Direito Empresarial 02-04-12
Dicotomia do Direito Privado
Autonomia didática
Autonomia formal
Autonomia material
Matéria comercial
Forma
subjetiva
Forma
objetiva
Ato
de comércio subjetivo/natureza
Ato
de comércio objetivo/determinação legal
Ato
de comércio por conexão
Teoria empresarial
Matéria comercial
Teoria subjetiva
Teoria objetiva
Teoria empresarial
Hoje vamos ver a parte de divisão
do Direito Privado e a matéria comercial.
Existe
uma divisão do Direito Privado no Brasil, certo? Consiste em qual divisão? Rapidamente
pensamos em Direito Civil e Direito Empresarial. Parte da doutrina entende que
o Direito do Trabalho também está classificado como parte do Direito Privado,
doutrina à qual o professor se filia, enquanto outros entendem que o Direito do
Trabalho não, mas que se trata de um Direito especial. Também se entende que o
Direito do Consumidor também tem autonomia em relação ao Direito Civil,
portanto também seria um sub-ramo do Direito Privado, e o professor concorda,
pois seria autônomo.
O
que caracteriza essa divisão? Quais os elementos determinantes do Direito Privado?
O primeiro elemento é a<i> autonomia didática</i>. Estudo dividido,
separação por assunto, algo que é feito mais para facilitar a compreensão. A
autonomia didática, no entanto, não é essencial para determinar a autonomia de
uma área do Direito nem para estabelecermos uma subdivisão. A divisão didática
não é essencial, mas é simplesmente para entendermos melhor a matéria.
<i>Autonomia
formal </i>é a autonomia legislativa, a existência de legislação própria
com relação a um determinado sub-ramo do Direito. Também não é essencial. Podemos
ter um sub-ramo do Direito qualificado como tal, ainda que não tenhamos lei
específica daquele ramo. Temos autonomia legislativa no Brasil, porque temos o
Código Comercial de 1850 e mais inúmeras legislações extravagantes sobre
matéria mercantil.
Finalmente,
a autonomia essencial é a<i> autonomia material</i>. Se não
existir, não há que se falar em sua existência daquele ramo de forma autônoma e
independente. É a autonomia que determina que existência de princípios
próprios, características e elementos próprios de cada sub-ramo. Onde é
possível detectar elementos próprios é também possível determinar a existência
de um sub-ramo próprio.
Por
que é fundamental entender se existe essa autonomia do Direito Privado Brasileiro?
Para que se apliquem princípios próprios, características próprias e
jurisprudência própria. Além disso, qual é o Direito de caráter especial e o Direito
de caráter geral? O Público é geral em relação ao Privado ou vice-versa? O Direito
Privado é especial em relação ao Direito Público. Significa que, se quero
solucionar um conflito, devo notar de que tipo de matéria que se trata,
examinando primeiramente se se trata de matéria privada.
E
dentro do Direito Privado? O Direito do Trabalho é especial, e só se aplica às
relações de emprego. Direito do Consumidor também, que só se aplica às relações
de consumo. E o Direito Mercantil? Também tem sua especialidade, e só se aplica
às relações mercantis. Logo, o Direito Civil é o que resta de geral dentro do
universo do Direito Privado.
Então,
quando notamos que uma matéria é de Direito Civil? Por exclusão. É relação de
consumo? Não? Não é o Direito do Consumidor. É relação de emprego? Não? Não é o
Direito do Trabalho que será aplicado. É relação mercantil? Se sim, aplicamos o
Direito Mercantil. Se não é, então finalmente aplicamos o Direito Civil.
Se
tudo fosse tratado da mesma forma e do mesmo jeito, não se precisaria ter
buscado essa divisão.
Por
que não é possível tratar tudo da mesma forma? Porque existe uma autonomia
material entre esses quatro sub-ramos do Direito. O que interessa é a autonomia
material entre o Direito Mercantil e o Direito Civil. O Direito Civil é um Direito
individualista, enquanto o Mercantil é um Direito de massa. O Direito Civil é o
regulador do estatuto do indivíduo. Maioridade, personalidade, estado civil,
nacionalidade... tudo isso é coisa de Direito Civil. E também as relações
patrimoniais, <i>eventualmente</i>. Regular relações patrimoniais não
é o elemento essencial do Direito Civil. O essencial é regular a vida do
indivíduo. Por isso é o estatuto do indivíduo.
