JusBrasil
- Artigos
13 de
dezembro de 2014
Cláusula
penal deve ser proporcionalmente reduzida em caso de adimplemento parcial da
obrigação
Comentários ao REsp 1.212.159-SP
- STJ - 3ª turma
Publicado por Vitor
Guglinski - 2 dias atrás
Cuida-se de entendimento fixado pela 3ª Turma do
STJ, no sentido de que, havendo cumprimento parcial da obrigação contratualmente
assumida, caberá a redução proporcional da multa contratual estipulada em
cláusula penal. Como destacado no julgado, não se trata de redução por
onerosidade excessiva, prevista na segunda parte do art. 413 do CC/2002,
mas por descumprimento parcial da obrigação, conforme previsão da primeira
parte do mesmo dispositivo.
Confira-se:
CLÁUSULA PENAL. REDUÇÃO. ADIMPLEMENTO PARCIAL
Na hipótese, cuidou-se de contrato de autorização
para uso de imagem celebrado entre um atleta e sociedade empresária no ramo
esportivo. Ocorre que, no segundo período de vigência do contrato, a sociedade
empresária cumpriu apenas metade da avença, o que ocasionou a rescisão
contratual e a condenação ao pagamento de multa rescisória. Assim, a quaestio
juris está na possibilidade de redução da cláusula penal (art. 924 do CC/1916),
tendo em vista o cumprimento parcial do contrato. Nesse contexto, a Turma
entendeu que, cumprida em parte a obrigação, a regra contida no mencionado
artigo deve ser interpretada no sentido de ser possível a redução do montante
estipulado em cláusula penal, sob pena de legitimar-se o locupletamento sem
causa. Destacou-se que, sob a égide desse Codex, já era facultada a
redução da cláusula penal no caso de adimplemento parcial da obrigação, a fim
de evitar o enriquecimento ilícito. Dessa forma, a redução da cláusula penal
preserva a função social do contrato na medida em que afasta o desequilíbrio
contratual e seu uso como instrumento de enriquecimento sem causa. Ademais,
ressaltou-se que, no caso, não se trata de redução da cláusula penal por
manifestamente excessiva (art. 413 do CC/2002),
mas de redução em razão do cumprimento parcial da obrigação, autorizada pelo
art. 924 do CC/1916.
In casu, como no segundo período de vigência do contrato houve o cumprimento de
apenas metade da avença, fixou-se a redução da cláusula penal para 50% do
montante contratualmente previsto. Precedentes citados: AgRg no Ag 660.801-RS,
DJ 1º/8/2005; REsp 400.336-SP, DJ 14/10/2002; REsp 11.527-SP, DJ 11/5/1992;
REsp 162.909-PR, DJ 10/8/1998, e REsp 887.946-MT, DJe 18/5/2011. REsp
1.212.159-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 19/6/2012.
COMENTÁRIOS
Ao tratar do inadimplemento das obrigações em nosso
sistema jurídico, a atual codificação disciplinou a cláusula penal no Capítulo
V, do Título IV, do Código
Civil de 2002 (art. 408 a 416), matéria que, na codificação
anterior, encontrava-se regulada entre os arts. 916 e 927. Daí a menção do art. 924 do CC/1916
no julgado em estudo, que merecerá nossa atenção ao longo destes comentários.
Inicialmente, cabe um breve esclarecimento acerca
da finalidade e da natureza jurídica da cláusula penal no direito das
obrigações. A finalidade desse instituto situa-se na necessidade de se
estabelecer uma sanção a quem descumpre total ou parcialmente um dever
contratualmente assumido, possuindo natureza acessória à obrigação principal,
visando garantir o cumprimento desta ou, conforme o caso, ressarcir o parceiro
contratual lesado pelo inadimplemento.
No que interessa ao objeto de nossas atenções,
devemos voltar os olhos para o estatuído no art. 413 do código em vigor, que
assim dispõe:
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida
equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em
parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em
vista a natureza e a finalidade do negócio.
O dispositivo, segundo adverte a doutrina, trouxe
parcial inovação ao nosso ordenamento jurídico, na medida em que resultou no
acréscimo de mais uma hipótese em que a penalidade deverá ser reduzida pelo
juiz, qual seja, em caso de onerosidade excessiva.
Além disso, estão ínsitos na regra em questão
importantes princípios que orientam a mentalidade da nova codificação, a saber:
boa-fé, eticidade e solidariedade. Sendo assim, os contratos não devem servir
como instrumentos para auferir vantagens indevidas, dentre elas o
locupletamento sem causa, como bem destacado no julgado. Frise-se que nosso
sistema jurídico não condena o enriquecimento; ao contrário, o permite, porém
dentro das regras éticas e morais, o que legitima a intervenção judicial na
autonomia privada - que hoje está relativizada - por força das normas
constitucionais que protegem a dignidade humana. Em outras palavras, a regra
objetiva efetivar a função social dos contratos.
No sistema anterior, o art. 924 do CC/1916
previa a redução da pena convencional apenas no caso de descumprimento parcial
da obrigação. Vejamos o que dizia a regra:
Art. 924. Quando se cumprir em parte a obrigação,
poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora
ou inadimplemento.
