Destaques processuais
dos informativos 753 e 754/STF
Publicado por Luiz Dellore - 2
semanas atrás
Prezados,
olá.
Como os
informativos do STF não estão sendo publicados com a usual regularidade
(semanalmente), algumas vezes dois ficam muito próximos.
E o que
aconteceu com o 753 e 754 que, portanto, comentamos em conjunto.
Dentre 4
decisões reproduzidas, destaco as seguintes:
(i) decisão
do Pleno do STF reconhecendo a legitimidade do MP para ajuizar demanda
envolvendo o seguro DPVAT (decisão diametralmente oposta ao decidido na Súmula
470/STJ: O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil
pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado).
(ii) decisão
a respeito do "fato consumado" em virtude de posse decorrente de
liminar (apesar de não se tratar efetivamente de questão processual, a decisão
é importante porque diz respeito aos efeitos da morosidade na tramitação de um
processo judicial - no caso, a liminar surtiu efeitos por 12 anos);
Boa leitura!
Dellore
x
Informativo
753 - pleno
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
Público - 1
A tutela dos
direitos e interesses de beneficiários do seguro DPVAT - Danos Pessoais
Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, nos casos de indenização
paga, pela seguradora, em valor inferior ao determinado no art. 3º da Lei
6.914/1974, reveste-se de relevante natureza social (interesse social
qualificado), de modo a conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para
defendê-los em juízo mediante ação civil coletiva. Essa a conclusão do
Plenário, que proveu recurso extraordinário no qual discutida a legitimidade do
“Parquet” na referida hipótese. O Colegiado assinalou ser necessário
identificar a natureza do direito material a ser tutelado, uma vez que o art.
127 da CF (“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”) refere-se a
“interesses sociais e individuais indisponíveis” e o art. 129, III, da CF (“São
funções institucionais do Ministério Público:... III - promover o inquérito
civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”), a “interesses
difusos e coletivos”. Estabeleceu que “direitos ou interesses difusos e
coletivos” e “direitos ou interesses individuais homogêneos” seriam categorias
de direitos ontologicamente diferenciadas, de acordo com a conceituação legal
(Lei 8.078/1990 - CDC, art. 81, parágrafo único). Asseverou que direitos
difusos e coletivos seriam direitos subjetivamente transindividuais — porque de
titularidade múltipla, coletiva e indeterminada — e materialmente indivisíveis.
Frisou que a ação civil pública, regulada pela Lei 7.347/1985, seria o
protótipo dos instrumentos destinados a tutelar direitos transindividuais.
Nesses casos, a legitimação ativa, invariavelmente em regime de substituição
processual, seria exercida por entidades e órgãos expressamente eleitos pelo
legislador, dentre os quais o Ministério Público. Destacou que a sentença de
mérito faria coisa julgada com eficácia “erga omnes”, salvo se improcedente o
pedido por insuficiência de prova. Em caso de procedência, a sentença
produziria, também, o efeito secundário de tornar certa a obrigação do réu de
indenizar os danos individuais decorrentes do ilícito civil objeto da demanda.
A execução, na hipótese, também invariavelmente em regime de substituição
processual, seguiria o rito processual comum, e eventual produto da condenação
em dinheiro reverteria ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (Lei 9.008/1995
e Decreto 1.306/1994).RE 631111/GO, rel. Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014
(RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
Público - 2
O Tribunal
consignou que os direitos individuais homogêneos, por outro lado, seriam
direitos subjetivos individuais, e a qualificação “homogêneos” seria destinada
a identificar um conjunto de direitos ligados entre si por uma relação de
semelhança, a propiciar a defesa coletiva de todos eles. Nesse caso, os sujeitos
de direito seriam determinados ou determináveis, e o objeto material seria
divisível, passível de decomposição em unidades autônomas, com titularidade
própria. Esses direitos seriam os mesmos de que trata o art. 46, II e IV, do
CPC, cuja coletivização teria sentido meramente instrumental, como estratégia
para permitir sua mais efetiva tutela em juízo. Sintetizou que “defesa
coletiva” ou “tutela coletiva” de direitos homogêneos referir-se-ia não ao
direito material tutelado, mas ao instrumento de sua tutela. Sublinhou que o
núcleo de homogeneidade desses direitos seria formado por três elementos das
normas jurídicas concretas neles subjacentes: a) a existência da obrigação; b)
a natureza da prestação devida; e c) o sujeito passivo. Por sua vez, a identidade
do sujeito ativo e a sua específica vinculação com a relação jurídica,
inclusive no que diz respeito à quantidade devida, seriam elementos
pertencentes a um domínio marginal, formado pelas partes diferenciadas e
acidentais dos direitos homogêneos, portanto a sua margem de heterogeneidade.