O
Direito Mercantil, na origem, também era individual. Surgiu da fragmentação do
Direito que estava posto, que era o Direito Romano. O Direito do Império Romano
foi fragmentado. Com o nascimento dos burgos, foi possível nascer uma economia
ao redor das cidades, primeiro de subsistência, depois de extroversão.
Quando
nasceu essa economia, os agentes buscaram as soluções de seus conflitos à luz
do Direito herdado, o Direito Romano, de cunho civilista. Por quê? Por que que,
quando vamos buscar as soluções de nossos conflitos dentro do Direito Civil
herdado, isso acaba não sendo possível? Porque no Império Romano, a atividade
mercantil era considerada de segunda categoria, que não deveria ser
desenvolvida por cidadãos romanos, por patrícios. Se é de segunda categoria,
então o Direito não a regula. Mas nasceu a atividade mercantil nas cidades, por
isso buscou-se a solução para conflitos aonde? No Direito Romano que não era.
Então as partes, os comerciantes, criaram um sistema de regras próprio, dentro
das corporações de ofício. Organizaram em várias associações, que começaram a
elaborar regimentos internos próprios para a resolução de conflitos.
Esse
era um Direito classista e territorial. Mas essa aplicação desse Direito
começou a solucionar os conflitos e, claro, de forma muito mais ágil. A
característica essencial desse Direito é a <i>não formalidade</i>.
O oposto do Direito Civil, em que a característica essencial era a solenidade.
No Direito Mercantil, valia o ato não solene. Por que a solenidade era regra no
Direito Civil? Porque é herança de um Direito estritamente regulador e formal
que necessitou da formalidade e solenidade e foi aplicado além do espaço
territorial original, e solenidade permitia o transporte da identidade do povo
romano, portanto, a ocupação de novos espaços territoriais.
E
o Direito Mercantil? Nada de solenidade por causa da agilidade do mercado. Seria
impossível imaginar trazerem-se determinadas formas solenes de realizar
contratos. O mercado mudaria rapidamente. O mercado sempre estaria fora do que
estivesse regulado pelo Direito. Significa que, em regra, os atos seriam não
solenes. Excepcionalmente, haveria solenidade.
Buscando
a aplicação do Direito Romano para os mercadores, logo notavam-se os dois
problemas: primeiro, não existia regulamentação, e segundo, tudo era solene no
Direito Romano. O resultado disso foi a agilidade na solução de conflitos
mediante a aplicação do Direito Mercantil. Quando isso aconteceu, o Direito continuava
territorial e classista. O problema é que as partes não mercantis pretenderam
aderir a esse novo Direito. Quando se realizava uma relação de um comerciante com
um não comerciante, pretendia-se o uso da norma mercantil. Isso começou a
acontecer por causa da agilidade da solução do conflito. O efeito disso foi que
o Direito, que era classista, passou a ser não classista, desde que a relação
entre as partes fosse mercantil. Daí veio a qualificação desse Direito como de
massa. Tudo isso na Alta Idade Média. O Direito Civil continuava sendo um
Direito individual, enquanto o Mercantil continuava sendo um Direito de massa.
Não se preocupava mais com os indivíduos da relação jurídica, mas com a própria
relação jurídica.
Contudo,
esse Direito continuava territorial. E agora? Mercadores de diferentes
corporações, como de Genova e Barcelona, eram membros de duas corporações com
regimentos e normas distintas. Qual a norma usar? Critérios de conexão de
solução de conflitos. Daí veio o Direito Internacional Privado. No Direito
Romano havia o <i>jus sanguinis</i>, o que menos nos interessa,
porque não faz diferença alguma saber onde o sujeito nasceu. Mas vale saber a cidade
de realização do negócio, o <i>locus</i> de realização do negócio.
É uma forma de solução de conflitos. O elemento de conexão de solução do
conflito será ou o local de celebração do contrato, ou de sua execução:
<i>lex loci celebrationis</i> ou <i>lex loci executionis</i>.
