domingo, 29 de setembro de 2019

1. Introdução; 2. Responsabilidade e obrigação; 3. Responsabilidade civil: contratual e extra-contratual; 4. Responsabilidade contratual; 5. Responsabilidade pré-contratual; 6. Responsabilidade pós-contratual;


Renata Helena Paganoto Moura
Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em 1995 e Mestre em Direito em 2002 pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) na área de Processo Civil.

Sumário: 1. Introdução; 2. Responsabilidade e obrigação; 3. Responsabilidade civil: contratual e extra-contratual; 4. Responsabilidade contratual; 5. Responsabilidade pré-contratual; 6. Responsabilidade pós-contratual; 7. Conclusão. Bibliografia e Referências bibliográficas.
1. Introdução
Os contratos devem ser cumpridos sob pena de responsabilidade. Essa idéia é comum a todos. Diz-se que o contrato é lei entre as partes, pacta sunt servanda.
Sendo assim a responsabilidade contratual sempre foi um assunto tratado pelo nosso legislador na matéria relativa ao inadimplemento das obrigações.
Ao descumprir uma obrigação estabelecida em um contrato sabe-se que poderá incidir os efeitos do inadimplemento, mora, perdas e danos, juros, cláusula penal e arras. "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado", nos diz o art. 389 CC.
Mas junto a esta idéia surgem duas novas, uma responsabilidade que surge ainda nas tratativas de negociação e outra que perdura após o término do contrato, a essas tem-se chamado responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo e responsabilidade pós-contratual ou culpa post pactum finitum.
Sobre estas responsabilidades trataremos neste breve estudo.
2. Responsabilidade e obrigação
Podemos iniciar estabelecendo a diferença entre responsabilidade e obrigação, tão comumente confundidas.
Obrigação é o vínculo jurídico estabelecido entre credor e devedor cujo objeto é uma prestação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa. É clássica a definição de Justiniano nas Instituas de que obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei, secudum nostrae civitatis jura (a obrigação é um vínculo jurídico que nos obriga a pagar alguma coisa, ou seja, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa).
Também se conceitua obrigação como a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor, cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo.
Sendo assim o conceito de obrigação sempre estar relacionado a uma prestação devida pelo devedor ao credor, a fonte por excelência desta obrigação é o contrato, mas também os atos unilaterais, e para alguns, também a lei.
A responsabilidade surge como um segundo momento dessa relação, quando não cumprida a obrigação.
Os dois termos se confundem pois responsabilidade também nos dá a idéia de obrigação, muitas vezes nos dizemos responsáveis como sinônimo de obrigados (p. ex. isso é minha responsabilidade significando também, isso é minha obrigação).
E em certo sentido realmente se assemelham, mas no sentido jurídico devemos estabelecer sua diferença e assim saber que obrigação refere-se à relação estabelecida entre credor e devedor para uma prestação que se descumprida surgirá a responsabilidade.
3. Responsabilidade civil: contratual e extracontratual
Quando dintinguimos a responsabilidade contratual da extracontratual, estamos diferenciando o dever que foi violado: um dever oriundo do contrato (art. 389 CC) ou um dever geral de não causar dano a outrem (art. 927 CC).
Para Cavalieri, "esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei."
Assim afirmamos que uma responsabilidade é contratual quando ela surge do descumprimento do contrato e afirmamos que uma responsabilidade é extracontratual ou aquiliana quando ela surge do cometimento de um ato ilícito.
Claro que apesar de aparentemente simples, saber se há ou não um contrato pré-existente entre as partes para definir se a responsabilidade é contratual ou extracontratual, nem sempre se afigura tão fácil esta distinção.
Por exemplo, um acidente de trânsito que causa dano em um passageiro de um carro, que tinha pegado carona com seu colega. É uma responsabilidade contratual ou extracontratual? Há um contrato de transporte entre as partes?
A mesma questão se coloca nos dois temas que iremos aqui discutir. Um dano provocado nas tratativas negociais, é uma responsabilidade contratual ou extracontratual? E um dano causado por uma conduta indevida realizada posterior ao contrato, é uma responsabilidade contratual ou extracontratual?