Reputou que a tutela de direitos individuais homogêneos teria como instrumento
básico a ação civil coletiva, disciplinada nos artigos 91 a 100 do CDC.
Tratar-se-ia de procedimento especial com quatro características fundamentais.
A primeira delas seria a repartição da atividade cognitiva em duas fases: uma,
a da ação coletiva, destinada ao juízo de cognição sobre as questões fáticas e
jurídicas relacionadas com o núcleo de homogeneidade dos direitos tutelados; e
outra, a da ação de cumprimento, desdobrada em uma ou mais ações, promovida na
hipótese de procedência do pedido na ação coletiva, destinada a complementar a
atividade cognitiva mediante juízo específico sobre as situações individuais de
cada um dos lesados e a efetivar os correspondentes atos executórios. A segunda
característica seria a dupla forma da legitimação ativa: na primeira fase, por
substituição processual; na segunda, pelo regime comum da representação. A
terceira característica diria respeito à natureza da sentença, sempre genérica.
Faria juízo apenas sobre a existência da obrigação do devedor, a identidade do
sujeito passivo da obrigação e a natureza da prestação devida. Os demais
elementos (a identidade do titular do direito e qual a prestação a que especificamente
faria jus) seriam objeto de outra sentença, proferida na ação de cumprimento.
Por fim, a quarta característica da ação coletiva seria a sua autonomia em
relação à ação individual, representada pela faculdade atribuída ao titular do
direito subjetivo de aderir ou não ao processo coletivo, compreendida em: a)
liberdade de se litisconsorciar ao substituto processual autor da ação
coletiva; b) liberdade de promover ou de prosseguir a ação individual
simultânea à ação coletiva; e c) liberdade de executar em seu favor a sentença
de procedência resultante da ação coletiva. O Colegiado registrou que as normas
processuais e procedimentais reguladoras da ação civil coletiva em defesa do
consumidor aplicar-se-iam, por analogia, às demais hipóteses de tutela coletiva
de direitos individuais homogêneos. Dessa forma, em qualquer situação: a) a
ação coletiva não prejudicaria a propositura da ação individual com o mesmo
objeto, e o autor individual ficaria vinculado ao resultado de sua própria
demanda; b) a sentença da ação coletiva, quanto aos demais titulares
individuais, faria coisa julgada “erga omnes”, mas somente em caso de
procedência do pleito; c) a sentença genérica de procedência serviria de título
para a propositura da ação individual de cumprimento, pelo regime de
representação, consistente de atividade cognitiva de liquidação por artigos,
seguida de atividade executória, de acordo com o procedimento comum do CPC e em
conformidade com a natureza da prestação devida.RE 631111/GO, rel. Min. Teori
Zavascki, 6 e 7.8.2014. (RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
Público - 3
O Plenário
ponderou que, consideradas as características próprias dos direitos
transindividuais e dos direitos individuais homogêneos, também seria particular
o tratamento processual atribuído a cada qual. Equacionou que, estabelecidas as
distinções, tanto do ponto de vista do direito material, quanto do ponto de
vista processual, cumpriria examinar o papel do Ministério Público em relação à
tutela jurisdicional de cada uma dessas espécies. A esse respeito, no que se
refere aos direitos transindividuais, lembrou que dentre as mais proeminentes
funções institucionais atribuídas pela Constituição ao Ministério Público
estaria a de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção
do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
e coletivos. Concluiu, no ponto, que relativamente às ações civis públicas que
tivessem por objeto a tutela de direitos e interesses transidividuais, a legitimação
atribuída ao Ministério Público (CF, art. 129, III) deveria ser entendida em
sentido amplo e irrestrito. Verificou que, em relação à tutela dos direitos
individuais homogêneos, divisíveis, individualizáveis e de titularidade
determinada, seria cabível a postulação em juízo por parte do próprio titular
individual. Asseverou que, no caso de direitos homogêneos decorrentes de
relações de consumo, o primeiro dos legitimados ativos eleitos pelo CDC seria o
Ministério Público. Além dessa hipótese, haveria outras em que o Ministério
Público seria incumbido de demandar em juízo a tutela coletiva em prol de
direitos de natureza individual e disponível: propositura de ação de
responsabilidade por danos causados aos investidores no mercado de valores mobiliários
e propositura de ação de responsabilidade pelos prejuízos causados a credores
por ex-administradores de instituições financeiras em liquidação ou falência.
