Juiz determina tratamento médico para mulher que roubou R$ 16
Redação
26 abril
2015 | 07:00
No
universo dos códigos, acusada pegaria até 4 anos de prisão e multa, mas no
Tocantins juiz substitui penas de prisão por cursos profissionalizantes e
tratamento contra drogas
Foto:
Jenny W./Free Images
Por
Julia Affonso
Era 16 de
novembro de 2009. Por volta das 13h30, no posto de saúde Davino Teixeira, na
cidade de Colinas, interior do Tocantins, E.N.O. roubou a bolsa de uma
paciente. Dentro, havia um celular, um carregador, uma caneta, uma carteira de
bolso, com documentos pessoais, e R$ 16 em dinheiro. Em uma situação rotineira
na Justiça ela seria condenada de 1 a 4 anos de prisão e multa, pena prevista
no Código Penal.
Era 29 de
abril de 2013. Três anos e meio depois do roubo no posto de saúde, a sentença
de E.N.O. está pronta. No lugar da prisão, o juiz Océlio Nobre, da comarca da
cidade, decide que ela deverá se internar para tratar o vício em
drogas. Nos últimos anos, o magistrado tem trocado as prisões, em casos de
menor expressão, por penas alternativas.
“Soa
desproporcional condenar uma mulher, pobre, sem teto, sem instrução, mandando-a
para a prisão ao passo que a sociedade aplaude certos agressores dos cofres
públicos, como se o crime causasse repugnância apenas quando praticado contra
vítima especifica e por pessoa pobre, sendo de exaltar a pessoa que o pratica
contra toda a coletividade”, afirmou o juiz na sentença de E.N.O., que segundo
ele, hoje, está recuperada do vício em crack, em casa, cuidando dos filhos.
Durante
as primeiras audiências do processo, E.N.O. confessou o roubou e pediu ao juiz
para permanecer presa. Segundo ela, na cadeia não teria como roubar e usar
drogas. A cidade de Colinas do Tocantins tem 34 mil pessoas e fica a 270
quilômetros ao norte da capital Palmas.
“Foi a ré
quem nos advertiu de sua periculosidade, que não pode e não deseja voltar à
liberdade, porque tem certeza de que voltará a usar drogas e praticar crimes. É
o grito da honestidade que existe na ré que traz a advertência para os perigos
de sua liberdade”, pondera Océlio Nobre.
Segundo o
juiz, alterar a pena para prestação de serviços, em qualquer entidade pública,
‘pode ser bonito, importante, mas não é eficiente’ no caso de uma pessoa
viciada em drogas. O tratamento de E.N.O. foi bancado com dinheiro apreendido e
confiscado de traficantes da região. A Justiça determinou que ela seja
internada em uma clínica da região e acompanhada pela assistência social
pública.
“No
processo, foi confiscada a importância de R$ 1.699,15, considerado produto do
tráfico ilícito de entorpecentes e decretado o perdimento. Este valor deve ser
revertido para custear a internação da ré, pois a própria ré declarou seu
interesse em permanecer presa até que seja internada num ambiente que favoreça
sua recuperação”, disse o juiz.
“O custo
do tratamento de um dependente químico deve ser visto como salvamento de vida,
restauração de dignidade, aumento do ambiente de paz, razão porque a sociedade,
sempre, deve arcar com as despesas, encorajando e apoiando, como forma de
evitar que a liberdade da ré represente o pesadelo que outrora viveu.”
Dados de
junho de 2014, do Conselho Nacional de Justiça, indicaram que a população
carcerária no País é de 715.592 pessoas, contando aquelas que estão em prisão
domiciliar – 147.937. Segundo o CNJ, com este número, o Brasil passou a ter a
terceira maior população carcerária do mundo, de acordo com dados do ICPS,
sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s
College, de Londres, a frente da Rússia, que tem 676.400 presos. Não foi
divulgado o número de mulheres presas.
Em
dezembro de 2012, na última mediação do Ministério da Saúde, o total de presos
no sistema e na polícia era de 548.003. Do total, cerca de 35 mil era mulheres.
Curso. Em março deste ano, Océlio Nobre
trocou a pena de uma mulher condenada por tráfico de drogas e associação ao tráfico,
a prestação de serviços e multa. Mãe de cinco filhos, um com sete anos e outro
com menos de 2 anos, C.A.S. estava desempregada.
“Assim, a
prestação de serviços e o pagamento de multa ficam praticamente inviabilizados,
pois uma pessoa pobre, sem escolaridade e desempregada, que gasta o tempo
cuidados dos cinco filhos, não tem como dispor de recursos financeiros para tal
fim e nem de tempo, sem prejudicar os próprios filhos”, afirmou Océlio Nobre.
O juiz,
então, determinou que ela frequentasse e concluísse, anualmente, dois cursos
profissionalizantes, na rede pública, ‘devendo comprovar, mensalmente, a
frequência ao curso, além de endereço, que será juntado aos autos’.
Em 2014,
P.B.S.J. Conseguiu o mesmo benefício de E.N.O. e também teve sua pena alterada.
Após roubar uma televisão de 20 polegadas, com controle remoto, avaliada em R$
300, um rádio portátil, uma rede de algodão, uma faca de cozinha, uma
leiteira com tampa, um refratário de vidro e e aproximadamente 3 quilos de
carne bovina, ele foi condenado a 4 anos de prisão.
Océlio
Nobre determinou que fosse concedida a liberdade condicional a ele, ‘devendo o
mesmo permanecer, pelo tempo necessário à sua reabilitação social’, em clínica
de desintoxicação, ‘considerando-se, o tempo de sua estadia lá como pena
cumprida’. P.B.S.J. saiu da cadeia diretamente para a clínica.
“Diante
da constatação de que o sistema tradicional de repressão ao crime falhou,
faliu, fracassou, o juiz tem que tentar algumas medidas
alternativas. Temos que tentar coisa novas para avançar em termos de
direitos humanos, porque as cadeias tradicionais destroem e pioram o ser
humano. O estado gasta muito para piorar o ser humano”, afirmou o juiz.
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