segunda-feira, 1 de setembro de 2014

AULA DE DIREITO EMPRESARIAL 02 04 12


                   

Direito Empresarial 02-04-12

Dicotomia do Direito Privado
     Autonomia didática
     Autonomia formal
     Autonomia material

Matéria comercial
Forma subjetiva
Forma objetiva
Ato de comércio subjetivo/natureza
Ato de comércio objetivo/determinação legal
Ato de comércio por conexão

Teoria empresarial
Matéria comercial
     Teoria subjetiva
     Teoria objetiva
     Teoria empresarial

Hoje vamos ver a parte de divisão do Direito Privado e a matéria comercial.
Existe uma divisão do Direito Privado no Brasil, certo? Consiste em qual divisão? Rapidamente pensamos em Direito Civil e Direito Empresarial. Parte da doutrina entende que o Direito do Trabalho também está classificado como parte do Direito Privado, doutrina à qual o professor se filia, enquanto outros entendem que o Direito do Trabalho não, mas que se trata de um Direito especial. Também se entende que o Direito do Consumidor também tem autonomia em relação ao Direito Civil, portanto também seria um sub-ramo do Direito Privado, e o professor concorda, pois seria autônomo.
O que caracteriza essa divisão? Quais os elementos determinantes do Direito Privado? O primeiro elemento é a<i> autonomia didática</i>. Estudo dividido, separação por assunto, algo que é feito mais para facilitar a compreensão. A autonomia didática, no entanto, não é essencial para determinar a autonomia de uma área do Direito nem para estabelecermos uma subdivisão. A divisão didática não é essencial, mas é simplesmente para entendermos melhor a matéria.
<i>Autonomia formal </i>é a autonomia legislativa, a existência de legislação própria com relação a um determinado sub-ramo do Direito. Também não é essencial. Podemos ter um sub-ramo do Direito qualificado como tal, ainda que não tenhamos lei específica daquele ramo. Temos autonomia legislativa no Brasil, porque temos o Código Comercial de 1850 e mais inúmeras legislações extravagantes sobre matéria mercantil.
Finalmente, a autonomia essencial é a<i> autonomia material</i>. Se não existir, não há que se falar em sua existência daquele ramo de forma autônoma e independente. É a autonomia que determina que existência de princípios próprios, características e elementos próprios de cada sub-ramo. Onde é possível detectar elementos próprios é também possível determinar a existência de um sub-ramo próprio.
Por que é fundamental entender se existe essa autonomia do Direito Privado Brasileiro? Para que se apliquem princípios próprios, características próprias e jurisprudência própria. Além disso, qual é o Direito de caráter especial e o Direito de caráter geral? O Público é geral em relação ao Privado ou vice-versa? O Direito Privado é especial em relação ao Direito Público. Significa que, se quero solucionar um conflito, devo notar de que tipo de matéria que se trata, examinando primeiramente se se trata de matéria privada.
E dentro do Direito Privado? O Direito do Trabalho é especial, e só se aplica às relações de emprego. Direito do Consumidor também, que só se aplica às relações de consumo. E o Direito Mercantil? Também tem sua especialidade, e só se aplica às relações mercantis. Logo, o Direito Civil é o que resta de geral dentro do universo do Direito Privado.
Então, quando notamos que uma matéria é de Direito Civil? Por exclusão. É relação de consumo? Não? Não é o Direito do Consumidor. É relação de emprego? Não? Não é o Direito do Trabalho que será aplicado. É relação mercantil? Se sim, aplicamos o Direito Mercantil. Se não é, então finalmente aplicamos o Direito Civil.
Se tudo fosse tratado da mesma forma e do mesmo jeito, não se precisaria ter buscado essa divisão.