Ou ainda o Direito aplicado seria o que estivesse previsto no contrato, ou o
Direito do lugar da língua do contrato!
Temos
várias normas. Disso nasceu o Direito Empresarial.
Até
que chegamos à conclusão de que todos desenvolvemos as mesmas atividades. O que
podemos tentar fazer? Harmonizar a norma. Não unificar, porque isso é difícil,
mas sim harmonizar a norma jurídica. Com isso passa a ser relativamente irrelevante
a lei usada para a resolução do conflito porque as leis são mais ou menos
iguais.
Então
hoje, se saio do Brasil e analiso a Lei de Sociedade Anônima da Argentina ou
dos Estados Unidos, cujo sistema jurídico é outro, ou da Alemanha ou do Japão,
será tudo parecido. Normas de título de crédito serão ainda mais parecidas, e
as de falência também. Mas não exatamente!
O
Direito, então, é aplicado territorialmente, mas é de cunho internacionalista.
É nacional, mas internacionalizou-se durante seu processo de evolução.
O
Direito Civil? Ainda é territorial. E, para acabar de ter certeza sobre a existência
de uma autonomia material, qual é o método de criação da norma jurídica? No Direito
Civil, o método é o dedutivo. Parte da norma de caráter geral e deduz no caso
concreto. De cima para baixo, portanto. já o método do Direito Mercantil é
indutivo: Primeiro praticamos os atos de mercado, e depois induzimos o Estado
para que crie a norma. Isso faz com que o Direito Mercantil seja um Direito não
consuetudinário, o que não podemos dizer em um sistema positivado como o nosso,
mas sim que é de <i>base</i> consuetudinária, que tem os usos e
costumes mercantis. Isso porque nosso método de criação da norma é o indutivo. Primeiro
praticamos, para depois criarmos a norma.
É
por isso até que em nosso mundo mercantil é difícil dizer aquela frase: “a
norma não pegou.” Ela, na verdade, já havia pegado. A norma veio só para gerar
segurança jurídica.
Exemplo:
temos um grupo de pesquisa em Direito Empresarial aqui no CEUB. Uma vez por
mês, na primeira segunda-feira de cada mês às 12:30, os membros se reúnem e discutem
temas de Direito Empresarial. Tem que ser na hora do almoço porque as pessoas
do ramo estão, naturalmente, mais preocupadas em ganhar dinheiro, então é o
único horário que sobra. Há pessoas de fora do Brasil também, que colaboram por
e-mail, além de alunos de doutorado e mestrado. Mas da graduação também! São
cerca de 22 pessoas. Nunca estão todos na reunião, exceto o professor, que
comparece religiosamente. Vão até publicar um livro sobre diferentes setores da
economia brasileira sob a ótica do Direito Empresarial, e não do Direito Econômico:
como o Direito dificulta a atividade econômica da empresa. Professora Cleíse,
de Direito Empresarial e que também leciona Ética Profissional para alguns de
nós, sempre trazia a ideia de regulamentar. O professor rebatia: “para que
fazer norma! Vamos fazer se houver necessidade! Vamos chegar aos nossos
consensos.” Então somente duas normas ficaram regulamentadas: o encontro
acontece uma vez por mês, e dá-se sempre numa segunda-feira ao meio-dia e meia.
Se daqui a dez anos precisarmos de algo mais, regulamentaremos. É a tentativa
que temos de deixar o mercado solucionado.
De
tudo isso, temos que é impossível promover uma unificação do Direito Privado. Partimos
de premissas muito diferentes para chegarmos num consenso. Então mesmo que
coloquemos no mesmo livro toda a matéria, ainda assim as matérias estarão
separadas internamente. Se houvesse um Código de Direito Privado, como pretende
ser nosso Código Civil, vemos que o nome “Código Civil” está errado; deveria
ser “Código Cível”. A primeira parte seria de Direito Civil, a segunda parte
seria de Direito Mercantil, a terceira de Direito do Trabalho e a quarta de
Direito do Consumidor. Partimos de principiologias diferentes com relação a
cada uma das matérias.