Nesses três casos, os direitos lesados seriam individuais, divisíveis e
disponíveis.RE 631111/GO, rel. Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014. (RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
Público - 4
A Corte
assinalou que a legitimação do Ministério Público para tutelar, em juízo,
direitos individuais homogêneos disponíveis, que tivessem como origem relações
de consumo, estaria prevista no CDC. Assim, para que se pudesse fazer juízo da
compatibilidade dessa norma de legitimação com as funções institucionais do
órgão legitimado, seria importante observar as especiais características da
ação coletiva correspondente. Nesse sentido, apontou que a legitimação
ocorreria em regime de substituição processual. Os titulares do direito não
seriam sequer indicados ou qualificados individualmente na petição inicial, mas
chamados por edital a intervir como litisconsortes, se desejassem. Sublinhou
que os objetivos perseguidos na ação coletiva seriam visualizados não
propriamente pela ótica individual, mas pela perspectiva global. A condenação
genérica fixaria a responsabilidade do réu pelos danos causados, e caberia aos
próprios titulares, depois, promover a ação de cumprimento, consistente na
liquidação e execução pelo dano sofrido. Consignou que, no que se refere à
legitimação ativa, haveria substancial alteração de natureza quando se passasse
à ação de cumprimento, porque indispensável a iniciativa do titular do direito.
Nesta, buscar-se-ia satisfazer direitos individuais específicos, disponíveis e
até mesmo passíveis de renúncia ou perda. Explicou que a propositura da ação de
cumprimento dependeria de iniciativa do próprio interessado ou de sua expressa
autorização. Mesmo quando intentada de forma coletiva, a ação de cumprimento se
daria em litisconsórcio ativo, por representante, e não por substituto
processual. O Colegiado realçou o fundamento constitucional da legitimação e,
sob esse aspecto, relativamente a direitos individuais disponíveis, a
legitimidade “ad causam” suporia, segundo a regra geral, a existência de nexo
de conformidade entre as partes da relação de direito material e as partes da
relação processual. Frisou que a legitimação por substituição processual seria
admitida apenas como exceção, contudo, no sistema em vigor, haveria tendência
de expansão das hipóteses de substituição processual, notadamente com o intuito
de viabilizar a tutela coletiva. Reputou que a Constituição, que consagra essa
técnica para a tutela de direitos difusos e coletivos (art. 129, III), adota-a
também para direitos individuais, seja pela via do mandado de segurança
coletivo, seja pela via de procedimentos comuns, para a tutela de outras
espécies de direitos lesados ou ameaçados. Registrou que, nesse contexto,
estaria inserida a legitimação do Ministério Público, a quem a lei já conferira
o poder-dever de oficiar, como “custos legis”, em todas as causas nas quais
houvesse interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da
parte (CPC, art. 82, III); e a quem a Constituição atribui a incumbência de
defender interesses sociais (art. 127). Observou que “interesses sociais” e
“interesse público” seriam equivalentes, e passíveis de ser definidos como
interesses cuja tutela, no âmbito de determinado ordenamento jurídico, seria
julgada como oportuna para o progresso material e moral da sociedade a cujo
ordenamento jurídico corresponderia. Sublinhou que seriam relacionados com
situações que, de alguma forma, ocorressem para preservar a organização e o
funcionamento da comunidade jurídica e politicamente considerada, ou para
atender suas necessidades de bem-estar e desenvolvimento.RE 631111/GO, rel.
Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014. (RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
Público - 5
O Plenário,
no que diz respeito à constitucionalidade da legitimação do Ministério Público
para promover demandas em defesa de outros direitos individuais homogêneos, que
não nas hipóteses já referidas, previstas pelo legislador ordinário, ponderou
ser necessário interpretar o alcance do art. 127 da CF. Examinou que a
orientação da Corte ao longo do tempo a respeito do tema não seria pacífica.
Mencionou a existência de três correntes: a) os direitos individuais
homogêneos, porque pertencentes a um grupo de pessoas, qualificar-se-iam como
subespécie de direitos coletivos e, assim, poderiam ser amplamente tutelados
pelo Ministério Público (CF, art. 129, III). Reputou que a adoção dessa linha
expandiria de modo extremado o âmbito da legitimação, a credenciar o Ministério
Público para defender irrestritamente quaisquer direitos homogêneos,
independentemente de sua essencialidade material, o que não seria compatível
com a Constituição; b) a legitimação ativa do Ministério Público para a tutela
de direitos individuais homogêneos se limitaria às hipóteses previstas pelo
legislador ordinário. Ressaltou que essa tese imporia excessivas restrições à
atuação do Ministério Público, notadamente quando presentes hipóteses
concretas, não previstas pelo legislador ordinário, em que a tutela de direitos
individuais seria indispensável ao resguardo de relevantes interesses da
própria sociedade ou de segmentos importantes dela; e c) a legitimidade do
Ministério Público para tutelar em juízo direitos individuais homogêneos se configuraria
nos casos em que a lesão a esses direitos comprometeria também interesses
sociais subjacentes, com assento no art. 127 da CF. Enfatizou que esse
posicionamento guardaria harmonia com os valores constitucionais e não
acarretaria as consequências demasiado restritivas ou expansivas das outras
duas.RE 631111/GO, rel. Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014. (RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
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O Colegiado
asseverou que o objeto da demanda diria respeito a direitos individuais homogêneos,
já que se trataria de um conjunto de direitos subjetivos individuais,
divisíveis, com titulares identificados ou identificáveis, assemelhados por um
núcleo de homogeneidade. Seriam, por isso, suscetíveis de tutela pelos próprios
titulares, em ações individuais, ou de tutela coletiva, mediante ação própria,
promovida em regime de substituição processual. Frisou que a legitimação ativa
do Ministério Público se justificaria com base no art. 127 da CF, pelo
interesse social do qual revestida a tutela do conjunto de segurados que teriam
sido lesados pela seguradora. Consignou que o seguro DPVAT seria obrigatório
por força da Lei 6.194/1974, e sua finalidade seria proteger as vítimas de
acidentes automobilísticos. Por isso, a lei imporia como obrigatório que os
danos pessoais cobertos pelo seguro compreendessem as indenizações por morte,
por invalidez permanente total ou parcial e por despesas de assistência médica
e suplementares, bem como que o pagamento da indenização fosse efetuado
mediante simples prova do dano. Registrou tratar-se de responsabilidade
objetiva, vinculada à teoria do risco, desnecessária qualquer prova de culpa.
Enfatizou que, pela natureza e finalidade desse seguro, o seu adequado
funcionamento transcenderia os interesses individuais dos segurados. Lembrou
que o art. 27, parágrafo único, da Lei 8.212/1991, determina às seguradoras o
repasse à Seguridade Social de 50% do valor total do prêmio, destinado ao SUS
para custeio de assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes
de trânsito. Consignou haver manifesto interesse social nessa controvérsia
coletiva, hipótese semelhante a outros direitos individuais homogêneos, em
relação aos quais o STF considerara haver interesse social qualificado, a
autorizar a tutela do Ministério Público mediante ação coletiva: direitos
individuais homogêneos sobre o valor de mensalidades escolares; sobre contratos
vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação; sobre contratos de “leasing”;
sobre interesses previdenciários de trabalhadores rurais; sobre aquisição de
imóveis em loteamentos irregulares; e sobre diferenças de correção monetária em
contas vinculadas ao FGTS.RE 631111/GO, rel. Min. Teori Zavascki, 6 e 7.8.2014.
