Relaxamento da prisão em
flagrante
Ao receber o auto de prisão em
flagrante, pode o juiz, de ofício, segundo o art. 310 do CPP:
a) relaxar a prisão em
flagrante ilegal;
b) converter a prisão em
flagrante em preventiva;
c) conceder liberdade provisória.
Na liberdade provisória, a
prisão em flagrante ocorreu dentro da legalidade. No entanto, por estarem ausentes os requisitos da prisão
preventiva, não existe razão para que o sujeito aguarde preso o seu julgamento.
Para a população em geral, a soltura
do acusado de um crime pode parecer injusta. No entanto, por apreço ao
princípio da presunção de inocência – ou de não culpabilidade (art. 5º, LVII,
da CF) -, até que ocorra a efetiva condenação, a prisão não pode ser imposta,
salvo se existir alguma utilidade prática para a sua aplicação, conforme art.
312 do CPP: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime
e indício suficiente de autoria.
Comparo a prisão cautelar às
algemas, que devem ser utilizadas somente quando existir algum objetivo útil –
evitar a fuga, por exemplo -, e não como instrumento de condenação prévia.
Sobre o tema, merece transcrição a Súmula Vinculante n. 11, do STF: Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado
receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte
do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena
de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de
nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da
responsabilidade civil do Estado.
Presente, contudo, uma das
hipóteses do art. 312, pode o juiz converter a prisão em flagrante em prisão
preventiva, permanecendo o sujeito preso. Entretanto, atenção à alteração
ocorrida em 2011, com o advento da Lei 12.403. De acordo com a nova redação, a
prisão preventiva será cabível quando inadequadas ou insuficientes as medidas
cautelares alternativas à prisão, previstas no art. 319 do CPP.
O novo dispositivo reforça a
ideia de que a prisão deve ser medida excepcional, quando nenhuma outra for
suficiente para que se alcance o objetivo prático que se busca. Se, por
exemplo, o recolhimento domiciliar no período noturno for eficaz para assegurar
a ordem pública, por qual razão impôr a prisão, medida cautelar mais gravosa do
nosso ordenamento?
Por fim, se a prisão em flagrante for ilegal, deve o juiz relaxá-la. O relaxamento tem previsão
constitucional, no art. 5º, LXV. A ilegalidade pode decorrer de uma série de
motivos, não existindo um rol taxativo. Todavia, a título de exemplo, vale
mencionar algumas hipóteses: a prisão em flagrante daquele que se apresenta
espontaneamente, a ausência de comunicação da prisão ao juiz competente, o
excesso de prazo para a adoção de algum procedimento etc.
Na verdade, se observarmos as
situações em que a prisão em flagrante é ilegal, quase todas decorrem de
violação ao art. 302 do CPP, salvo aquelas referentes ao procedimento de
lavratura do respectivo auto. Portanto, é a matriz para qualquer pedido de
relaxamento.
Ainda que o relaxamento deva
ocorrer de ofício, quando o juiz estiver diante de uma ilegalidade na prisão,
nada impede que o preso, em defesa dos seus interesses, requeira judicialmente
a sua concessão. Com isso em mente, partiremos para a primeira peça prática do
nosso manual: o relaxamento da prisão em flagrante.
O pedido de relaxamento é um
requerimento simples, em uma única peça. O endereçamento é para o juiz de
primeiro grau, salvo quando a ilegalidade partir dele, hipótese em que a
liberdade deverá ser pedida em habeas corpus, à instância superior.
A peça deve ser fundamentada
nos artigos 310, I, do CPP e 5º, LXV, da CF. É necessário qualificar o
requerente. Caso a sua elaboração se dê em prova, utilize somente os dados
fornecidos no enunciado. Jamais invente informações!
Nos fatos, basta um breve
resumo da situação. No tópico “do direito”, discorra sobre a ilegalidade da
prisão. Como o relaxamento tem como objetivo, somente, a liberdade do
requerente, não é o momento adequado para discutir o mérito da causa, a não ser
que influencie na prisão em flagrante (ex.: a demonstração de que o fato é
atípico).
No pedido, basta requerer o
reconhecimento da ilegalidade da prisão, e, é claro, a expedição de alvará de
soltura. Sempre que a situação tiver, como objetivo, a soltura do acusado, peça
o alvará.
O relaxamento é facilmente
identificável, pois, em provas, o enunciado deixará bem claro que a prisão é
ilegal. Não sendo o caso de ilegalidade, peça a concessão de liberdade
provisória, por ausência dos requisitos da prisão preventiva. Por fim, se o
enunciado trouxer situações de ilegalidade e de legalidade, requeira o
relaxamento cumulado à liberdade provisória. Feitas as considerações gerais,
vamos à prática!
(OAB/FGV – VII Exame de Ordem) No dia 10 de março de 2011, após ingerir um litro de vinho na sede
de sua fazenda, José Alves pegou seu automóvel e passou a conduzi-lo ao longo
da estrada que tangencia sua propriedade rural. Após percorrer cerca de dois
quilômetros na estrada absolutamente deserta, José Alves foi surpreendido por
uma equipe da Polícia Militar que lá estava a fim de procurar um indivíduo foragido
do presídio da localidade. Abordado pelos policiais, José Alves saiu de seu
veículo trôpego e exalando forte odor de álcool, oportunidade em que, de
maneira incisiva, os policiais lhe compeliram a realizar um teste de alcoolemia
em aparelho de ar alveolar. Realizado o teste, foi constatado que José Alves
tinha concentração de álcool de um miligrama por litro de ar expelido pelos
pulmões, razão pela qual os policiais o conduziram à Unidade de Polícia
Judiciária, onde foi lavrado Auto de Prisão em Flagrante pela prática do crime
previsto no artigo 306 da Lei 9.503/1997, c/c artigo 2º, inciso II, do Decreto
6.488/2008, sendo-lhe negado no referido Auto de Prisão em Flagrante o direito
de entrevistar-se com seus advogados ou com seus familiares.