O
que se poderia fazer é criar o afastamento de normas de Direito Civil das
relações mercantis e buscar atrair os costumes. Há costumes <i>contrario
legis</i> aplicados. Aplicamos o Direito Civil muito raramente. Na vida
profissional do professor, ele aplicou o Direito Civil subsidiariamente duas
vezes ou uma.
Maquiavel
disse uma vez: “se uma gata pariu dentro do forno, os filhotes automaticamente se
converteram em biscoitos?” Se alguém nasce no Brasil, nem por isso virou
brasileiro. Temos ali normas de caráter empresarial tratadas na lei civil. Nada
mais que isso. Continua sendo matéria estritamente empresarial tratada na lei
civil.
Autonomia
didática e formal não são essenciais. Direito das Obrigações é Direito Civil? Não
faz sentido dizer que é coisa de Direito Civil só porque está disciplinado no
Código Civil. Antes estava tratado no Código Comercial. Ao mesmo tempo que o
Livro de Direito Empresarial no Código Civil é um corpo estranho.
Direito
das Obrigações é matéria de Direito Privado, e não de Direito Civil. Poderia
ser sub-ramo do Direito Privado. O Direito Obrigacional tem características
próprias. Serve ao Direito Civil, ao Mercantil, ao Direito do Consumidor e ao
do Trabalho! Há pessoas que pensam que poderia ser assim. São pensadores minoritários,
grupo no qual o professor se inclui. É possível criar um<i> Código das
Obrigações</i>. Se alguém estiver numa especificidade obrigacional, que
trate em sua lei própria. Mas toda a teoria geral poderia estar unificada em
determinada lei que serviria para todos os outros sub-ramos do Direito Privado.
O professor entende que, no Código Comercial novo que está em trâmite, estão
também reguladas obrigações, que serão mercantilistas. Vai derrogar parte da
disciplina das obrigações do Código Civil de 2002.
Observação:
hoje há autonomia formal porque também temos legislação extravagante. O Direito
Mercantil tem todas as três autonomias. Mesmo que não tivesse autonomia
didática e formal ainda assim seria autônomo porque teria autonomia material.
Por
que é fundamental entender tudo isso? Porque, na verdade, o negócio jurídico é
uno e indivisível. Não é possível regular por uma matéria para uma parte, e por
outra matéria por outra. Não seria possível imaginar que a compra e venda seria
relação de consumo para o comprador e relação civil para o vendedor, ou vice-versa.
O negócio jurídico é uno, portanto. A partir do momento em que entendermos que
é um negócio jurídico, podemos aplicar a matéria, seja consumerista, seja
civilista, mercantilista ou laboralista.
Por
isso que precisamos saber: tenho um contrato de compra e venda. O que tenho que
afastar ou buscar a aplicação para a solução de conflitos? Primeira coisa: é matéria
de Direito Privado. É uma relação de consumo? A relação de consumo é a mais
específica de todas das relações privadas. Deve, portanto, ser a primeira a ser
examinada, a primeira coisa a se perguntar. Se há relação de consumo, abandonamos
o resto e vamos direto à legislação consumerista.
Não
sendo relação de consumo, perguntamo-nos se é uma relação de emprego. Estão
presentes os requisitos da relação de emprego? Se não, abandonamos o Direito do
Trabalho, e passamos a analisar se é uma relação mercantil. Não sendo, então
vamos ao Direito Civil. No universo do Direito Privado, o Direito Civil é o
Direito de caráter mais geral, e o Direito do Consumidor é o de caráter mais
especial. O Direito Civil só é especial em relação ao Direito Público.
O
que precisamos, então, para resolver isso? Se temos essa sistemática para a
solução de conflitos, precisamos saber os elementos caracterizadores de cada
matéria!
<h4>Elementos
caracterizadores de cada matéria</h4>
Na
relação de consumo, o que temos? O que observo? A observação é sobre o negócio
jurídico ou sobre as partes? Sobre as partes. Então veremos se existe um
consumidor, determinando se o comprador é o destinatário final do produto ou
serviço, e se existe um fornecedor. Se esses dois personagens, então é relação
de consumo e aplicamos o <b>Direito do Consumidor</b>.