(RE-631111)
Seguro DPVAT e legitimidade do Ministério
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O Ministro
Roberto Barroso ressalvou que o caso concreto cuidaria de seguradora que, por
cerca de 20 anos, teria pago o prêmio do seguro DPVAT a menor, a atingir
extenso grupo de pessoas que seriam, geralmente, hipossuficientes, razão pela
qual haveria interesse social a legitimar a atuação do Ministério Público.
Assim, concluiu no sentido de que, nas situações em que houvesse relevância
social do pedido e da causa de pedir, o Ministério Público poderia atuar como
substituto processual dos interessados em ações nas quais debatidas questões
afetas ao seguro DPVAT. O Ministro Gilmar Mendes acrescentou que o conceito de
interesse social não seria axiologicamente neutro, mas carregado de ideologia e
valor, e por isso condicionado ao tempo e espaço em que afirmado. Assinalou
que, no caso, haveria elementos suficientes a substancializar o conceito de
interesse social. O Ministro Celso de Mello sublinhou que, na perspectiva do
Ministério Público, quando os direitos ou interesses individuais homogêneos se
mostrassem qualificados pela nota da relevância social, as ações promovidas
pela instituição representariam poderosos instrumentos processuais
concretizadores de prerrogativas fundamentais atribuídas às pessoas pelo
ordenamento, não obstante o fato de esses direitos, individualmente
considerados, serem disponíveis, porque a repercussão de sua violação seria
capaz de conferir-lhes relevância social.RE 631111/GO, rel. Min. Teori
Zavascki, 6 e 7.8.2014. (RE-631111)
Posse em concurso público por medida
judicial precária e “fato consumado” - 1
A posse ou o
exercício em cargo público por força de decisão judicial de caráter provisório
não implica a manutenção, em definitivo, do candidato que não atende a
exigência de prévia aprovação em concurso público (CF, art. 37, II), valor
constitucional que prepondera sobre o interesse individual do candidato, que
não pode invocar, na hipótese, o princípio da proteção da confiança legítima,
pois conhece a precariedade da medida judicial. Com base nessa orientação, o
Plenário, por maioria, deu provimento a recurso extraordinário para reformar
acordão que, com base na “teoria do fato consumado”, concluíra pela permanência
da recorrida no cargo público por ela ocupado desde 2002. Discutia-se a
possibilidade de manutenção de candidato investido em cargo público em
decorrência de decisão judicial de natureza provisória. Na espécie, a recorrida
tomara posse no cargo de agente da polícia civil em virtude de medida liminar
deferida em ação cautelar, embora ela tivesse sido reprovada na segunda etapa
do certame (teste físico) e não tivesse se submetido à terceira fase (exame
psicotécnico).RE 608482/RN, rel. Min. Teori Zavascki, 7.8.2014. (RE-608482)
Posse em concurso público por medida
judicial precária e “fato consumado” - 2
O Tribunal
destacou, de início, a existência de conflito entre duas ordens de valores que,
ante a incompatibilidade, deveriam ser sopesadas. De um lado, o interesse
individual da candidata em permanecer no cargo público que, por força de
liminar, exerceria há mais de 12 anos. De outro lado, o interesse público no
cumprimento do art. 37, II, da CF e de seus consectários. Em seguida, mencionou
que a jurisprudência predominante da Corte seria no sentido da prevalência à
estrita observância das normas constitucionais. Asseverou que, na questão em
debate, não seria cabível o argumento da boa-fé ou do princípio, a ela
associado, da proteção da confiança legítima do administrado. No ponto, aduziu
que essa alegação seria viável quando, por ato de iniciativa da própria
Administração, decorrente de equivocada interpretação da lei ou dos fatos, o
servidor seria alçado a determinada condição jurídica ou seria incorporada
determinada vantagem ao seu patrimônio funcional, de modo que essas peculiares
circunstâncias provocassem em seu íntimo justificável convicção de que se
trataria de um “status” ou de uma vantagem legítima. Assim, superveniente
constatação da ilegitimidade desses proveitos configuraria comprometimento da
boa-fé ou da confiança legítima provocada pelo primitivo ato da Administração,
o que poderia autorizar, ainda que em nome do “fato consumado”, a manutenção do
“status quo”, ou, pelo menos, a dispensa de restituição de valores. O Colegiado
frisou, no entanto, a excepcionalidade dessa hipótese.RE 608482/RN, rel. Min.