Dois dias após a lavratura do
Auto de Prisão em Flagrante, em razão de José Alves ter permanecido encarcerado
na Delegacia de Polícia, você é procurado pela família do preso, sob protestos
de que não conseguiam vê-lo e de que o delegado não comunicara o fato ao juízo
competente, tampouco à Defensoria Pública.
Com base somente nas
informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso
concreto acima, na qualidade de advogado de José Alves, redija a peça
cabível, exclusiva de advogado, no que tange à liberdade de seu cliente,
questionando, em juízo, eventuais ilegalidades praticadas pela Autoridade
Policial, alegando para tanto toda a matéria de direito pertinente ao caso.
Modelo de peça
Excelentíssimo Senhor Juiz de
Direito da … Vara Criminal da Comarca …
Como o enunciado não faz menção à Comarca, utilize apenas reticências. Se o caso fosse de crime doloso contra a vida, o endereçamento seria ao juiz da “Vara do Júri”; se de competência da Justiça Federal, “Juiz Federal da … Vara Criminal da Justiça Federal da Seção Judiciária de ...”.
José Alves, nacionalidade …,
estado civil …, profissão …, residente e domiciliado no endereço …, por seu
advogado, que esta subscreve (procuração anexada), vem, perante Vossa
Excelência, requerer o RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, com fundamento no
art. 5º, LXV, da Constituição Federal, e art. 310, I, do Código de Processo
Penal, pelas razões a seguir expostas:
Atenção à correta fundamentação
da peça! Ademais, ao qualificar o requerente, não invente dados. Por mais que o
enunciado diga que a prisão ocorreu em sua “propriedade rural”, qualificá-lo
como “agricultor” pode resultar em identificação da peça.
I. DOS FATOS
No dia 10 de março, o requerente foi preso em flagrante após ser obrigado por policiais militares a se submeter ao exame de alcoolemia em aparelho de ar alveolar.
Decorridos dois dias da prisão,
o requerente permanece preso na Delegacia de Polícia, incomunicável, e sem que
a Defensoria Pública tenha sido comunicada da prisão, não obstante a não
indicação de advogado.
Não perca muito tempo
descrevendo os fatos. Basta o resumo do enunciado, pois não há atribuição de
pontos ao que for dito neste tópico.
II. DO DIREITO
Entrementes, Excelência, a
prisão em flagrante não pode prosperar, visto que evidentemente ilegal.
Conforme relatado, o requerente
foi compelido a realizar o chamado “teste do bafômetro” contra a sua vontade,
em violação ao artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, que prevê o direito
de não produzir provas contra si.
Portanto, a prova que ensejou a
prisão em flagrante do requerente é ilícita, nos termos do art. 5º, LVI, da
Constituição Federal e do art. 157 do Código de Processo Penal, inexistindo
razão para que a prisão subsista.
Ademais, não obstante a ilegalidade da prisão por licitude da prova, a autoridade policial impôs a incomunicabilidade ao requerente, que está inacessível aos seus familiares e ao seu advogado, em clara violação ao art. 5º, LXIII, da CF/88, bem como ao art. 7º, III, do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94). Destarte, está demonstrado claramente mais um vício no auto de prisão em flagrante.
Por derradeiro, a autoridade policial não realizou a comunicação, no prazo previsto no art. 306, § 1º, do Código de Processo Penal, da Defensoria Pública, configurando mais uma causa de mácula ao auto de prisão em flagrante.
Dessa forma, a prisão em flagrante é ilegal por três razões: a) a ilicitude da prova; b) a incomunicabilidade; c) a ausência de comunicação à Defensoria Pública.
No tópico “do direito”, é
importante ser objetivo em suas razões. O tempo de prova é curto e o espaço
para a elaboração da redação é limitado. Além disso, a correção é bem objetiva.
O examinador procurará, em sua prova, somente as respostas do gabarito. O restante
será simplesmente ignorado. Além disso, em meio a muita informação, existe o
risco de que a resposta não seja encontrada por quem corrigir a prova. Basta
escrever umas poucas palavras sobre a tese e fundamentá-la corretamente.
III. DO PEDIDO
Diante do exposto, requer seja
reconhecida a ilegalidade da prisão, para que se conceda o relaxamento da
prisão em flagrante. Pede, ademais, a expedição de alvará de soltura em favor
do requerente.
O pedido corresponde à tese. Se
a peça tem como objetivo o relaxamento da prisão, o pedido não poderia ser
outro. Não se esqueça, além disso, de pedir a expedição de alvará. Na prática,
não é necessário. Se o juiz reconhecer a ilegalidade, o alvará será expedido.
Contudo, em provas, é imprescindível que se peça.
Pede deferimento.
Comarca …, data ….
Advogado ….
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