Se
não houver um consumidor e um fornecedor, passaremos a analisar se se trata de
uma relação de emprego. No <b>Direito do Trabalho</b>, o que
analisamos? Se existe a figura do empregador e a do empregado. O que é elemento
essencial para a caracterização da existência desses dois? características da
relação de emprego: <i>pessoalidade</i>, empregado pessoa física
tem que, ele mesmo, prestar diretamente o serviço para o empregador, ou dele
estar à disposição. O empregador pode ser pessoa jurídica ou pessoa física. A
pessoalidade é requisito essencial da relação de emprego? Sim. Ela pode
eventualmente ser afastada? Sim, desde que exista acordo entre as partes. Se o
empregado disser que determinado dia não pode desenvolver sua relação de
emprego e o empregador concordar com a substituição do empregado, tudo bem. Isso
só é feito na extraordinariedade. Segundo requisito da relação de emprego é a <i>
habitualidade</i>. Relação continuada. Terceiro:
<i>remuneração/onerosidade</i> na relação entre as partes. Se não
houver contraprestação, existe relação de emprego? Receber sua remuneração é um
direito indisponível do empregado. Se é indisponível, a disponibilidade não tem
validade perante o mundo jurídico. O que ocorreu foi somente a inexecução da
relação de emprego por parte do empregador, que pagará depois acrescido das
verbas trabalhistas devidas. Quarto requisito da relação de emprego, e por fim,
é a <i>subordinação</i>. Capacidade do empregador de determinar o
como, o quando e o onde o trabalho será prestado. Se um desses elementos falta,
não há que se falar em subordinação. A relação de emprego é a capacidade do
empregador em determinar a condição do empregado. Se existe isso, existe
subordinação.
E
a exclusividade? Hoje não é mais requisito essencial da relação de empregado. Contanto
que o empregado desenvolva suas atividades de forma regular, pode ele ter mais
de uma relação de emprego, desde que em horários compatíveis.
Portanto,
precisamos de: pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Assim,
quando analisarmos um contrato, em cujo cabeçalho está grande o título “contrato
de prestação de serviços”, perguntamo-nos: existe pessoalidade? Pode existir,
não obrigatoriamente. Pode ser um contrato <i>intuitu personae</i>.
No contrato de prestação de serviços também existe onerosidade, claro. Não
salário, mas remuneração. E a habitualidade? Também existe. É um negócio
jurídico de trato sucessivo, por isso claro que existe habitualidade. Então
onde diferenciamos o contrato de prestação de serviços do contrato de trabalho?
Na subordinação. Se houver, então temos uma relação de emprego que foi maquiada
como um contrato de prestação de serviços.
Nisso
tudo temos uma característica do Direito do Trabalho que é o princípio da
verdade real, o princípio da primazia da realidade. Importa o que ocorre, e não
a formalidade ou o que está escrito. Se presentes as características da relação
de emprego, então há relação de emprego, o que significa que o empregador
deverá pagar. O empregado pede tudo que havia, mesmo o que é devido há mais de 30
anos, e somente ao descumpridor da obrigação que caberá alegar a prescrição.
Certo.
Daí vemos que aquilo ali não é uma relação de emprego por faltarem os elementos
caracterizadores da relação. Abandonamos o segundo ramo. Não é relação de
consumo nem relação de emprego. O que temos que ver agora? Se é relação de <b>Direito
Mercantil</b>. Finalmente, não sendo, só então direi que a relação é tutelada,
em geral, pelo <b>Direito Civil</b>.
Se
precisamos examinar se a relação é mercantil, o que precisamos saber? Os
elementos caracterizadores da relação mercantil. É hora de entender a matéria
comercial mercantil. Entendendo isso, podemos buscar a possível aplicação do Direito
Mercantil para a solução dos conflitos.
<h4>Matéria
comercial</h4>
Na
matéria comercial, temos três correntes delimitando-a. Temos a teoria
subjetiva, a teoria objetiva e a teoria empresarial da delimitação da matéria
comercial.