Teori Zavascki, 7.8.2014. (RE-608482)
Posse em concurso público por medida
judicial precária e “fato consumado” - 3
A Corte
salientou, ainda, que a situação dos autos seria distinta, porquanto a nomeação
e posse no cargo teriam ocorrido por provocação da recorrida e contra a vontade
da Administração, a qual apresentara resistência no plano processual.
Explicitou, também, que o acórdão recorrido não afirmara a plausibilidade do
direito de a recorrida permanecer no cargo, mas somente se limitara a aplicar a
“teoria do fato consumado”, tendo em conta que a liminar vigoraria, à época, há
mais de sete anos. O Colegiado observou que, na espécie, não faria sentido
invocar-se o princípio da proteção da confiança legítima nos atos
administrativos, haja vista que a beneficiária não desconheceria, porque
decorrente de lei expressa, a natureza provisória do provimento, cuja revogação
poderia se dar a qualquer momento e acarretar automático efeito retroativo.
Acrescentou que a concessão das medidas antecipatórias correria por conta e
responsabilidade do requerente. Assim, afastado o princípio da proteção da
confiança legítima, o Plenário registrou que apenas o interesse individual na
manutenção do cargo sobejaria como fundamento para sustentar a conclusão do
acórdão impugnado. Considerou, todavia, que a pretensão da recorrida não
poderia justificar o desatendimento do superior interesse público no
cumprimento das normas constitucionais. Frisou, ademais, que esse interesse
individual se oporia, inclusive, ao interesse de mesma natureza de candidato
que, aprovado no concurso, fora alijado do cargo, ocupado sem observância das
regras constitucionais. Por fim, o Tribunal assegurou à recorrida os
vencimentos e as vantagens percebidos até a data do julgamento.RE 608482/RN,
rel. Min. Teori Zavascki, 7.8.2014. (RE-608482)
Posse em concurso público por medida
judicial precária e “fato consumado” - 4
Vencidos os
Ministros Roberto Barroso e Luiz Fux negavam provimento ao recurso
extraordinário. O Ministro Roberto Barroso entendia que, no caso, a ponderação
não se daria entre interesse privado do indivíduo e interesse público da
Administração, mas, entre o princípio da confiança legítima e o mandamento do
concurso público. Esclarecia que, como em toda ponderação, nem sempre seria
possível estabelecer, “prima facie”, qual dos dois princípios deveria
prevalecer. Aduzia que essa ponderação deveria ser feita à luz dos elementos do
caso concreto. Registrava que a proteção da confiança legítima seria valor
constitucional decorrente do princípio da segurança jurídica e, por isso, se
mostraria impróprio o argumento no sentido de ser inexistente tese
constitucional em favor da recorrida. Destacava que a ideia de segurança
jurídica teria vertente objetiva a impedir a retroatividade das normas. Nesse
ponto, sublinhava que haveria proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada, a amparar as expectativas legítimas das pessoas, a
preservar, inclusive, efeitos de atos eventualmente inválidos. Reiterava que as
situações de investiduras de servidor público envolveriam muitas nuanças, do
que decorreria a necessidade de se conhecer o caso “sub judice” para se
proceder à interpretação constitucionalmente adequada. Propunha a observância
de parâmetros para a aferição de eventual confiança legítima: a) o tempo
decorrido entre as decisões contraditórias, adotando-se, por analogia, o prazo
de cinco anos previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999; b) a boa-fé do candidato;
c) o grau de estabilidade da decisão judicial, de maneira que uma decisão de 2º
grau geraria maior expectativa de direito; d) o órgão prolator da decisão, pois
quanto mais elevado o órgão judicial, maior a expectativa de direito originada;