Não são questões simples de se resolver mas devem ser enfrentadas, comecemos com a responsabilidade contratual.
4. Responsabilidade contratual
A responsabilidade contratual nasce do descumprimento de um contrato.
É então requisito inicial desta responsabilidade que haja um contrato entre as partes e que este seja válido.
O descumprimento do contrato pode dar-se de várias formas: pelo devedor ou pelo credor pode ser absoluto ou relativo, pode ocorrer com ou sem culpa.
Os arts. 389 a 420 do Código Civil cuidam do inadimplemento das obrigações.
Há inadimplemento absoluto quando não há mais utilidade no cumprimento da obrigação para o credor, há inadimplemento relativo ou mora, quando ainda é útil o cumprimento da obrigação para o credor.
Os elementos da responsabilidade contratual são os mesmos da responsabilidade civil: culpa ?dano ? nexo causal.
É necessário que haja culpa para que surja o dever de indenizar, mas é necessário que haja prejuízo a ser indenizado e por último é necessário que haja nexo causal entre esses elementos, ou seja, que o dano seja oriundo do descumprimento do contrato.
Devemos porém lembrar que a culpa civil não se identifica com a penal, o seu sentido é mais abrangente e abrange, inclusive, o dolo.
Como para o direito civil a responsabilidade está ligada com a reparação do prejuízo, esta é a sua preocupação, logo, importa, o prejuízo e não a conduta do agente, pois se com dolo ou culpa o dano foi o mesmo, é este que deve ser indenizado. Para o direito penal a responsabilidade está relacionada com a conduta, e esta que será sancionada, importa saber se a conduta foi culposa ou dolosa.
Assim para o direito civil, deixar de cumprir um contrato já é agir culposamente, só não haverá culpa se o descumprimento ocorreu por um caso fortuito ou de força maior, ou ainda se o descumprimento foi do credor.
Os contratos podem já prevê os efeitos do inadimplemento estabelecendo juros, cláusula penal e arras.
Neste caso não haverá necessidade de provar o prejuízo, pois este já foi pré-estabelecido contratualmente.
Se as partes estabeleceram num contrato uma cláusula penal (multa) para o caso de descumprimento quando este ocorrer a pena incidirá automaticamente sem necessidade de provar o prejuízo, este como dissemos, já foi pré-estabelecido pela cláusula.
É por isso que diz o código no art. 416, caput, "Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo".
Também se numa obrigação de pagamento foram estabelecidas pelas partes juros moratórios (pelo atraso), ou mesmo se não estabelecidos, diante deste os juros incidirão automaticamente, independente da prova do prejuízo. É o que estabelece o art. 407: "Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes."
Por isso, quando estes efeitos já estiverem pré-fixados num contrato, o credor só deverá alegar seu descumprimento. O devedor, por sua vez, é que deverá provar que o descumprimento não se deu por culpa.
Caso não haja esta pré-fixação no contrato, quando ocorrer o descumprimento deverá o credor alegar o descumprimento e também o prejuízo, que para ser indenizado deverá ser provado. O devedor por sua vez neste caso poderá provar que o descumprimento não se deu por sua culpa ou que não houve prejuízo.
5. Responsabilidade pré-contratual
Que o contrato gera responsabilidade este é um pensamento comum, como dissemos no início deste artigo, todos que contratam sabem que este deve ser cumprido sob pena de responsabilidade, pacta sunt servanda.
Por mais que a força do contrato não seja a mesma do passado, havendo cada vez mais considerações a ser feitas acerca da sua validade e da sua exigibilidade diante de cláusulas abusivas, de fatos imprevistos etc, todos sabemos que devemos cumpri-los, afinal ele foi o pacto de nossa vontade.
Mas pensar em uma responsabilidade que surge quando ainda não contratamos, quando ainda estamos na fase das negociações preliminares, é um pensamento novo.
