Prova –
Responsabilidade Civil – 10/06
1. Noções gerais
1.1. Conceito de
responsabilidade civil
Conclui-se
que a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de
alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente
(legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do
seu ato (obrigação de reparar).
Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito
Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade
civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular,
sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à
vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.
1.2.
Responsabilidade civil subjetiva
A
responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de
ato doloso ou culposo. Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará
quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, através
da interpretação do art. 186 do Código Civil de 2002 (“Art. 186. Aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”). Do referido dispositivo normativo
supratranscrito, verificamos que a obrigação de indenizar (reparar o dano) é a
consequência juridicamente lógica do ato ilícito.
A
noção básica da responsabilidade civil, dentro da doutrina subjetiva, é o
princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa. Por se
caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao
autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu.
1.3.
Responsabilidade civil objetiva
Entretanto,
hipóteses há em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa. Nesses
casos, estaremos diante do que se convencionou chamar de “responsabilidade
civil objetiva”. Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na
conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que
somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a
conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar.
Como
já deve ter sido percebido, o sistema material civil brasileiro abraçou
originalmente a teoria subjetivista, conforme se infere de uma simples leitura
do referido art. 186 do Código Civil, que fixa a regra geral da
responsabilidade civil.
Sem
abandonar tal regra geral, inova o Código Civil de 2002, no parágrafo único do
seu art. 927, ao estabelecer que “Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.
1.4.
Responsabilidade civil contratual
A
responsabilidade contratual se
origina da inexecução contratual. Pode ser de um negócio jurídico bilateral ou
unilateral. Resulta, portanto, de ilícito contratual, ou seja, de falta de
adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. É uma infração a
um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorre
de relação obrigacional preexistente e pressupõe capacidade para contratar. A
responsabilidade contratual é o resultado da violação de uma obrigação
anterior, logo, para que exista é imprescindível a preexistência de uma
obrigação.
Na responsabilidade contratual, não precisa o contratante provar a culpa do inadimplente, para obter reparação das perdas e danos, basta provar o inadimplemento. O ônus da prova, na responsabilidade contratual, competirá ao devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou presença de qualquer excludente do dever de indenizar. Para que o devedor não seja obrigado a indenizar, o mesmo deverá provar que o fato ocorreu devido a caso fortuito ou força maior.
Na responsabilidade contratual, não precisa o contratante provar a culpa do inadimplente, para obter reparação das perdas e danos, basta provar o inadimplemento. O ônus da prova, na responsabilidade contratual, competirá ao devedor, que deverá provar, ante o inadimplemento, a inexistência de sua culpa ou presença de qualquer excludente do dever de indenizar. Para que o devedor não seja obrigado a indenizar, o mesmo deverá provar que o fato ocorreu devido a caso fortuito ou força maior.
1.5.
Responsabilidade civil extracontratual
A
responsabilidade extracontratual,
também chamada de aquiliana, se resulta do inadimplemento normativo, ou seja,
da prática de um ato ilícito por pessoa capaz ou incapaz, da violação de um
dever fundado em algum princípio geral de direito, visto que não há vínculo
anterior entre as partes, por não estarem ligadas por uma relação obrigacional.
A fonte desta inobservância é a lei. É a lesão a um direito sem que entre o
ofensor e o ofendido preexista qualquer relação jurídica. Aqui, ao contrário da
contratual, caberá à vítima provar a culpa do agente.
Entretanto, para que alguém tenha o dever de indenizar outro, alguns pressupostos têm que estar presentes:
Entretanto, para que alguém tenha o dever de indenizar outro, alguns pressupostos têm que estar presentes:
1.
Ação
ou omissão do agente: o ato ilícito pode advir não só de uma ação, mas também
de omissão do agente.
2.
Relação
de causalidade: entre a ação do agente e o dano causado tem que haver um nexo
de causalidade, pois é possível que tenha havido um ato ilícito e tenha havido
dano, sem que um seja causa do outro.