Por que não é possível tratar tudo da mesma forma? Porque existe uma autonomia material entre esses quatro sub-ramos do Direito. O que interessa é a autonomia material entre o Direito Mercantil e o Direito Civil. O Direito Civil é um Direito individualista, enquanto o Mercantil é um Direito de massa. O Direito Civil é o regulador do estatuto do indivíduo. Maioridade, personalidade, estado civil, nacionalidade... tudo isso é coisa de Direito Civil. E também as relações patrimoniais, <i>eventualmente</i>. Regular relações patrimoniais não é o elemento essencial do Direito Civil. O essencial é regular a vida do indivíduo. Por isso é o estatuto do indivíduo.
O Direito Mercantil, na origem, também era individual. Surgiu da fragmentação do Direito que estava posto, que era o Direito Romano. O Direito do Império Romano foi fragmentado. Com o nascimento dos burgos, foi possível nascer uma economia ao redor das cidades, primeiro de subsistência, depois de extroversão.
Quando nasceu essa economia, os agentes buscaram as soluções de seus conflitos à luz do Direito herdado, o Direito Romano, de cunho civilista. Por quê? Por que que, quando vamos buscar as soluções de nossos conflitos dentro do Direito Civil herdado, isso acaba não sendo possível? Porque no Império Romano, a atividade mercantil era considerada de segunda categoria, que não deveria ser desenvolvida por cidadãos romanos, por patrícios. Se é de segunda categoria, então o Direito não a regula. Mas nasceu a atividade mercantil nas cidades, por isso buscou-se a solução para conflitos aonde? No Direito Romano que não era. Então as partes, os comerciantes, criaram um sistema de regras próprio, dentro das corporações de ofício. Organizaram em várias associações, que começaram a elaborar regimentos internos próprios para a resolução de conflitos.
Esse era um Direito classista e territorial. Mas essa aplicação desse Direito começou a solucionar os conflitos e, claro, de forma muito mais ágil. A característica essencial desse Direito é a <i>não formalidade</i>. O oposto do Direito Civil, em que a característica essencial era a solenidade. No Direito Mercantil, valia o ato não solene. Por que a solenidade era regra no Direito Civil? Porque é herança de um Direito estritamente regulador e formal que necessitou da formalidade e solenidade e foi aplicado além do espaço territorial original, e solenidade permitia o transporte da identidade do povo romano, portanto, a ocupação de novos espaços territoriais.
E o Direito Mercantil? Nada de solenidade por causa da agilidade do mercado. Seria impossível imaginar trazerem-se determinadas formas solenes de realizar contratos. O mercado mudaria rapidamente. O mercado sempre estaria fora do que estivesse regulado pelo Direito. Significa que, em regra, os atos seriam não solenes. Excepcionalmente, haveria solenidade.
Buscando a aplicação do Direito Romano para os mercadores, logo notavam-se os dois problemas: primeiro, não existia regulamentação, e segundo, tudo era solene no Direito Romano. O resultado disso foi a agilidade na solução de conflitos mediante a aplicação do Direito Mercantil. Quando isso aconteceu, o Direito continuava territorial e classista. O problema é que as partes não mercantis pretenderam aderir a esse novo Direito. Quando se realizava uma relação de um comerciante com um não comerciante, pretendia-se o uso da norma mercantil. Isso começou a acontecer por causa da agilidade da solução do conflito. O efeito disso foi que o Direito, que era classista, passou a ser não classista, desde que a relação entre as partes fosse mercantil. Daí veio a qualificação desse Direito como de massa. Tudo isso na Alta Idade Média. O Direito Civil continuava sendo um Direito individual, enquanto o Mercantil continuava sendo um Direito de massa. Não se preocupava mais com os indivíduos da relação jurídica, mas com a própria relação jurídica.
Contudo, esse Direito continuava territorial. E agora? Mercadores de diferentes corporações, como de Genova e Barcelona, eram membros de duas corporações com regimentos e normas distintas. Qual a norma usar? Critérios de conexão de solução de conflitos. Daí veio o Direito Internacional Privado. No Direito Romano havia o <i>jus sanguinis</i>, o que menos nos interessa, porque não faz diferença alguma saber onde o sujeito nasceu. Mas vale saber a cidade de realização do negócio, o <i>locus</i> de realização do negócio. É uma forma de solução de conflitos. O elemento de conexão de solução do conflito será ou o local de celebração do contrato, ou de sua execução: <i>lex loci celebrationis</i> ou <i>lex loci executionis</i>. Ou ainda o Direito aplicado seria o que estivesse previsto no contrato, ou o Direito do lugar da língua do contrato!