Não tão novo assim, pois a tese da culpa in contrahendo ou responsabilidade pré-contratual surgiu na Alemanha em 1861 sob a pena de Rudolf Von Ihering.
A aceitação desta teoria repercutiu fortemente no mundo ocidental, sendo prevista na Alemanha, na Itália, em Portugal.
No Brasil apesar de inicialmente rechaçada, como nos conta Rogério Doninni1, após a obra de Antônio Chaves de 1959 com esse título "Responsabilidade pré-contratual" passou esta a ganhar larga aceitação.
O CC de 2002 inovando em seu texto dispõe expressamente no art. 422 que "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
A boa-fé, aqui objetiva, é o elemento central desta teoria. Pois diz-se que pela boa-fé nos surgem os chamados deveres de conduta, e que devem estar presentes também nesta fase pré-contratual. Assim informar, ser leal, transparente na negociação são deveres exigidos de todos os que contratam.
Discute a doutrina se esta responsabilidade é contratual ou extra-contratual. A primeira corrente é mais aceita, pois argumentam seus autores, que por ainda não haver contrato a responsabilidade não surgiria de um vínculo entre as partes, mas do dever geral de não prejudicar outrem. A segunda corrente encontra menos adeptos, mas tem entre seus defensores Antônio Junqueira de Azevedo, para quem a responsabilidade civil pré-contratual, embora provenha de um ato ilícito, resulta da quebra de um dever específico de boa-fé, motivo pelo qual a responsabilidade seria contratual e não extracontratual.2
Esta tese nos parece ser a mais acertada. Devemos entender que mesmo na fase das negociações preliminares já existe um vínculo entre as partes, impondo a estas deveres de conduta.
Sílvio Venosa aborda o tema da responsabilidade pré-contratual sob dois elementos: da recusa em contratar e do rompimento das negociações preliminares.
Com relação ao primeiro nos diz o autor que quem se recusa a contratar, pura e simplesmente, ou quem, injustificadamente, desiste de contratar após iniciar eficientes tratativas, pode ser obrigado a indenizar.
A recusa injustificada na venda ou prestação de serviços pode inclusive representar um abuso de direito.3 Se alguém se propôs a vender um bem, não pode simplesmente recusar a venda a alguém sem nenhum motivo justificado. Se isto nas relações civis já é certo, mais ainda nas relações de consumo, onde a oferta obriga o consumidor (art. 35 CDC).
Com relação ao segundo elemento, rompimento das negociações preliminares, observa Venosa que há necessidade de que o estágio das preliminares da contratação já tenha imbuído o espírito dos postulantes da verdadeira existência do futuro contrato.
Não é o rompimento de qualquer negociação, mas daquela que já tinha provocado na parte a expectativa razoável do contrato.
Dário Vicente nos coloca uma questão para começarmos a refletir sobre a responsabilidade pré-contratual sob o prisma do rompimento das negociações preliminares: suponhamos que um empresário estabelecido em Porto Alegre convida um colega do Recife a viajar até àquela cidade, a fim de negociarem um contrato. O convidado apanha um avião, aluga um automóvel e instala-se a expensas suas num hotel. Quando chega ao escritório do anfitrião, este informa-o de que celebrou o contrato com um terceiro duas semanas antes. Pode o empresário pernambucano exigir do gaúcho o reembolso das despesas que fez tendo em vista a conclusão do referido contrato? E pode, além disso, reclamar uma indemnização por ter perdido a oportunidade de celebrar o mesmo contrato com um terceiro?4
A resposta é positiva diante dos elementos da responsabilidade pré-contratual, pois não agiu com lealdade o empresário de Porto Alegre ao deixar de informar que também estava negociando com outra pessoa esse negócio e, mesmo que já tinha fechado negócio com este.
Venosa também no caso do rompimento das negociações preliminares diferencia as relações civis e consumeristas. Na relação civil, não pode a parte exigir o implemento do contrato que não foi realizado, apenas a responsabilidade diante de seu desfazimento, mas na relação consumerista, dada a vinculação da oferta ao fornecedor, o consumidor pode exigir deste o implemento do contrato (art. 35, I, CDC).