A
primeira teoria, a subjetiva, é a que estava prevista no art. 3º do Código
Comercial de 1850, dispositivo que foi revogado. O Código Comercial de 1850
tinha muitos artigos. Havia também o Decreto nº 737, de novembro do mesmo ano
de 1850, que regulamentava, em mais centenas de artigos, as outras centenas que
já havia. O Código Civil atual revogou o Código Comercial, mas não revogou nem
derrogou o “Regulamento 737”.
O
art. 4º determinava: <i>é comerciante quem faz da mercancia profissão
habitual</i>. Pela teoria subjetiva, para qualificar a relação como
mercantil, é fundamental identificar a presença de pelo menos um comerciante no
exercício de sua profissão naquele negócio jurídico.
[[[
Art.
4 - Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este
Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum
dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual
(artigo nº 9).
]]]
Começamos
a tentar definir o seguinte: habitualidade. Prática reiterada de determinados
negócios jurídicos. Mas quantas vezes? Não se consegue definir. Então tentamos
definir a habitualidade pela exclusividade. Mas a exclusividade é requisito
essencial da relação mercantil? Não. Pode alguém ser comerciante e ser outra
coisa ao mesmo tempo? Pode. Então a exclusividade não é requisito essencial. Posso
dizer, então, que a habitualidade se dá quando a mercancia é a principal
atividade do indivíduo. Difícil também, porque se alguém exerce uma atividade
como principal e, como acessória a atividade mercantil ele não será
comerciante. O efeito disso é não estar sujeito à falência. Quem pode falir no
Direito brasileiro? O comerciante. Quais requisitos da decretação da falência?
Que exista, primeiro, um comerciante. Que tipo de comerciante? Qualquer um
deles, individual ou coletivo, em nome próprio ou em nome coletivo,
constituindo sociedade mercantil. Leremos bobagens na doutrina dizendo que
empresário é uma coisa e comerciante é outra. São sinônimos. Mas um é
nomenclatura de 1850, e outro é o termo usado a partir de 2002.
Quem
pode falir, então, é empresário, seja individual ou coletivo.
Agora,
além de ser empresário, o que mais tem que haver para a decretacap da falência?
Inadimplência, que é o não cumprimento das obrigações em prazo certo. E, além
disso, insolvência. No passado o juiz decretava a falência só com a
inadimplência, sem insolvência. Era um absurdo, porque o sujeito poderia ter um
patrimônio imobilizado enorme, mas sem liquidez. Poderia satisfazer o credor
facilmente, sem que a empresa perdesse sua função social. Hoje, portanto,
precisa ser inadimplente e insolvente.
O
que precisamos, então, é saber quem é o comerciante, ou empresário. O art. 4º
do Código Comercial determinava aquilo. “Habitualidade” não temos a menor ideia
do que seja. Prática reiterada duas vezes por ano não é ato de comerciante? Um
empresário pode vender 30 aeronaves uma vez por ano. Qual é a habitualidade?
Não temos como saber. E profissão? Profissão, para o Código Comercial de 1850 e
para a teoria subjetiva, é <i>registro</i>. Registro na Junta
Comercial é elemento essencial, para a teoria subjetiva, para a qualificação do
empresário. Naquela época, o registro era feito no Tribunal do Comércio do
Império.
Vamos
voltar à falência. Se não existe registro e alguém exerce a atividade comprando
e vendendo, o que é uma atividade estritamente mercantil, mas sem registro, o
efeito é que o sujeito não é empresário. Significa que não está sujeito à
falência. O indivíduo que exerce a atividade, mas que não tem registro, pela
teoria subjetiva, não é comerciante. Se não é comerciante, não está sujeito à
falência.
E
o que é “mercancia”? Também não sabemos. O Regulamento 737 trouxe no art. 19 a
regulamentação do termo mercancia:
[[[
Art.
19. Considera-se mercancia:
§
1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis ou semoventes para os vender
por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados, ou para alugar o
seu uso.
§
2º As operações de cambio, banco e corretagem.
§
3° As emprezas de fabricas; de com missões; de depositos; de expedição,
consignação e transporte de mercadorias; de espectaculos publicos.
§
4.° Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contratos relativos ao commercio
maritimo.
§
5. ° A armação e expedição de navios.