Temos várias normas. Disso nasceu o Direito Empresarial.
Até que chegamos à conclusão de que todos desenvolvemos as mesmas atividades. O que podemos tentar fazer? Harmonizar a norma. Não unificar, porque isso é difícil, mas sim harmonizar a norma jurídica. Com isso passa a ser relativamente irrelevante a lei usada para a resolução do conflito porque as leis são mais ou menos iguais.
Então hoje, se saio do Brasil e analiso a Lei de Sociedade Anônima da Argentina ou dos Estados Unidos, cujo sistema jurídico é outro, ou da Alemanha ou do Japão, será tudo parecido. Normas de título de crédito serão ainda mais parecidas, e as de falência também. Mas não exatamente!
O Direito, então, é aplicado territorialmente, mas é de cunho internacionalista. É nacional, mas internacionalizou-se durante seu processo de evolução.
O Direito Civil? Ainda é territorial. E, para acabar de ter certeza sobre a existência de uma autonomia material, qual é o método de criação da norma jurídica? No Direito Civil, o método é o dedutivo. Parte da norma de caráter geral e deduz no caso concreto. De cima para baixo, portanto. já o método do Direito Mercantil é indutivo: Primeiro praticamos os atos de mercado, e depois induzimos o Estado para que crie a norma. Isso faz com que o Direito Mercantil seja um Direito não consuetudinário, o que não podemos dizer em um sistema positivado como o nosso, mas sim que é de <i>base</i> consuetudinária, que tem os usos e costumes mercantis. Isso porque nosso método de criação da norma é o indutivo. Primeiro praticamos, para depois criarmos a norma.
É por isso até que em nosso mundo mercantil é difícil dizer aquela frase: “a norma não pegou.” Ela, na verdade, já havia pegado. A norma veio só para gerar segurança jurídica.
Exemplo: temos um grupo de pesquisa em Direito Empresarial aqui no CEUB. Uma vez por mês, na primeira segunda-feira de cada mês às 12:30, os membros se reúnem e discutem temas de Direito Empresarial. Tem que ser na hora do almoço porque as pessoas do ramo estão, naturalmente, mais preocupadas em ganhar dinheiro, então é o único horário que sobra. Há pessoas de fora do Brasil também, que colaboram por e-mail, além de alunos de doutorado e mestrado. Mas da graduação também! São cerca de 22 pessoas. Nunca estão todos na reunião, exceto o professor, que comparece religiosamente. Vão até publicar um livro sobre diferentes setores da economia brasileira sob a ótica do Direito Empresarial, e não do Direito Econômico: como o Direito dificulta a atividade econômica da empresa. Professora Cleíse, de Direito Empresarial e que também leciona Ética Profissional para alguns de nós, sempre trazia a ideia de regulamentar. O professor rebatia: “para que fazer norma! Vamos fazer se houver necessidade! Vamos chegar aos nossos consensos.” Então somente duas normas ficaram regulamentadas: o encontro acontece uma vez por mês, e dá-se sempre numa segunda-feira ao meio-dia e meia. Se daqui a dez anos precisarmos de algo mais, regulamentaremos. É a tentativa que temos de deixar o mercado solucionado.
De tudo isso, temos que é impossível promover uma unificação do Direito Privado. Partimos de premissas muito diferentes para chegarmos num consenso. Então mesmo que coloquemos no mesmo livro toda a matéria, ainda assim as matérias estarão separadas internamente. Se houvesse um Código de Direito Privado, como pretende ser nosso Código Civil, vemos que o nome “Código Civil” está errado; deveria ser “Código Cível”. A primeira parte seria de Direito Civil, a segunda parte seria de Direito Mercantil, a terceira de Direito do Trabalho e a quarta de Direito do Consumidor. Partimos de principiologias diferentes com relação a cada uma das matérias.