6. Responsabilidade pós-contratual
É possível após o término do contrato continuar havendo deveres entre as partes? É possível uma exigir da outra uma conduta, e diante da não observância desta conduta responsabiliza-la?
São estas algumas das questões que se colocam ao discutir a responsabilidade pós-contratual, ou culpa post pactum finitum.
Como nos relata Rogério Doninni, a idéia de responsabilizar uma pessoa após a extinção de uma relação obrigacional, mesmo estando cumprida a prestação, não é recente. Todavia, no plano mundial, a doutrina e a jurisprudência acerca desse tema são extremamente escassas.5
A tese, assim como a da responsabilidade pré-contratual, surgiu na Alemanha em 1910, conforme também nos informa o autor, mas o marco de seu acolhimento deu-se em 1925, quando o Reichsgericht (RG) decidiu que, após o término de uma cessão de crédito, o cedente deveria continuar a não impor obstáculos ao cessionário. No ano seguinte, nova decisão aplicou essa teoria ao determinar, findo um contrato de edição, que o titular dos direitos de publicação (no caso os herdeiros de Flaubert) estava impedido de fazer concorrência ao editor, por meio da publicação de novas edições, enquanto não esgotadas as anteriores.6
Seu principal fundamento também está na boa-fé objetiva, que como cláusula geral de nosso sistema, é interpretada no direito contratual, como uma exigência (dever) das partes se portarem, como lealdade, confiança, proteção. E esses deveres não são exigidos somente durante a execução do contrato, mas antes e também depois.
Imagine que um químico tenha sido contratado para prestar serviço em uma empresa de cosméticos e após findo seu contrato, revela segredos desta empresa à concorrente. Esta conduta é permitida? Mesmo que o contrato não estabelecesse essa proibição poderíamos afirmar que haveria uma responsabilidade deste químico?
E, agora imagine uma empresa de roupas que contrata um estilista famoso para fazer sua coleção de inverno, e este após o término de sua prestação de serviço, vende os mesmos modelos a outra empresa?
Nos dois casos chama atenção a conduta antiética, mas isso tem proteção no direito, principalmente no direito contratual?
Sim, pela doutrina da responsabilidade pós-contratual, nos dois casos surgem responsabilidades das partes que infringiram deveres de conduta.
Caso esta conduta já estivesse prescrita contratualmente ou por lei chamaríamos então de pós-eficácia aparente.7
O art. 422 do CC que fundamenta legalmente a responsabilidade pré-contratual, também é utilizado como fundamento da responsabilidade pós-contratual, apesar de receber críticas por ter deixado de constar esta expressão - pós-contratual- , é por isso que o Projeto n°6.960/2002 propõe alterar sua redação para o seguinte texto:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim nas negociações preliminares e conclusão do contrato, como em sua execução e fase pós-contratual, os princípios de probidade e boa-fé e tudo o mais que resulte da natureza do contrato, da lei, dos usos e das exigências da razão e da eqüidade".
7. Conclusão
Concluímos este breve estudo observando que a responsabilidade contratual não decorre somente do cumprimento do contrato, mas de seus deveres acessórios baseados na boa-fé objetiva, que impõe aos contratantes pautar-se no momento de suas negociações preliminares com lealdade, proteção, informação para que o contrato corresponda exatamente aquilo que foi pretendido pelas partes e não frustre suas reais expectativas, assim também, para que o contrato forneça a segurança esperada pelas partes mesmo após o seu término.
Bibliografia e Referências bibliográficas
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Responsabilidade pré-contratual no Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. Revista de direito do consumidor. São Paulo : Revista dos Tribunais, n. 18, p. 23-31, 1996;
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2000;
DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade pós-contratual. No novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004;
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. V. 2. São Paulo: Atlas, 2007;
VICENTE, Dário Moura. A responsabilidade pré-contratual no Código Civil brasileiro de 2002. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Padma, 2004, Vol. 18.


Nenhum comentário:

Postar um comentário