3.
Existência
de dano: tem que haver um dano (seja moral ou material), pois a
responsabilidade civil baseia-se no prejuízo para que haja uma indenização.
4.
Dolo
ou culpa: é necessário que o agente tenha agido com dolo ou culpa.
A
princípio a responsabilidade extracontratual baseia-se pelo menos na culpa, o
lesado deverá provar para obter reparação que o agente agiu com imprudência,
imperícia ou negligência. Mas poderá abranger ainda a responsabilidade sem
culpa, baseada no risco. Duas são as modalidades de responsabilidade civil
extracontratual quanto ao fundamento: a subjetiva, se fundada na culpa, e a
objetiva, se ligada ao risco.
Em
relação ao agente será: direta ou simples, se oriunda de ato da própria pessoa
imputada, que, então, deverá responder por ato próprio, e indireta ou complexa,
se resultar de ato de terceiro, com o qual o agente tem vínculo legal de
responsabilidade de fato de animal e de coisa inanimada sob a guarda do agente.
2. O dano
2.1. Conceito de
dano
Poderíamos
conceituar o dano ou prejuízo como sendo a lesão a um interesse jurídico
tutelado — patrimonial ou não —, causado por ação ou omissão do sujeito
infrator.
2.2. Requisitos do
dano indenizável
Sendo
a reparação do dano, como produto da teoria da responsabilidade civil, uma
sanção imposta ao responsável pelo prejuízo em favor do lesado, temos que, em
regra, todos os danos devem ser ressarcíveis, eis que, mesmo impossibilitada a
determinação judicial de retorno ao status quo ante, sempre se
poderá fixar uma importância em pecúnia, a título de compensação.
Todavia,
para que o dano seja efetivamente reparável é necessária a conjugação dos seguintes
requisitos mínimos:
a)
a violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma
pessoa física ou jurídica;
b)
certeza do dano;
c)
subsistência do dano.
2.3. Espécies de
dano: patrimonial e moral
Tradicionalmente,
a doutrina costuma classificar o dano em patrimonial e moral.
O
dano patrimonial traduz lesão aos bens e direitos economicamente apreciáveis do
seu titular. Assim ocorre quando sofremos um dano em nossa casa ou em nosso
veículo. Já advertimos, outrossim, seguindo a moderna tendência de
despatrimonialização do direito civil, que outros bens, personalíssimos, também
podem ser atingidos, gerando, assim, a responsabilidade civil do infrator.
Ainda,
porém, no que tange especificamente ao dano patrimonial ou material, convém o
analisarmos sob dois aspectos:
a)
o dano emergente —
correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, “o que
ela perdeu”;
b)
os lucros cessantes —
correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do
dano, ou seja, “o que ela não ganhou”.
Claro
está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente
comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano,
sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos
escrupulosas, incentivadoras da famigerada “indústria da indenização”, tenham
êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido propósito,
não de buscar ressarcimento, mas de obter lucro abusivo e escorchante.
Entretanto,
conforme dissemos, o dano poderá atingir outros bens da vítima, de cunho
personalíssimo, deslocando o seu estudo para a seara do denominado dano moral.
Qualificam-se
“como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano
valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador,
havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da
personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da
própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da
consideração social).
2.4. Dano moral
(ricochete)
Uma
outra espécie de dano, por suas características peculiares, merece a nossa
especial atenção. Trata-se do dano reflexo ou em ricochete, cujo estudo
desenvolveu-se largamente no Direito Francês. Conceitualmente, consiste no
prejuízo que atinge reflexamente pessoa próxima, ligada à vítima direta da
atuação ilícita.
É
o caso, por exemplo, do pai de família que vem a perecer por descuido de um
segurança de banco inábil, em uma troca de tiros. Note-se que, a despeito de o
dano haver sido sofrido diretamente pelo sujeito que pereceu, os seus filhos,
alimentandos, sofreram os seus reflexos, por conta da ausência do sustento
paterno.