O que se poderia fazer é criar o afastamento de normas de Direito Civil das relações mercantis e buscar atrair os costumes. Há costumes <i>contrario legis</i> aplicados. Aplicamos o Direito Civil muito raramente. Na vida profissional do professor, ele aplicou o Direito Civil subsidiariamente duas vezes ou uma.
Maquiavel disse uma vez: “se uma gata pariu dentro do forno, os filhotes automaticamente se converteram em biscoitos?” Se alguém nasce no Brasil, nem por isso virou brasileiro. Temos ali normas de caráter empresarial tratadas na lei civil. Nada mais que isso. Continua sendo matéria estritamente empresarial tratada na lei civil.
Autonomia didática e formal não são essenciais. Direito das Obrigações é Direito Civil? Não faz sentido dizer que é coisa de Direito Civil só porque está disciplinado no Código Civil. Antes estava tratado no Código Comercial. Ao mesmo tempo que o Livro de Direito Empresarial no Código Civil é um corpo estranho.
Direito das Obrigações é matéria de Direito Privado, e não de Direito Civil. Poderia ser sub-ramo do Direito Privado. O Direito Obrigacional tem características próprias. Serve ao Direito Civil, ao Mercantil, ao Direito do Consumidor e ao do Trabalho! Há pessoas que pensam que poderia ser assim. São pensadores minoritários, grupo no qual o professor se inclui. É possível criar um<i> Código das Obrigações</i>. Se alguém estiver numa especificidade obrigacional, que trate em sua lei própria. Mas toda a teoria geral poderia estar unificada em determinada lei que serviria para todos os outros sub-ramos do Direito Privado. O professor entende que, no Código Comercial novo que está em trâmite, estão também reguladas obrigações, que serão mercantilistas. Vai derrogar parte da disciplina das obrigações do Código Civil de 2002.
Observação: hoje há autonomia formal porque também temos legislação extravagante. O Direito Mercantil tem todas as três autonomias. Mesmo que não tivesse autonomia didática e formal ainda assim seria autônomo porque teria autonomia material.
Por que é fundamental entender tudo isso? Porque, na verdade, o negócio jurídico é uno e indivisível. Não é possível regular por uma matéria para uma parte, e por outra matéria por outra. Não seria possível imaginar que a compra e venda seria relação de consumo para o comprador e relação civil para o vendedor, ou vice-versa. O negócio jurídico é uno, portanto. A partir do momento em que entendermos que é um negócio jurídico, podemos aplicar a matéria, seja consumerista, seja civilista, mercantilista ou laboralista.
Por isso que precisamos saber: tenho um contrato de compra e venda. O que tenho que afastar ou buscar a aplicação para a solução de conflitos? Primeira coisa: é matéria de Direito Privado. É uma relação de consumo? A relação de consumo é a mais específica de todas das relações privadas. Deve, portanto, ser a primeira a ser examinada, a primeira coisa a se perguntar. Se há relação de consumo, abandonamos o resto e vamos direto à legislação consumerista.
Não sendo relação de consumo, perguntamo-nos se é uma relação de emprego. Estão presentes os requisitos da relação de emprego? Se não, abandonamos o Direito do Trabalho, e passamos a analisar se é uma relação mercantil. Não sendo, então vamos ao Direito Civil. No universo do Direito Privado, o Direito Civil é o Direito de caráter mais geral, e o Direito do Consumidor é o de caráter mais especial. O Direito Civil só é especial em relação ao Direito Público.
O que precisamos, então, para resolver isso? Se temos essa sistemática para a solução de conflitos, precisamos saber os elementos caracterizadores de cada matéria!

<h4>Elementos caracterizadores de cada matéria</h4>
Na relação de consumo, o que temos? O que observo? A observação é sobre o negócio jurídico ou sobre as partes? Sobre as partes. Então veremos se existe um consumidor, determinando se o comprador é o destinatário final do produto ou serviço, e se existe um fornecedor. Se esses dois personagens, então é relação de consumo e aplicamos o <b>Direito do Consumidor</b>.