]]]
Quando
o legislador fez isso, adotou-se no Brasil a teoria objetiva. O que o legislador
fez, então, foi adotar alguns critérios de definição de mercancia, inclusive
com uma lista do que seriam os atos qualificados como tal. Agora olha-se para
os atos e não para a pessoa. E brigamos por 100 anos para dizer que essa lista não
era taxativa, mas meramente exemplificativa. Estava lá que a compra e venda é
ato de comércio, transporte terrestre e marítimo, indústria, serviços,
financeiros inclusive, seguro, etc.
Chegamos
à conclusão de duas características essenciais para qualificar a mercancia
daquela lista. São derivadas da teoria subjetiva e da objetiva:
<b>circulabilidade</b> e <b>especulação</b>. São dois
critérios que têm que estar presentes cumulativamente. Consequentemente classificamos
a matéria como mercantil, e, em seguida, o Direito Mercantil será o adequado para
a solução dos conflitos.
Circulabilidade
é a <i>intenção de se colocar produtos e serviços em circulação</i>.
Não efetivamente colocar, mas intenção de colocar. É a busca de transferência
da posse e/ou propriedade desses bens jurídicos. Se existe a busca de
modificação da posse ou propriedade dos bens, há que se falar em Circulabilidade.
Se não houver a abertura da porta do estabelecimento físico, não existe
circulabilidade. Se não houver a extroversão inicial, o intuito de projetar
para fora, não há circulabilidade. Tem que haver circulação efetiva? Não. Abri
o boteco mas ainda não inaugurei, mas estou com a intenção de colocar cerveja em
circulação.
Especulação
é <i>a intenção na obtenção de lucro</i>. Não é a presença efetiva do
lucro. Se fosse o lucro propriamente dito, a falência não seria um instituto
mercantil. A falência só ocorre em função da existência de um empresário, que
seja inadimplente e que seja insolvente. Se existir sempre lucro, não há que se
falar em insolvência, porque o ativo ficaria sempre maior que o passivo. Identificamos
a especulação na intenção na obtenção de lucro. Havendo esses dois requisitos,
a matéria é mercantil.
Daí
fazemos uma classificação, dentro da teoria objetiva, dos atos de comércio.
<h4>Classificação
dos atos de comércio</h4>
Classificamos
em atos de comércio subjetivos, objetivos e por conexão.
Ato
de comércio subjetivo, ou ato de comércio por natureza: são qualificados como
tal em virtude da presença de um comerciante no exercício da relação jurídica.
Que diferença tem isso para a teoria subjetiva? A diferença é que, na teoria
subjetiva, para a qualificação do comerciante, o registro no órgão competente é
elemento essencial. No ato de comércio subjetivo, o registro é dispensável. De
novo: aqui, o foco é no ato, na atividade, e não na pessoa, por isso chamamos
de ato de comércio. “Subjetivo”, aqui, será somente em virtude da presença de pelo
menos um comerciante. O registro deixa de ser elemento essencial e passa a ser
somente matéria de prova. Mesmo que não exista registro, desde que pratique
seus negócios com especulação e circulabilidade, há que se falar em empresário,
individual ou coletivo. O registro só facilita a prova. Se o registro deixou de
ser essencial, significa que agora é possível haver a decretação de falência de
alguém que seja qualificado como comerciante ainda que não haja registro. Pela
teoria objetiva, sim! Isso foi primeiramente decidido no Brasil em 1974. Foi
possível, então, a falência de uma sociedade de fato ou irregular. De fato
seria a que existia e não tinha registro, e irregular era a sociedade com
registro defeituoso. O efeito é o mesmo: responsabilidade ilimitada dos sócios.
Significa que não é mais necessário definir qual das duas é.
O
que aconteceu a partir disso foi que passamos a entender que, desde que
presentes os requisitos da relação mercantil, o registro é agora só um critério
de prova. É para o credor fazer a prova da existência do devedor comerciante. Se
eu faço a prova, posso requerer dele a falência. Com efeito de requerer a
falência não só da sociedade que não detém personalidade jurídica, mas também
dos sócios. A extensão da responsabilidade à pessoa dos sócios é a sanção determinada
pela lei por não haver registro próprio na Junta Comercial para uma sociedade
mercantil constituída como tal. Se não levamos a arquivamento na Junta
Comercial, uma sociedade por quotas tem como sanção a extensão da
responsabilidade para as pessoas dos sócios. O sócio responde perante terceiros.