Desde
que este dano reflexo seja certo, de existência comprovada, nada impede a sua
reparação civil.
Portanto,
a despeito de não ser de fácil caracterização, o dano em ricochete enseja a
responsabilidade civil do infrator, desde que seja demonstrado o
prejuízo à vítima reflexa, consoante se pode verificar da análise de
interessantes julgados do Superior Tribunal de Justiça (REsp 254418/ RJ, rel.
Min. Aldir Passarinho Jr., DJ de 11-6-2001) e do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul.
Já
o dano reflexo ou por ricochete, como visto, se refere aos sujeitos vitimados,
seja por ser o titular do interesse violado (a vítima propriamente dita), seja
por terem uma relação de dependência com a primeira (os lesionados por
ricochete).
2.5. Formas de
reparação de danos
Em
função de tais ilações, podemos concluir que um critério prático de
diferenciação entre o dano patrimonial e o dano moral, além daquele referente à
esfera jurídica atingida e às consequências geradas de forma direta pelo evento
danoso, reside, certamente, na forma de reparação.
Tal
conclusão se dá pelo fato de que, no dano patrimonial, a reparação pode ser
feita através da reposição natural. Essa possibilidade já não ocorre no dano
moral, eis que a honra violada jamais pode ser restituída à sua situação
anterior, porquanto, como já disse certo sábio, as palavras proferidas são como
as flechas lançadas, que não voltam atrás...
A
reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, arbitrada
judicialmente, com o objetivo de possibilitar ao lesado uma satisfação
compensatória pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as consequências da
lesão.
3. O dano moral
3.1. Conceito e
denominação
O
dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem
comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o
dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus
direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida
privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.
3.2. Dano moral
direto
Se
refere a uma lesão específica de um direito extrapatrimonial, como os direitos
da personalidade.
3.3. Dano moral
indireto
Já
o dano moral indireto ocorre quando há uma lesão específica a um bem ou
interesse de natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um prejuízo
na esfera extrapatrimonial, como é o caso, por exemplo, do furto de um bem com
valor afetivo ou, no âmbito do direito do trabalho, o rebaixamento funcional
ilícito do empregado, que, além do prejuízo financeiro, traz efeitos morais
lesivos ao trabalhador.
3.4.
Reparabilidade do dano moral
A
reparabilidade do dano moral, conforme vimos, é tema que vem suscitando
diversas controvérsias na doutrina nacional e estrangeira, somente tendo se
pacificado, na ordem constitucional brasileira, com o advento da Constituição
Federal de 1988, que prevê expressamente indenizações por dano moral em seu
art. 5.º, V e X, trilha seguida, inclusive, como não poderia deixar de ser,
pelo Código Civil brasileiro.
3.5. Dano moral e
pessoa jurídica
Havia,
até bem pouco tempo, acesa polêmica acerca da possibilidade de pleito de
indenização por danos morais no que diz respeito à pessoa jurídica. Por longos
anos, considerou-se que os danos morais se limitavam às “dores da alma”,
sentimentos que a pessoa jurídica jamais poderia ter, eis que esta é uma
criação do direito, e não um ser orgânico, dotado de espírito e emoções.
Contudo,
hodiernamente, não há mais como se aceitar tais posicionamentos. Isso porque a
legislação jamais excluiu expressamente as pessoas jurídicas da proteção aos
interesses extrapatrimoniais, entre os quais se incluem os direitos da
personalidade. Se é certo que uma pessoa jurídica jamais terá uma vida privada,
mais evidente ainda é que ela pode e deve zelar pelo seu nome e imagem perante
o público-alvo, sob pena de perder largos espaços na acirrada concorrência de
mercado.
Uma
propaganda negativa de um determinado produto, por exemplo, pode destruir toda
a reputação de uma empresa, da mesma forma que informações falsas sobre uma
eventual instabilidade financeira da pessoa jurídica podem acabar levando-a a
uma indesejável perda de credibilidade, com fortes reflexos patrimoniais.