e e) a plausibilidade da tese jurídica que justificara a investidura e a
ausência de conduta processual procrastinatória.RE 608482/RN, rel. Min. Teori
Zavascki, 7.8.2014. (RE-608482)
Posse em concurso público por medida
judicial precária e “fato consumado” - 5
O Ministro
Luiz Fux, por sua vez, enfatizava que a recorrida teria prestado concurso
público e sido aprovada com nota exemplar no curso de aperfeiçoamento, apesar
de não ter se submetido ao exame psicotécnico. Registrava que a função desse
teste seria aferir condições biopsicológicas no exercício de uma função, e a
recorrida a exercera, de forma exemplar por vários anos, o que superaria
completamente a ausência do referido exame. Reputava que a recorrida tivera seu
direito reafirmado em sentença de mérito e confirmado em acórdão que perdurara
por mais de 12 anos. Frisava que a tendência mundial seria fazer com que o
jurisdicionado se contentasse com uma só decisão judicial e o advento de uma
segunda decisão, por órgão colegiado, apuraria a sua juridicidade. Comparava,
no ponto, com o que contido na denominada “Lei da Ficha Limpa”, que prevê a
decisão colegiada para fins de tornar alguém inelegível. Aduzia que, na
espécie, estaria em jogo direito fundamental encartado no art. 5º da CF e, como
direito fundamental, prevaleceria sobre outros interesses correlatos à causa.RE
608482/RN, rel. Min. Teori Zavascki, 7.8.2014. (RE-608482)
x
informativo
753 - 2a Turma
Competência do STF: ato do CNJ e interesse
de toda a magistratura
Compete ao
STF julgar mandado de segurança contra ato do Presidente do TJDFT que, na
condição de mero executor, apenas dá cumprimento à resolução do CNJ. Com base
nessa orientação, a 2ª Turma julgou procedente pedido formulado em reclamação
ajuizada pela União para determinar a remessa ao Supremo dos autos do “writ”
impetrado pela Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios
(Amagis/DF). No caso, a impetrante obtivera liminarmente, junto ao TJDFT, a
suspensão do ato praticado pelo Presidente daquela Corte que, em obediência aos
artigos 3º, 4º e 12 da Resolução 13/2006 do CNJ, excluíra o adicional por tempo
de serviço do subsídio mensal dos juízes vinculados ao tribunal. A Turma
consignou que teria havido usurpação de competência do STF. Destacou que a
verdadeira autoridade coatora seria o CNJ e que, na situação, se discutiria
matéria de interesse da magistratura nacional (CF, art. 102, I, n e r).Rcl
4731/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 5.8.2014. (Rcl-4731)
Informativo 754 - 2a Turma
Quinto constitucional: requisito
constitucional da reputação ilibada e inquérito
A 2ª Turma
iniciou julgamento de mandado de segurança em que se discute a legitimidade de
ato do CNJ, que, em procedimento de controle administrativo, obstara
liminarmente a posse de advogado no cargo de desembargador em vaga destinada ao
quinto constitucional (CF: “Art. 94. Um quinto dos lugares dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do Distrito Federal e
Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez
anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação
ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, indicados em
lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes”). Na
espécie, o MPF promovera a instauração do procedimento de controle
administrativo com o intuito de obstar a posse de advogado investigado em
inquérito, o que, segundo alegara, demonstraria a ausência do requisito
constitucional da reputação ilibada. No âmbito do CNJ, o relator do referido
procedimento, ao deferir liminar cujo conteúdo acatava o argumento do MPF,
afirmara, ademais, que o CNJ não teria, ainda, decidido se integrantes de
tribunais regionais eleitorais poderiam, ou não, ser candidatos ao cargo de