Quando vemos isso, como aplicamos na falência? Do mesmo jeito. Se é uma
sociedade de fato ou irregular, também ocorrerá quanto à sociedade e quanto aos
sócios. Responde o patrimônio vinculado à atividade e o patrimônio pessoal dos
sócios, ilimitadamente.
O
comerciante individual pode falir? Pode. O registrado pode? Pode. O não
registado pode? Também pode. É falência, e não
insolvência. Requeremos a falência do empresário individual em virtude do
descumprimento de suas obrigações. Se eu pretender a insolvência de um
empresário, ele vai contestar dizendo: “não sou insolvente, sou falido.” A diferença
é qual? Bastante. A administração sobre qual patrimônio. Na insolvência, o devedor
perde a administração de todo o seu patrimônio. Na falência, somente perde a
administração do patrimônio vinculado à atividade. O resto fica sob sua
responsabilidade. Daí temos uma diferença enorme e prática.
Avançamos
e chegamos à conclusão de que o ato de comércio subjetivo permitiu a decretação
da falência do empresário coletivo ou individual mesmo sem registro. Essa é a
teoria objetiva!
E
como fazer a prova da existência de um empresário se ele não tem registro? Se
tem registro, vá à Junta Comercial e pronto. Se não tem, use a contabilidade,
se tiver; veja a emissão dos títulos em favor dele, comprovando que é devedor, títulos
esses que são função de um negócio jurídico subjacente, que é mercantil, nisso
fazemos a prova.
Ato
de comércio objetivo é aquele que, independente de quem pratica, sempre será
mercantil. Foi entendido como ato de comércio objetivo a emissão e circulação
de títulos de crédito. Será sempre ato mercantil ou de comércio. Isso quer
dizer o quê? Que a legislação que se aplica para a solução do conflito de
execução defeituosa de um ato de comércio será o Direito Mercantil. O sub-ramo
será o Direito Cambiário, o Direito dos títulos de crédito. Isso é muito
importante. Por quê? Há pessoas proibidas de exercer a atividade mercantil? Sim.
Servidores públicos, que estão impedidos de exercer a atividade, não pelo
Direito Empresarial, mas pelo Direito Administrativo. O entendimento do Direito
Administrativo é que o servidor público não deve e não pode exercer atividade
mercantil em nome próprio porque, se exerce, ele estaria sujeito à falência. Se
vier a falir, isso iria macular a boa imagem da Administração Pública, como se
boa imagem ela tivesse. Consequentemente, o ordenamento jurídico proibiu ao
servidor público exercer comércio em nome próprio. Em nome próprio porque ele
pode exercer atividade mercantil como sócio de uma sociedade mercantil que
tenha limitação de responsabilidade. Desde que ele não exerça a gerência e que
o capital social esteja 100% integralizado. E também pode ser acionista de
sociedade anônima, desde que suas ações estejam subscritas e totalmente
integralizadas. Aí não responderá perante terceiros. É determinação do Direito
Administrativo e não do Direito Mercantil.
E
se fizer? Os atos são totalmente válidos, nem anuláveis serão. O efeito que
terá para ele será o administrativo, se a Administração quiser sancioná-lo.
Servidor
público pode praticar atos de comércio pela teoria objetiva porque não importa
a pessoa de quem pratica. O que importa é o efeito perante terceiros. Digamos
que o cheque começou a circular, foi pago pelo emitente em favor do 11º endossatário.
Imagine que, nessa altura, esse endossatário descobre que o emitente é servidor
público, e por isso seria inválido. Caos e insegurança jurídica se instalariam.
Por isso temos o ato de comércio objetivo e circulação de título de crédito.
Aplica-se só o Direito Cambiário, que é um Direito próprio, um ordenamento
próprio, com características próprias para a solução de conflitos.
Atos
de comércio por conexão e matérias excluídas da atividade mercantil ficam para
amanhã.
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