4. Nexo de causalidade
4.1. Teoria
adotada pelo Código Civil
Existe
uma certa imprecisão doutrinária, quando se cuida de estabelecer qual a teoria
adotada pelo Código Civil brasileiro, referente ao nexo de causalidade. Respeitável
parcela da doutrina, nacional e estrangeira, tende a acolher a teoria da
causalidade adequada, por se afigurar, aos olhos destes juristas, a mais
satisfatória para a responsabilidade civil.
No
Brasil, vozes autorizadas, como a de CAVALIERI FILHO, são favoráveis a esta
teoria. Não raro, aliás, a própria jurisprudência acolhe a causalidade adequada.
4.2. Causas
excludentes de responsabilidade civil
Como
causas excludentes de responsabilidade civil devem ser entendidas todas as
circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da
responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer
pretensão indenizatória. Esse nosso conceito tem por finalidade estabelecer uma
regra que sirva para a sistematização de todas as formas de responsabilidade, exigindo-se,
assim, uma característica de generalidade.
Sem
prejuízo do exposto, mesmo reconhecendo que a “culpa” é um elemento acidental
para a caracterização da responsabilidade civil, vale registrar que, quando
adotada uma perspectiva subjetivista (lembre-se que a responsabilidade civil
aquiliana, de um modo geral, ainda exige a comprovação necessária da culpa para
incidir), tal dado anímico é fulminado também com a ocorrência da causa
excludente.
Compreendamos
melhor essa afirmação no conhecimento, em espécies, das retromencionadas
causas.
4.3. Estado de
necessidade
Art.
188. Não constituem atos ilícitos:
I
— os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II
— a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será
legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário,
não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
O estado de necessidade consiste na situação de
agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se
pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do
fato não autorizarem outra forma de atuação. Diz-se, comumente, na hipótese,
haver uma “colisão de interesses jurídicos tutelados”. Perceba-se que o
parágrafo único do referido artigo de lei prevê que o estado de necessidade “somente
será considerado legítimo quando as circunstâncias o tornarem absolutamente
necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do
perigo”. Com isso, quer-se dizer que o agente, atuando em estado de
necessidade, não está isento do dever de atuar nos estritos limites de sua
necessidade, para a remoção da situação de perigo. Será responsabilizado, pois,
por qualquer excesso que venha a cometer.
Diferentemente do que ocorre na legítima defesa, o
agente não reage a uma situação injusta, mas atua para subtrair um direito
seu ou de outrem de uma situação de perigo concreto. É o caso do
sujeito que desvia o seu carro de uma criança, para não atropelar, e atinge o muro da casa, causando
danos materiais. Atuou, nesse caso, em estado de necessidade.
Note-se, entretanto, que, se o terceiro atingido não
for o causador da situação de perigo, poderá exigir indenização do agente
que houvera atuado em estado de necessidade, cabendo a esta ação
regressiva contra o verdadeiro culpado (o pai do bebê que o deixou
sozinho, art. 929 e 930 CC).
4.4. Legítima
defesa
Também
excludente de responsabilidade civil, a legítima defesa tem fundamento no mesmo
art. 188 do Código Civil, inciso I, primeira parte:
Art.
188. Não constituem atos ilícitos:
I
— os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito
reconhecido;
II
— a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de
remover perigo iminente.
Parágrafo
único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo.
Diferentemente
do estado de necessidade, na legítima defesa o indivíduo encontra-se diante de
uma situação atual ou iminente de injusta agressão, dirigida a si ou a
terceiro, que não é obrigado a suportar. Note-se que, no caso dessa excludente
de ilicitude, a doutrina não recomenda a fuga como a conduta mais razoável a se
adotar, uma vez que considera legítima a defesa de um interesse juridicamente
tutelado, desde que o agente não tenha atuado com excesso.