desembargador. O Ministro Ricardo Lewandowski (relator), de início, assentou a
legitimidade ativa “ad causam” da OAB. Consignou que, no caso, a OAB buscaria
preservar sua própria competência no tocante à elaboração de lista sêxtupla
encaminhada ao tribunal de justiça. Além disso, seria função institucional da
referida entidade defender a Constituição e a ordem jurídica, conforme disposto
na Lei 8.906/1994. No mérito, o relator ressaltou ser pacífica a jurisprudência
do STF no sentido de que o princípio constitucional da presunção de inocência vedaria
o tratamento diferenciado a qualquer pessoa, ou a restrição de seus direitos,
pelo simples fato de responder a inquérito. Registrou que, por conseguinte, a
existência de um único inquérito instaurado em face do postulante ao cargo de
desembargador, não demonstraria sua inidoneidade moral. Ressaltou, inclusive,
que o aludido inquérito tramitaria há mais de sete anos e que nem mesmo a
denúncia teria sido formulada, à míngua de provas. Observou, ainda, que o fato
de o indicado ser, à época, juiz de TRE, nomeado pelo Presidente da República,
reforçaria o entendimento de que ele preencheria as condições exigidas para
ocupar o cargo de desembargador. Quanto à alegação de que o CNJ não teria,
ainda, decidido sobre a viabilidade de juiz de TRE tornar-se desembargador, o
relator afirmou que não existiria impedimento legal e que, por isso, a ausência
de pronunciamento do CNJ não prejudicaria o nomeado. Em seguida, pediu vista
dos autos o Ministro Gilmar Mendes. MS 32491/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.8.2014. (MS-32491)
Luiz Dellore
Mestre e
Doutor em Direito Processual Civil pela USP. Mestre em Direito Constitucional
pela PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil do Mackenzie (graduação e
pós), EPD (pós), IEDI e IOB/Marcato (cursos preparatórios). Membro da Comissão
de Direito Processual Civil da OAB/SP, do IBDP (Instituto...
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Constituição Federal de 1988
Artigo 37 da Constituição Federal de 1988
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Federal de 1988
Artigo 100 da Lei nº 8.078 de 11 de
Setembro de 1990
Artigo 91 da Lei nº 8.078 de 11 de Setembro
de 1990
Parágrafo 1 Artigo 81 da Lei nº 8.078 de 11
de Setembro de 1990
Artigo 81 da Lei nº 8.078 de 11 de Setembro
de 1990
Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990
Artigo 94 da Constituição Federal de 1988
Artigo 5 da Constituição Federal de 1988
Artigo 129 da Constituição Federal de 1988
Artigo 127 da Constituição Federal de 1988
Alínea "r" do Inciso I do Artigo
102 da Constituição Federal de 1988
Alínea "n" do Inciso I do Artigo
102 da Constituição Federal de 1988
Inciso I do Artigo 102 da Constituição
Federal de 1988
Artigo 102 da Constituição Federal de 1988
Inciso II do Artigo 37 da Constituição
Federal de 1988
Inciso III do Artigo 82 da Lei nº 5.869 de
11 de Janeiro de 1973
Artigo 82 da Lei nº 5.869 de 11 de Janeiro
de 1973
Inciso IV do Artigo 46 da Lei nº 5.869 de
11 de Janeiro de 1973
Inciso II do Artigo 46 da Lei nº 5.869 de
11 de Janeiro de 1973
Artigo 46 da Lei nº 5.869 de 11 de Janeiro
de 1973
Lei nº 5.869 de 11 de Janeiro de 1973
Lei nº 9.008 de 21 de Março de 1995
Lei nº 7.347 de 24 de Julho de 1985
Artigo 54 da Lei nº 9.784 de 29 de Janeiro
de 1999
Lei nº 9.784 de 29 de Janeiro de 1999
Parágrafo 1 Artigo 27 da Lei nº 8.212 de 24
de Julho de 1991
Artigo 27 da Lei nº 8.212 de 24 de Julho de
1991
Lei nº 8.212 de 24 de Julho de 1991
Lei nº 6.194 de 19 de Dezembro de 1974
Lei nº 8.906 de 04 de Julho de 1994
Decreto nº 1.306 de 09 de Novembro de 1994
Lei nº 8.441 de 13 de Julho de 1992
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