Se não houver um consumidor e um fornecedor, passaremos a analisar se se trata de uma relação de emprego. No <b>Direito do Trabalho</b>, o que analisamos? Se existe a figura do empregador e a do empregado. O que é elemento essencial para a caracterização da existência desses dois? características da relação de emprego: <i>pessoalidade</i>, empregado pessoa física tem que, ele mesmo, prestar diretamente o serviço para o empregador, ou dele estar à disposição. O empregador pode ser pessoa jurídica ou pessoa física. A pessoalidade é requisito essencial da relação de emprego? Sim. Ela pode eventualmente ser afastada? Sim, desde que exista acordo entre as partes. Se o empregado disser que determinado dia não pode desenvolver sua relação de emprego e o empregador concordar com a substituição do empregado, tudo bem. Isso só é feito na extraordinariedade. Segundo requisito da relação de emprego é a <i> habitualidade</i>. Relação continuada. Terceiro: <i>remuneração/onerosidade</i> na relação entre as partes. Se não houver contraprestação, existe relação de emprego? Receber sua remuneração é um direito indisponível do empregado. Se é indisponível, a disponibilidade não tem validade perante o mundo jurídico. O que ocorreu foi somente a inexecução da relação de emprego por parte do empregador, que pagará depois acrescido das verbas trabalhistas devidas. Quarto requisito da relação de emprego, e por fim, é a <i>subordinação</i>. Capacidade do empregador de determinar o como, o quando e o onde o trabalho será prestado. Se um desses elementos falta, não há que se falar em subordinação. A relação de emprego é a capacidade do empregador em determinar a condição do empregado. Se existe isso, existe subordinação.
E a exclusividade? Hoje não é mais requisito essencial da relação de empregado. Contanto que o empregado desenvolva suas atividades de forma regular, pode ele ter mais de uma relação de emprego, desde que em horários compatíveis.
Portanto, precisamos de: pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação. Assim, quando analisarmos um contrato, em cujo cabeçalho está grande o título “contrato de prestação de serviços”, perguntamo-nos: existe pessoalidade? Pode existir, não obrigatoriamente. Pode ser um contrato <i>intuitu personae</i>. No contrato de prestação de serviços também existe onerosidade, claro. Não salário, mas remuneração. E a habitualidade? Também existe. É um negócio jurídico de trato sucessivo, por isso claro que existe habitualidade. Então onde diferenciamos o contrato de prestação de serviços do contrato de trabalho? Na subordinação. Se houver, então temos uma relação de emprego que foi maquiada como um contrato de prestação de serviços.
Nisso tudo temos uma característica do Direito do Trabalho que é o princípio da verdade real, o princípio da primazia da realidade. Importa o que ocorre, e não a formalidade ou o que está escrito. Se presentes as características da relação de emprego, então há relação de emprego, o que significa que o empregador deverá pagar. O empregado pede tudo que havia, mesmo o que é devido há mais de 30 anos, e somente ao descumpridor da obrigação que caberá alegar a prescrição.
Certo. Daí vemos que aquilo ali não é uma relação de emprego por faltarem os elementos caracterizadores da relação. Abandonamos o segundo ramo. Não é relação de consumo nem relação de emprego. O que temos que ver agora? Se é relação de <b>Direito Mercantil</b>. Finalmente, não sendo, só então direi que a relação é tutelada, em geral, pelo <b>Direito Civil</b>.
Se precisamos examinar se a relação é mercantil, o que precisamos saber? Os elementos caracterizadores da relação mercantil. É hora de entender a matéria comercial mercantil. Entendendo isso, podemos buscar a possível aplicação do Direito Mercantil para a solução dos conflitos.

<h4>Matéria comercial</h4>
Na matéria comercial, temos três correntes delimitando-a. Temos a teoria subjetiva, a teoria objetiva e a teoria empresarial da delimitação da matéria comercial.