A
legítima defesa real (art. 188, I, primeira parte, do CC e art. 160) pressupõe
a reação proporcional a uma injusta agressão, atual ou iminente, utilizando-se
moderadamente dos meios de defesa postos à disposição do ofendido. A
desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá caracterizar o
excesso, proibido pelo Direito. Vale lembrar que, se o agente, exercendo a sua
lídima prerrogativa de defesa, atinge terceiro inocente, terá de indenizá-lo,
cabendo-lhe, outrossim, ação regressiva contra o verdadeiro agressor.
Na
mesma linha, anote-se que a legítima defesa putativa não isenta o seu
autor da obrigação de indenizar. Nesse caso, mesmo em face do próprio sujeito
que suporta a agressão — não apenas do terceiro inocente — o agente deverá
ressarcir o dano, pois essa espécie de legítima defesa não exclui o caráter
ilícito da conduta, interferindo apenas na culpabilidade penal.
Explica-se.
Encontra-se
em legítima defesa putativa o agente que, em face de uma suposta ou imaginária
agressão, repele-a, utilizando moderadamente dos meios necessários para a
defesa do seu direito ameaçado. Exemplo clássico: Caio encontra o seu desafeto Tício.
Este, então, leva a mão ao bolso para tirar um lenço. Caio, incontinenti,
imaginando que o seu inimigo vai sacar uma arma, atira primeiro. Poderá, pois,
em tese, alegar a legítima defesa putativa.
Nesse
caso, a conduta não deixa de ser considerada ilícita, havendo, apenas, o
reconhecimento de uma dirimente penal (causa excludente de culpabilidade).
Dessa
forma, a despeito de poder esquivar-se da reprimenda penal, o agente (da
legítima defesa) deverá ressarcir o sujeito atingido.
4.5. Exercício
regular de direito
Não
poderá haver responsabilidade civil se o agente atuar no exercício regular
de um direito reconhecido (art. 188, I, segunda parte). Isso é muito
claro. Se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá estar atuando contra
esse mesmo Direito. Tal ocorre quando recebemos autorização do Poder
Público para o desmatamento controlado de determinada área rural para o
plantio de cereais. Atua-se, no caso, no exercício regular de um
direito. Da mesma forma, quando empreendemos algumas atividades
desportivas, como o futebol e o boxe, podem surgir violações à
integridade física de terceiros, que são admitidas, se não houver
excesso.
Por outro lado, se o sujeito extrapola os limites
racionais do lídimo exercício do seu direito, fala-se em abuso de direito,
situação desautorizada pela ordem jurídica, que poderá repercutir inclusive na
seara criminal (excesso punível). O abuso de direito é o contraponto do seu
exercício regular.
4.6. Culpa
exclusiva da vítima
A
exclusiva atuação culposa da vítima tem também o condão de quebrar o nexo de
causalidade, eximindo o agente da responsabilidade civil. Imagine a hipótese do
sujeito que, guiando o seu veículo segundo as regras de trânsito, depara-se com
alguém que, visando suicidar-se, arremessa-se sob as suas rodas. Nesse caso, o
evento fatídico, obviamente, não poderá ser atribuído ao motorista (agente),
mas sim, e tão somente, ao suicida (vítima).
Mas
note-se que somente se houver atuação exclusiva da vítima haverá quebra
do nexo causal. Como vimos linhas acima, havendo concorrência de culpas (ou
causas) a indenização deverá, como regra geral, ser mitigada, na proporção da
atuação de cada sujeito. Na jurisprudência do STJ, tem-se exigido que o réu
demonstre suficientemente essa causa, para efeito de se eximir da obrigação de
indenizar, consoante se lê no acórdão da lavra do Min. José Delgado.
5.