Comparando-se os dispositivos, outra diferença é
digna de nota: na regra atual, a redução da penalidade é um dever do juiz; na
anterior, uma faculdade, uma vez que o atual art. 413 diz que “a penalidade deve
ser reduzida pelo juiz...”, enquanto o antigo art. 924 dizia que “... Poderá
o juiz reduzir...” Sobre esse ponto específico, parcela importante da
doutrina considera que a regra do sistema atual é de ordem pública, portanto
passível de aplicação ex officio pelo magistrado, inadmitindo-se sua
exclusão por acordo de vontade dos contratantes. Comungam desse entendimento a
Professora Maria Helena Diniz e os professores Flávio Tartuce, Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, tendo a matéria sido objeto de apreciação na
IV Jornada de Direito Civil - CJF/STJ, resultando no Enunciado nº 356, proposto
pelo Professor Cristiano Cassetari, com a seguinte redação: “Nas hipóteses
previstas no art. 413 do Código
Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício”.
Feitos estes breves apontamentos, no caso do acórdão
em análise nota-se que a decisão se refere a contrato em que uma das partes –
uma sociedade empresária -, assumindo obrigação perante um atleta, cumpriu
apenas metade do avençado. Com base nisso, a Turma julgadora houve por bem
reduzir, também pela metade, a pena estipulada no contrato para o caso de
inadimplemento. Trata-se, então, de hipótese prevista na primeira parte do art.
413 do CC/2002.
Cumpre esclarecer que, em que pese a decisão
parecer simplória, por aparentemente ter realizado mera operação matemática
(descumprimento de metade da obrigação = redução de metade da pena contratual),
há vozes na doutrina que esclarecem não ser essa uma regra absoluta.
Com efeito, proposta nesse sentido foi acatada e
materializada no Enunciado nº 359, aprovado também na IV Jornada de Direito
Civil - CJF/STJ, que assim está redigido: “A redação do art. 413 do Código
Civil não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente
idêntica ao percentual adimplido”. O autor da proposta, segundo aponta
Flávio Tartuce, é o jurista gaúcho Jorge Cesa Ferreira da Silva, que assim
justificou o verbete:
“A pena deve ser reduzida equitativamente. Muito
embora a ‘proporcionalidade’ faça parte do juízo de equidade, ela não foi
referida no texto e tal circunstância não é isenta de conteúdo normativo.
Ocorre que o juízo de equidade é mais amplo que o juízo de proporcionalidade,
entendida esta como ‘proporcionalidade direta’ ou ‘matemática’. Assim, por
exemplo, se ocorreu adimplemento de metade do devido, isso não quer dizer que a
pena prevista deve ser reduzida em 50%. Serão as circunstâncias do caso que
determinarão. Entrarão em questão os interesses do credor, não só patrimoniais,
na prestação, o grau de culpa do devedor, a situação econômica deste, a
importância do montante prestado, entre outros elementos de cunho valorativo”
(SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: RT,
2006, p. 273, apud, TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 2: Direito das
Obrigações e Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Método, 2012, p. 244).
No julgado examinado, a Terceira Turma do STJ houve
por bem estabelecer a razão de 50% entre o adimplemento parcial da obrigação e
a redução da penalidade, mas, nada obstante, é de se concordar com o etiquetado
no referido Enunciado nº 359, pois ao juiz cabe analisar todas as
circunstâncias que cercam a questão posta à sua apreciação, com base no bom
senso, na razoabilidade e na equidade. Do contrário, bastaria que a máquina
judiciária funcionasse com o emprego de computadores previamente programados,
proferindo os julgamentos com base em operações matemáticas.
Sintetizando, na sistemática atual, além de a
redução da pena contratual basear-se no adimplemento parcial da obrigação,
também poderá ser aplicada aos casos em se revele manifesta e excessivamente
onerosa. Além disso, como destacado, a redução é um dever do juiz, que poderá atuar
de ofício, por ser considerada norma de ordem pública. A redução da penalidade
nem sempre ocorrerá na mesmo proporção da parte adimplida, devendo o julgador
observar outras circunstâncias, as quais poderão indicar caminho diverso da
mera equivalência matemática. Teleologicamente, o instituto é instrumento hábil
a combater a onerosidade excessiva e o enriquecimento ilícito, de forma a
garantir que os contratos cumpram sua função social, preservando-se a boa-fé, a
eticidade e a solidariedade nas relações jurídicas.
Advogado. Colaborador do site JusBrasil/Atualidades
do Direito.
Advogado. Pós-graduado com especialização em
Direito do Consumidor. Membro correspondente do Instituto Brasileiro de
Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). Ex-assessor jurídico da 2ª Vara
Cível de Juiz de Fora (MG). Autor colaborador dos principais periódicos
jurídicos especializados do país.
Disponível
em: http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/156580171/clausula-penal-deve-ser-proporcionalmente-reduzida-em-caso-de-adimplemento-parcial-da-obrigacao
Nenhum comentário:
Postar um comentário