A primeira teoria, a subjetiva, é a que estava prevista no art. 3º do Código Comercial de 1850, dispositivo que foi revogado. O Código Comercial de 1850 tinha muitos artigos. Havia também o Decreto nº 737, de novembro do mesmo ano de 1850, que regulamentava, em mais centenas de artigos, as outras centenas que já havia. O Código Civil atual revogou o Código Comercial, mas não revogou nem derrogou o “Regulamento 737”.
O art. 4º determinava: <i>é comerciante quem faz da mercancia profissão habitual</i>. Pela teoria subjetiva, para qualificar a relação como mercantil, é fundamental identificar a presença de pelo menos um comerciante no exercício de sua profissão naquele negócio jurídico.
[[[
Art. 4 - Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual (artigo nº 9).
]]]
Começamos a tentar definir o seguinte: habitualidade. Prática reiterada de determinados negócios jurídicos. Mas quantas vezes? Não se consegue definir. Então tentamos definir a habitualidade pela exclusividade. Mas a exclusividade é requisito essencial da relação mercantil? Não. Pode alguém ser comerciante e ser outra coisa ao mesmo tempo? Pode. Então a exclusividade não é requisito essencial. Posso dizer, então, que a habitualidade se dá quando a mercancia é a principal atividade do indivíduo. Difícil também, porque se alguém exerce uma atividade como principal e, como acessória a atividade mercantil ele não será comerciante. O efeito disso é não estar sujeito à falência. Quem pode falir no Direito brasileiro? O comerciante. Quais requisitos da decretação da falência? Que exista, primeiro, um comerciante. Que tipo de comerciante? Qualquer um deles, individual ou coletivo, em nome próprio ou em nome coletivo, constituindo sociedade mercantil. Leremos bobagens na doutrina dizendo que empresário é uma coisa e comerciante é outra. São sinônimos. Mas um é nomenclatura de 1850, e outro é o termo usado a partir de 2002.
Quem pode falir, então, é empresário, seja individual ou coletivo.
Agora, além de ser empresário, o que mais tem que haver para a decretacap da falência? Inadimplência, que é o não cumprimento das obrigações em prazo certo. E, além disso, insolvência. No passado o juiz decretava a falência só com a inadimplência, sem insolvência. Era um absurdo, porque o sujeito poderia ter um patrimônio imobilizado enorme, mas sem liquidez. Poderia satisfazer o credor facilmente, sem que a empresa perdesse sua função social. Hoje, portanto, precisa ser inadimplente e insolvente.
O que precisamos, então, é saber quem é o comerciante, ou empresário. O art. 4º do Código Comercial determinava aquilo. “Habitualidade” não temos a menor ideia do que seja. Prática reiterada duas vezes por ano não é ato de comerciante? Um empresário pode vender 30 aeronaves uma vez por ano. Qual é a habitualidade? Não temos como saber. E profissão? Profissão, para o Código Comercial de 1850 e para a teoria subjetiva, é <i>registro</i>. Registro na Junta Comercial é elemento essencial, para a teoria subjetiva, para a qualificação do empresário. Naquela época, o registro era feito no Tribunal do Comércio do Império.
Vamos voltar à falência. Se não existe registro e alguém exerce a atividade comprando e vendendo, o que é uma atividade estritamente mercantil, mas sem registro, o efeito é que o sujeito não é empresário. Significa que não está sujeito à falência. O indivíduo que exerce a atividade, mas que não tem registro, pela teoria subjetiva, não é comerciante. Se não é comerciante, não está sujeito à falência.
E o que é “mercancia”? Também não sabemos. O Regulamento 737 trouxe no art. 19 a regulamentação do termo mercancia:
[[[
Art. 19. Considera-se mercancia:
§ 1º A compra e venda ou troca de effeitos moveis ou semoventes para os vender por grosso ou a retalho, na mesma especie ou manufacturados, ou para alugar o seu uso.
§ 2º As operações de cambio, banco e corretagem.
§ 3° As emprezas de fabricas; de com missões; de depositos; de expedição, consignação e transporte de mercadorias; de espectaculos publicos.
§ 4.° Os seguros, fretamentos, risco, e quaesquer contratos relativos ao commercio maritimo.