Responsabilidade civil subjetiva e a noção de culpa
5.1. Elementos da
culpa
A
culpa, em sentido amplo, compõe-se, segundo a doutrina tradicional, dos
seguintes elementos:
a)
voluntariedade do comportamento do agente — ou seja, a atuação do sujeito
causador do dano deve ser voluntária, para que se possa reconhecer a
culpabilidade. Note-se que, se houver, também, vontade direcionada à consecução
do resultado proposto, a situação reveste-se de maior gravidade, caracterizando
o dolo. Neste, portanto, não apenas o agir, mas o próprio escopo do
agente é voltado à realização de um prejuízo. Na culpa em sentido estrito, por
sua vez, sob qualquer das suas três formas de manifestação (negligência,
imprudência ou imperícia), o dano resulta da violação de um dever de cuidado,
sem que o agente tenha a vontade posicionada no sentido da realização do dano;
b)
previsibilidade —
só se pode apontar a culpa se o prejuízo causado, vedado pelo direito, era
previsível. Escapando-se do campo da previsibilidade, ingressamos na seara do
fortuito que, inclusive, pode interferir no nexo de causalidade, eximindo o
agente da obrigação de indenizar;
c)
violação de um dever de cuidado — a culpa implica a violação de um dever
de cuidado. Se esta inobservância é intencional, como visto, temos o dolo.
5.2. Espécies de
culpa
Por
último, vamos enfrentar as espécies de culpa.
A
depender da natureza do dever jurídico violado, o agente poderá ter
agido com culpa contratual ou culpa extracontratual.
No
primeiro caso, viola-se norma prevista no contrato, no segundo, a atuação do
agente afronta a própria lei, a exemplo do que ocorre quando causa um acidente
de trânsito embriagado. Temos, ainda, outras modalidades amplamente difundidas
pela doutrina, classificadas quanto ao modo em que se apresentam:
a)
culpa in vigilando — é a que decorre da falta de vigilância, de
fiscalização, em face da conduta de terceiro por quem nos responsabilizamos. Exemplo
clássico é a culpa atribuída ao pai por não vigiar o filho que causa o dano. No
Código de 2002, entretanto, a responsabilidade dos pais por atos dos filhos
menores, sob sua autoridade e companhia, foi consagrada como responsabilidade
objetiva, ou seja, sem culpa, nos termos do art. 932, I;
b)
culpa in eligendo — é aquela decorrente da má escolha.
Tradicionalmente,
aponta-se como exemplo a culpa atribuída ao patrão por ato danoso do empregado
ou do comitente. Tal exemplo também perdeu a importância prática, remanescendo
somente a título didático, considerando que o novo Código firmou o princípio da
responsabilidade objetiva nessa hipótese, consoante se depreende da análise do
art. 932, III;
c)
culpa in custodiendo — assemelha-se com a culpa in vigilando, embora
a expressão seja empregada para caracterizar a culpa na guarda de coisas
ou animais, sob custódia. A mesma crítica anterior pode ser feita. Nos
termos do Código de 2002, o fato da coisa ou do animal desafia a
responsabilidade civil objetiva, razão por que essa categoria, da mesma
forma, perdeu importância prática, subsistindo mais a título ilustrativo;
d)
culpa in comittendo ou culpa in faciendo — quando o agente
realiza um ato positivo, violando um dever jurídico;
e)
culpa in omittendo, culpa in negligendo ou culpa in non faciendo
—
quando
o agente realiza uma abstenção culposa, negligenciando um dever
de cuidado.
6. Responsabilidade
civil objetiva e a atividade de risco
Para
essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade que cria um risco de
dano para terceiros, deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja
isenta de culpa. Isso significa dizer que a responsabilidade civil se desloca
da noção de culpa para a ideia de risco.
7.
Responsabilidade civil por ato de terceiro
Até
aqui cuidamos da responsabilidade civil por ato próprio, ou seja, decorrente da
atividade do próprio sujeito a quem é imposta a obrigação de indenizar. No
entanto, é possível que o sujeito seja chamado a responder civilmente pela
atuação de um terceiro, ligado a si por algum tipo de vínculo jurídico,
contratual ou legal.
Trata-se
da responsabilidade civil indireta ou por ato de terceiro (fato de outrem)
7.1.
