ordena sua “razoável duração”.
Noticiamos em 5 de março de 2014 que a Justiça obrigou a Receita Federal a
decidir processo administrativo em 10 (dez) dias!
Se há
milhões de processos que não deveriam existir, isso tem remédio. Para início de
conversa, deveria haver um esforço relativamente simples: arquivar todas as
execuções fiscais que já estão prescritas.
Há notícia na ConJur de execução de ICMS paralisada por
mais de 12 anos!
A lei
vigente não apenas permite, mas obriga o magistrado a extinguir processos que
perderam a razão de existir.
O
Judiciário ainda não acordou para a necessidade de reinventar-se, chegando ao
século 21. Há magistrados brilhantes que se preocupam com solenidades, medalhas
e coisas sem importância, quando poderiam organizar um grande mutirão para
reduzir a quantidade de processos inúteis. E por favor: aposentem essas capas
pretas!
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