§ 5. ° A armação e expedição de navios.
]]]
Quando o legislador fez isso, adotou-se no Brasil a teoria objetiva. O que o legislador fez, então, foi adotar alguns critérios de definição de mercancia, inclusive com uma lista do que seriam os atos qualificados como tal. Agora olha-se para os atos e não para a pessoa. E brigamos por 100 anos para dizer que essa lista não era taxativa, mas meramente exemplificativa. Estava lá que a compra e venda é ato de comércio, transporte terrestre e marítimo, indústria, serviços, financeiros inclusive, seguro, etc.
Chegamos à conclusão de duas características essenciais para qualificar a mercancia daquela lista. São derivadas da teoria subjetiva e da objetiva: <b>circulabilidade</b> e <b>especulação</b>. São dois critérios que têm que estar presentes cumulativamente. Consequentemente classificamos a matéria como mercantil, e, em seguida, o Direito Mercantil será o adequado para a solução dos conflitos.
Circulabilidade é a <i>intenção de se colocar produtos e serviços em circulação</i>. Não efetivamente colocar, mas intenção de colocar. É a busca de transferência da posse e/ou propriedade desses bens jurídicos. Se existe a busca de modificação da posse ou propriedade dos bens, há que se falar em Circulabilidade. Se não houver a abertura da porta do estabelecimento físico, não existe circulabilidade. Se não houver a extroversão inicial, o intuito de projetar para fora, não há circulabilidade. Tem que haver circulação efetiva? Não. Abri o boteco mas ainda não inaugurei, mas estou com a intenção de colocar cerveja em circulação.
Especulação é <i>a intenção na obtenção de lucro</i>. Não é a presença efetiva do lucro. Se fosse o lucro propriamente dito, a falência não seria um instituto mercantil. A falência só ocorre em função da existência de um empresário, que seja inadimplente e que seja insolvente. Se existir sempre lucro, não há que se falar em insolvência, porque o ativo ficaria sempre maior que o passivo. Identificamos a especulação na intenção na obtenção de lucro. Havendo esses dois requisitos, a matéria é mercantil.
Daí fazemos uma classificação, dentro da teoria objetiva, dos atos de comércio.

<h4>Classificação dos atos de comércio</h4>
Classificamos em atos de comércio subjetivos, objetivos e por conexão.
Ato de comércio subjetivo, ou ato de comércio por natureza: são qualificados como tal em virtude da presença de um comerciante no exercício da relação jurídica. Que diferença tem isso para a teoria subjetiva? A diferença é que, na teoria subjetiva, para a qualificação do comerciante, o registro no órgão competente é elemento essencial. No ato de comércio subjetivo, o registro é dispensável. De novo: aqui, o foco é no ato, na atividade, e não na pessoa, por isso chamamos de ato de comércio. “Subjetivo”, aqui, será somente em virtude da presença de pelo menos um comerciante. O registro deixa de ser elemento essencial e passa a ser somente matéria de prova. Mesmo que não exista registro, desde que pratique seus negócios com especulação e circulabilidade, há que se falar em empresário, individual ou coletivo. O registro só facilita a prova. Se o registro deixou de ser essencial, significa que agora é possível haver a decretação de falência de alguém que seja qualificado como comerciante ainda que não haja registro. Pela teoria objetiva, sim! Isso foi primeiramente decidido no Brasil em 1974. Foi possível, então, a falência de uma sociedade de fato ou irregular. De fato seria a que existia e não tinha registro, e irregular era a sociedade com registro defeituoso. O efeito é o mesmo: responsabilidade ilimitada dos sócios. Significa que não é mais necessário definir qual das duas é.