Reponsabilidade civil dos pais pelos filhos menores
Pela
ordem natural da vida, os pais — biológicos ou adotivos, pouco importa — são
responsáveis por toda a atuação danosa atribuída aos seus filhos menores.
7.2.
Reponsabilidade civil do empregador com seus empregados
A
hipótese versada no inciso III do art. 932 do Novo Código Civil brasileiro
traz, em verdade, duas situações assemelhadas, que, porém, não se confundem. De
fato, a responsabilidade civil do empregador ou comitente, pelos atos dos seus
empregados, serviçais ou prepostos, se justifica pelo poder diretivo desses
sujeitos em relação aos agentes materiais do dano, sendo este o seu elemento
comum.
Todavia,
há uma diferença substancial entre a natureza da relação jurídica mantida entre
esses sujeitos. Com efeito, exige-se a existência de uma relação de trabalho
subordinado (vínculo empregatício), única hipótese em que se pode esperar a
presença de um sujeito empregador.
8.
Responsabilidade civil pela guarda do animal
Infelizmente,
nos últimos anos, deparamo-nos com um crescente número de incidentes envolvendo
animais ferozes, por conta da falta de cautela e civilidade dos seus donos ou
possuidores. Não nos alinhamos junto àqueles que supõem uma ameaça ínsita, de raiz
genética, em determinados animais, por pensarmos que a nocividade desses seres
decorre principalmente da forma pela qual são tratados ou criados por seus
donos ou possuidores.
A
campanha contra a criação dos cães da raça pitbull, por exemplo, por
mais compreensível que se afigure, parte, em muitos casos, do pressuposto de
periculosidade inata do animal, quando, em verdade, a falta de bom senso e
respeito dos seus donos é a principal razão dos acidentes graves.
O
homem deixou de respeitar a natureza e o instinto dos animais, passando a
tratá-los como se fossem uma extensão de sua pessoa, de suas mágoas, de seus
complexos e de seus sofrimentos.
E
talvez todo esse processo de banalização no tratamento dos animais, agravado
pelo crescente número de acidentes, conduziu o legislador a mudar
significativamente o tratamento legal da matéria no Novo Código
Civil,
que passou a admitir expressamente a responsabilidade do guardião (dono ou mero
detentor), independentemente da aferição de culpa, ou seja, de forma objetiva.
Art.
936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não
provar culpa da vítima ou força maior.
Na
lei nova, por sua vez, a responsabilidade não pode ser ilidida nesses termos,
pois, partindo-se da teoria do risco, o guardião somente se eximirá se provar
quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de
força maior, não importando a investigação de sua culpa.
Interessante
notar ainda que, se o dano ocorre estando o animal em poder do próprio dono,
dúvida não há no sentido de ser este o responsável pela reparação, pelo fato de
ser o seu guardião presuntivo. Se, entretanto, transferiu a posse ou a detenção
do animal a um terceiro (caso do comodato ou da entrega a amestrador),
entendemos que o seu dono se exime de responsabilidade, por não deter o poder
de comando sobre ele, consoante vimos acima.
E
se o animal houver sido furtado, e, estando na posse do ladrão, atacar um
terceiro?
Tal
raciocínio que equipara o furto à força maior, para o efeito de eximir o dono
de responsabilidade, também se aplica nos casos de serem cometidos outros
delitos que impliquem a subtração do animal (roubo, extorsão etc.).
8.1.
Responsabilidade civil pela ruína de edifício
Ainda
dentro desse tema, o Código Civil cuida da responsabilidade decorrente da ruína
de edifício ou construção.
Art.
937. O
dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua
ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.
8.2. Responsabilidade civil pelas coisas caídas de edifícios
Historicamente,
a modalidade em epígrafe tem raiz na responsabilidade oriunda da actio de
effusis et dejectis do Direito Romano. Cuida-se da responsabilidade civil
decorrente do dano causado pelas coisas caídas ou lançadas de edifícios, que
atinjam lugares e pessoas, indevidamente.
Art.
938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente
das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.
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