O que aconteceu a partir disso foi que passamos a entender que, desde que presentes os requisitos da relação mercantil, o registro é agora só um critério de prova. É para o credor fazer a prova da existência do devedor comerciante. Se eu faço a prova, posso requerer dele a falência. Com efeito de requerer a falência não só da sociedade que não detém personalidade jurídica, mas também dos sócios. A extensão da responsabilidade à pessoa dos sócios é a sanção determinada pela lei por não haver registro próprio na Junta Comercial para uma sociedade mercantil constituída como tal. Se não levamos a arquivamento na Junta Comercial, uma sociedade por quotas tem como sanção a extensão da responsabilidade para as pessoas dos sócios. O sócio responde perante terceiros. Quando vemos isso, como aplicamos na falência? Do mesmo jeito. Se é uma sociedade de fato ou irregular, também ocorrerá quanto à sociedade e quanto aos sócios. Responde o patrimônio vinculado à atividade e o patrimônio pessoal dos sócios, ilimitadamente.
O comerciante individual pode falir? Pode. O registrado pode? Pode. O não registado pode? Também pode. É falência, e não insolvência. Requeremos a falência do empresário individual em virtude do descumprimento de suas obrigações. Se eu pretender a insolvência de um empresário, ele vai contestar dizendo: “não sou insolvente, sou falido.” A diferença é qual? Bastante. A administração sobre qual patrimônio. Na insolvência, o devedor perde a administração de todo o seu patrimônio. Na falência, somente perde a administração do patrimônio vinculado à atividade. O resto fica sob sua responsabilidade. Daí temos uma diferença enorme e prática.
Avançamos e chegamos à conclusão de que o ato de comércio subjetivo permitiu a decretação da falência do empresário coletivo ou individual mesmo sem registro. Essa é a teoria objetiva!
E como fazer a prova da existência de um empresário se ele não tem registro? Se tem registro, vá à Junta Comercial e pronto. Se não tem, use a contabilidade, se tiver; veja a emissão dos títulos em favor dele, comprovando que é devedor, títulos esses que são função de um negócio jurídico subjacente, que é mercantil, nisso fazemos a prova.
Ato de comércio objetivo é aquele que, independente de quem pratica, sempre será mercantil. Foi entendido como ato de comércio objetivo a emissão e circulação de títulos de crédito. Será sempre ato mercantil ou de comércio. Isso quer dizer o quê? Que a legislação que se aplica para a solução do conflito de execução defeituosa de um ato de comércio será o Direito Mercantil. O sub-ramo será o Direito Cambiário, o Direito dos títulos de crédito. Isso é muito importante. Por quê? Há pessoas proibidas de exercer a atividade mercantil? Sim. Servidores públicos, que estão impedidos de exercer a atividade, não pelo Direito Empresarial, mas pelo Direito Administrativo. O entendimento do Direito Administrativo é que o servidor público não deve e não pode exercer atividade mercantil em nome próprio porque, se exerce, ele estaria sujeito à falência. Se vier a falir, isso iria macular a boa imagem da Administração Pública, como se boa imagem ela tivesse. Consequentemente, o ordenamento jurídico proibiu ao servidor público exercer comércio em nome próprio. Em nome próprio porque ele pode exercer atividade mercantil como sócio de uma sociedade mercantil que tenha limitação de responsabilidade. Desde que ele não exerça a gerência e que o capital social esteja 100% integralizado. E também pode ser acionista de sociedade anônima, desde que suas ações estejam subscritas e totalmente integralizadas. Aí não responderá perante terceiros. É determinação do Direito Administrativo e não do Direito Mercantil.
E se fizer? Os atos são totalmente válidos, nem anuláveis serão. O efeito que terá para ele será o administrativo, se a Administração quiser sancioná-lo.
Servidor público pode praticar atos de comércio pela teoria objetiva porque não importa a pessoa de quem pratica. O que importa é o efeito perante terceiros. Digamos que o cheque começou a circular, foi pago pelo emitente em favor do 11º endossatário. Imagine que, nessa altura, esse endossatário descobre que o emitente é servidor público, e por isso seria inválido. Caos e insegurança jurídica se instalariam. Por isso temos o ato de comércio objetivo e circulação de título de crédito. Aplica-se só o Direito Cambiário, que é um Direito próprio, um ordenamento próprio, com características próprias para a solução de conflitos.
Atos de comércio por conexão e matérias excluídas da atividade mercantil ficam para amanhã.

 

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